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ENTREVISTA DA 2ª
Ministro do Planejamento diz que "não dá para fazer milagre"
Mantega afirma que não haverá "choque de juros"
Sérgio Lima/Folha Imagem
![](../images/n0303200301.jpg) |
O ministro do Planejamento, Guido Mantega, durante entrevista à Folha em seu gabinete |
MARTA SALOMON
SÍLVIA MUGNATTO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ministro Guido Mantega
(Planejamento) tem administrado a pressão de colegas contra
cortes no Orçamento da União e
conseguiu driblar a ameaça de
greve dos servidores públicos sem
dar o aumento que pediam. Mas
ainda tem dificuldades em convencer os amigos de fora da Esplanada de que o governo está
certo ao apostar no aumento de
juros e no corte de gastos -receita que o PT criticou no passado.
"Não dá para fazer milagre", argumenta, convencido de que o
governo Lula não tinha alternativa para os remédios amargos que
vem administrando à economia:
dois aumentos seguidos dos juros
e elevação da economia de gastos
para pagamento desses juros, que
tomaram mais de 20% do dinheiro disponível para investimentos
e manutenção da máquina.
Diante da expectativa de alta da
inflação, Mantega avalia que o
problema é do mercado, que não
consegue enxergar mais adiante.
Segundo ele, a radicalização da receita ortodoxa tem limite: "Nós
não faremos a política de choque
de juros que foi feita no passado".
Mantega diz que as duas elevações dos juros não podem ser
classificadas de "um grande aumento" da taxa. "Vamos dar o remédio para não matar o paciente.
Remédio para matar é jogar a taxa
de juros para 40% como já foi feito no passado recente."
Em entrevista na última quinta-feira, o ministro disse que é importante manter a meta de inflação nos atuais 8,5% fixados em janeiro, "mesmo que depois não seja 8,5%, seja 9,5%, 10%, não importa". Leia trechos da entrevista:
Folha - Os remédios amargos acabaram?
Guido Mantega - Não posso antecipar. Nós temos aí uma guerra
pela frente, não sabemos o que vai
acontecer. Acredito que daqui para a frente teremos uma queda da
inflação. Se isso for verificado, a
política monetária poderá ser
mais branda. Por que elevamos o
superávit primário? É para poder
baixar mais rapidamente as taxas
de juros. Você só não fez isso agora porque controlar a inflação é
prioritário. Uma vez acomodado
esse problema, estamos criando
as condições para que a taxa de juros caia mais rapidamente.
Folha - Mas o governo aumentou
duas vezes os juros e ainda não
conseguiu reverter a expectativa
de uma inflação mais alta este ano.
Mantega - A expectativa do mercado para o IPCA é de 12%. Não
chega a ser uma coisa tão elevada.
Eu diria que já há sinal de queda
dessa inflação. A queda demorou
um pouquinho, mais do que a
gente imaginava, porque o dólar
caiu e depois ele subiu de novo. E
ele causa uma pressão nos IGPs
[Índices Gerais de Preços] todos.
Mas o pico da inflação foi em dezembro. O IGP já começou a cair
em dezembro e em janeiro. Aí ele
deu uma recuperada, mas ainda
continua apontando para baixo.
Sobre o IPCA, é normal que ele
reaja um pouco depois; primeiro
o atacado, depois o varejo. Acho
engraçado que eles [do mercado]
têm uma visão muito imediatista.
Aquela pesquisa Focus [projeções
macroeconômicas de várias instituições financeiras] do BC, ela vê
mais o curto prazo e não consegue enxergar mais adiante.
Folha - As consequências negativas do aumento das taxas de juros
não serão, por ora, maiores que as
positivas já que a inflação não deve
ficar dentro da meta?
Mantega - Eu acho interessante
manter os 8,5% [como meta] porque é um objetivo que está sendo
perseguido. Isso mostra que o governo não vai afrouxar o combate
à inflação. Mesmo que depois não
seja 8,5%, seja 9,5%, 10%, não importa. Porque a inflação é o pior
inimigo do país: é ruim para o trabalhador porque corrói renda,
para o empresário, porque atrapalha as perspectivas de investimento. Não podemos bobear com a inflação.
Folha - Em outra época o sr. não
diria que esse é um remédio que
pode matar o paciente?
Mantega - Vamos dar o remédio
para não matar o paciente. Remédio para matar é jogar a taxa de juros para 40%, como já foi feito no
passado recente. Nós aumentamos meio ponto percentual em
uma reunião e um na outra. Não
dá para dizer que foi um grande
aumento. Nós não faremos a política de choque de juros que foi feita no passado. Essa é uma diferença. Aumentamos o mínimo. Do
ponto de vista do juro real, está
menor que no passado. O IGP já
está em mais de 26% [em 12 meses]. Se pegar no mês não é exagerado. A inflação de janeiro foi de
2%, e a remuneração de uma aplicação foi mais ou menos isso. Em
fevereiro, acho que vai ser menor,
acho que vai dar 1,7%.
Folha - O sr. não tem amigos criticando a semelhança da atual gestão com o governo anterior?
Mantega - Talvez pessoas que
estão fora do governo não consigam entender. Não entenderam
qual é a estratégia, talvez não soubemos comunicar. Se você pegar
outros governos de esquerda que
se elegeram e encontraram essa
situação, vai ver. Tem gente que
acha que em dois meses já dá para
resolver. O Brasil estava numa situação bastante crítica no ano
passado. Tinha gente lá fora dizendo que íamos fazer a moratória de qualquer jeito. Então, não
dá para fazer milagre. Chegar ao
primeiro mês e dizer: "Vamos
crescer, baixar os juros, aumentar
os investimentos". Isso é uma irresponsabilidade. As pessoas que
estão mais distantes do que estamos vivendo não enxergam, mas
depois vão enxergar.
Folha - O que o sr. achou da ata do
Copom que fala em apoio da população para controlar a inflação?
Mantega - Se dá muita importância a questões menores. Uma
questão central é impedir que volte a indexação no país, isso é perigoso porque cria uma inflação
inercial, jogando a inflação do
passado para a frente. Não é demais estimular a população a fazer o seu trabalho também de rejeitar preços maiores porque existem setores que querem aumentar a sua margem, indevidamente
até. Tem gente que lembra dos fiscais do Sarney. Isso é bobagem.
Folha - Que setores estão aumentando os lucros indevidamente?
Mantega - Setores que são commodities, todos eles procuraram
aproveitar. Cobram o preço externo, mas não têm o custo em dólar.
Eles têm uma receita em dólar,
então não precisariam aumentar.
Tem vários setores [aumentando
indevidamente]: soja, álcool, trigo, gás, tarifas telefônicas.
Folha - O governo fez um estudo
sobre o impacto da alta dos juros e
corte de gastos no crescimento?
Mantega - Não, porque a gente
acredita que são medidas transitórias. Não dá para projetar para o
ano todo. Além do que é preciso
raciocinar que o juro real caiu.
Folha - E quanto tempo dura a
transição até que o governo Lula
possa mudar o modelo econômico?
Mantega - A minha posição pessoal é de que é muito difícil você
montar um cenário definitivo
quando se está para começar uma
perturbação bélica. É melhor não
arriscar. Eu acho que vai durar
uns dois ou três meses. E depois
disso vamos entrar na rota positiva: queda do risco-país, aumento
do superávit comercial com redução da vulnerabilidade externa.
Vamos fazer as reformas ainda no
primeiro semestre, o que também
vai diminuir o risco-país. Nós temos condições para que, passado
esse problema momentâneo, a
coisa vá muito bem. Acredito que
no segundo semestre nós já estejamos numa trajetória positiva.
Folha - O PT já estava preparado
para fazer o que muitas vezes condenou no governo FHC?
Mantega - Já estávamos preparados. Temos consciência de que
esse processo é o de arrumação da
casa. Você entrou em uma casa
que estava toda desarrumada. Então primeiro você dá uma arrumada na casa para depois começar vida nova. É chato arrumar a
casa, tirar a poeira, dá alergia ao
tirar o pó, dá trabalho, mas depois
poderemos fazer as mudanças
que prometemos. Vamos ter safra
recorde, seremos os maiores produtores de soja. O setor exportador está crescendo 10%. Quando
passar essa história de Iraque, todo mundo vai dizer que o Brasil
está bem e aí vai aumentar o investimento externo, o dólar vai
cair. Aí vamos estar preocupados
com a queda excessiva do dólar.
Folha - Quais serão as medidas
depois da arrumação?
Mantega - O Plano Plurianual é
o nosso projeto de longo prazo
que está sendo iniciado agora para ser implementado a partir de
2004. Vamos discutir com a sociedade. É completamente diferente:
um planejamento com participação da sociedade e descentralizado. Nós vamos discutir com governadores, sindicatos, vamos
atacar os desequilíbrios regionais.
É daí que vai sair o novo modelo
de desenvolvimento para o país.
Folha - Em 2004 acaba o período
de administrar a escassez?
Mantega - O Estado sempre administra escassez. O primeiro ano
sempre é o pior. Se a gente conseguir deslanchar o crescimento, ele
por si só resolve uma série de problemas: aumenta a receita do Estado de forma sadia, cria empregos, e aí a pressão social diminui.
Folha - Quais são as medidas
compensatórias?
Mantega - O presidente reuniu
os principais bancos públicos e
procurou orientar a ação desses
bancos porque eles têm recursos
para fomentar o crescimento. Se o
Orçamento está apertado, mas a
Caixa Econômica Federal tem recursos, então vamos botar isso no
mercado. Principalmente estimular pequenas e médias atividades
que geram empregos. Tem um
veio a ser explorado. Continuamos dando crédito agrícola com
subsídio. Isso tem um efeito multiplicador muito grande.
Folha - Como vai ser o reajuste do
salário mínimo? Pode ser um dos
menores dos últimos tempos?
Mantega - Se for R$ 240, será um
reajuste de 20%. Se for R$ 234 já
está acima da inflação, porque é
17% contra uma inflação de 12%
pelo IPCA, tem ganho de 5%.
Folha - Há dinheiro para R$ 240?
Mantega - Até abril vamos ter
uma nova situação da receita. Se
não houver receita extraordinária, vamos ter que fazer contingenciamento em alguma outra parte ou podemos ter aumento da
eficiência no custeio.
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