São Paulo, domingo, 03 de março de 2002

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NO PLANALTO

Sob Paulo Renato, escola cria o bolsa-avacalhação

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

De Paulo Renato para a Folha, duas semanas atrás: "Eu era o candidato [à Presidência" com maior capacidade de agregar os aliados". Desagregado, o tucanato negou-lhe até bilhete para a disputa ao Senado. Ótimo. Pode, agora, perseguir objetivo mais modesto: desatar encrenca que, por omissão, ajudou a criar.
Deu-se o seguinte:
1) há nove meses, aportou em Brasília denúncia de funcionário de uma escola de Belém. Chama-se Cefet/PA (Centro Federal de Educação Tecnológica do Pará). Integra rede de 72 escolas técnicas e agrotécnicas espalhadas pelo país. Pende do organograma do MEC;
2) acionada, a Secretaria Federal de Controle, órgão de auditagem do governo, destacou seis fiscais para vasculhar os arquivos do Cefet/PA. Documento de 27 de novembro de 2001 contabiliza os primeiros achados;
3) levantaram-se: a) gastos de R$ 3,9 milhões sem documentos que os comprovem; b) desvios de R$ 604 mil; c) vestígios de manipulação de concursos; d) de falsificação de documentos; e) contabilidade paralela...;
4) meticuloso, o trabalho reconstitui, por exemplo, compra feita em 2000. Gastaram-se R$ 60 mil em computadores. Os auditores foram à loja (Alves Elétrico e Eletrônicos). Deram de cara com um açougue. A nota, segundo o governo do Pará, é gelada;
5) sob a alegação de que o Cefet/PA sonegava dados, os auditores pediram, no próprio relatório de 27 de novembro, o afastamento do diretor da escola. Chama-se Sérgio Cabeça Braz. Exemplo de longevidade: 18 anos no posto;
6) os investigadores pediram também o afastamento de cinco auxiliares de Sérgio Cabeça. Recomendaram, por último, que Brasília nomeasse um interventor para o Cefet/PA;
7) o Ministério da Educação caminhou em sentido oposto. No apagar das luzes de 2001, confiou a um Sérgio cuja cabeça mal se aguentava sobre o pescoço uma missão de R$ 3,8 milhões: a implantação de escola técnica em Palmas (TO);
8) sobravam pretextos para que Paulo Renato sacrificasse Sérgio Cabeça. Estruturadas como autarquias, as escolas do MEC sujeitam-se ao controle do TCU. E o tribunal rejeitara as contas de Sérgio de 1991 e de 1997. Julgou-as, respectivamente, em 1997 e 2000, sempre sob Paulo Renato;
9) rezam a lei e o bom senso que administradores carimbados pelo TCU devem ser mantidos longe das arcas. O ministro, porém, piscou para o azar. Havia reconduzido Sérgio Cabeça à direção do Cefet/PA em janeiro de 1999 e em janeiro de 2001. Sob protestos dos auditores, permitiu que sobrevivesse aos fogos que saudaram a chegada de 2002;
10) Paulo Renato alega que só soube das suspeitas que rondavam o Cefet/PA em janeiro. Ruim. Sua assessoria soube antes. Só em 1º de fevereiro, sob insistência dos auditores, Sérgio Cabeça foi exonerado. O ministro manteve a escola, porém, sob comando da velha equipe. Nada de intervenção;
11) saído do forno há dez dias, novo relatório dos auditores revela: montou-se no Pará uma espécie de bolsa-avacalhação. Pelo menos R$ 1,2 milhão escorreu de contas da escola no Banco do Brasil para contas particulares;
12) o repórter descobriu que, entre os beneficiários, figuram dois nomões do time de Paulo Renato: Ruy Leite Berger Filho, chefe da secretaria incumbida de supervisionar as escolas técnicas, e Manoel Mendes de Oliveira, coordenador de Planejamento da mesma repartição;
13) na conta de Ruy Berger pingou um depósito de R$ 5.000, em 29 de dezembro de 1999. Ouvido na quarta-feira, ele disse: "Em princípio, não era para ter nada. Vou verificar". Na quinta, entregou a Paulo Renato carta na qual informa ter sido procurado pelo repórter e pede afastamento por 60 dias. A que se refere o depósito? Prefere não dizer. Há outros repasses? Assegura que não;
14) Manoel Mendes, subordinado de Berger, foi premiado com três repasses vindos de Belém, entre março de 1998 e junho de 1999. Somam R$ 8.000. Procurado, não deu resposta;
15) entre os sócios do bolsa-avacalhação destacam-se funcionários que serviram ao diretor Sérgio Cabeça e continuam na escola. Maria Auxiliadora Gomes Araújo, chefe de gabinete da direção do Cefet/PA, beliscou R$ 225.830. Foram 31 transferências, entre 1998 e 2000. "Não sei de nada disso", afirmou ao repórter;
16) Pedrina Wânia Mesquita Gomes, irmã de Maria Auxiliadora, também lotada na direção da escola, petiscou nove repasses: R$ 48.168,97. "Não tenho conhecimento";
17) o professor Francisco Solano Rodrigues Neto abiscoitou R$ 73.575,40, em 13 cotas. "Você me pegou de surpresa. Preciso averiguar";
18) até Wilson Tavares Von Paumgartten, que dirige interinamente a escola desde a exoneração de Sérgio Cabeça, figura, modestamente, na lista: R$ 1.000, em 17 de dezembro de 1999. "Não sei disso";
19) O diretor afastado Sérgio Cabeça e cinco ex-auxiliares contrataram o advogado Inocêncio Coelho Filho. Ele acusa os auditores de "agirem com parcialidade". Tenta responsabilizá-los criminalmente. Quer melar a investigação;
20) na sexta-feira, Paulo Renato fez por pressão o que não fizera por convicção. Afastou Ruy Berger por dois meses, acomodou no lugar dele Pedro Paulo Poppovic, abriu sindicância e nomeou, finalmente, o professor Paulo de Tarso Costa Henriques para intervir em Belém. Manoel "R$ 8.000" Mendes foi poupado;
21) para reforçar o cheiro de queimado, o TCU informou que Ruy Berger foi condenado, junto com outras três pessoas, a devolver R$ 120.500 enterrados indevidamente num programa de "modernização" de escola técnica do Espírito Santo. É confusão velha. Vem de 1995. Mas Paulo Renato diz que ficou sabendo agora. Berger recorreu;
22) o TCU analisa caso idêntico ocorrido no Piauí, também em 1995. Pelas mesmas razões, Berger é réu num inquérito em Mato Grosso. Tenta-se reaver R$ 590 mil em gastos supostamente ilegais;
23) moral da história: em certos casos, Paulo Renato há de concordar, é melhor agir duas vezes antes de pensar.



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