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São Paulo, segunda-feira, 03 de março de 2003

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ENTREVISTA DA 2ª

Ministro do Planejamento diz que "não dá para fazer milagre"

Mantega afirma que não haverá "choque de juros"

Sérgio Lima/Folha Imagem
O ministro do Planejamento, Guido Mantega, durante entrevista à Folha em seu gabinete


MARTA SALOMON
SÍLVIA MUGNATTO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro Guido Mantega (Planejamento) tem administrado a pressão de colegas contra cortes no Orçamento da União e conseguiu driblar a ameaça de greve dos servidores públicos sem dar o aumento que pediam. Mas ainda tem dificuldades em convencer os amigos de fora da Esplanada de que o governo está certo ao apostar no aumento de juros e no corte de gastos -receita que o PT criticou no passado.
"Não dá para fazer milagre", argumenta, convencido de que o governo Lula não tinha alternativa para os remédios amargos que vem administrando à economia: dois aumentos seguidos dos juros e elevação da economia de gastos para pagamento desses juros, que tomaram mais de 20% do dinheiro disponível para investimentos e manutenção da máquina.
Diante da expectativa de alta da inflação, Mantega avalia que o problema é do mercado, que não consegue enxergar mais adiante. Segundo ele, a radicalização da receita ortodoxa tem limite: "Nós não faremos a política de choque de juros que foi feita no passado". Mantega diz que as duas elevações dos juros não podem ser classificadas de "um grande aumento" da taxa. "Vamos dar o remédio para não matar o paciente. Remédio para matar é jogar a taxa de juros para 40% como já foi feito no passado recente."
Em entrevista na última quinta-feira, o ministro disse que é importante manter a meta de inflação nos atuais 8,5% fixados em janeiro, "mesmo que depois não seja 8,5%, seja 9,5%, 10%, não importa". Leia trechos da entrevista:
 

Folha - Os remédios amargos acabaram?
Guido Mantega -
Não posso antecipar. Nós temos aí uma guerra pela frente, não sabemos o que vai acontecer. Acredito que daqui para a frente teremos uma queda da inflação. Se isso for verificado, a política monetária poderá ser mais branda. Por que elevamos o superávit primário? É para poder baixar mais rapidamente as taxas de juros. Você só não fez isso agora porque controlar a inflação é prioritário. Uma vez acomodado esse problema, estamos criando as condições para que a taxa de juros caia mais rapidamente.

Folha - Mas o governo aumentou duas vezes os juros e ainda não conseguiu reverter a expectativa de uma inflação mais alta este ano.
Mantega -
A expectativa do mercado para o IPCA é de 12%. Não chega a ser uma coisa tão elevada. Eu diria que já há sinal de queda dessa inflação. A queda demorou um pouquinho, mais do que a gente imaginava, porque o dólar caiu e depois ele subiu de novo. E ele causa uma pressão nos IGPs [Índices Gerais de Preços] todos. Mas o pico da inflação foi em dezembro. O IGP já começou a cair em dezembro e em janeiro. Aí ele deu uma recuperada, mas ainda continua apontando para baixo. Sobre o IPCA, é normal que ele reaja um pouco depois; primeiro o atacado, depois o varejo. Acho engraçado que eles [do mercado] têm uma visão muito imediatista. Aquela pesquisa Focus [projeções macroeconômicas de várias instituições financeiras] do BC, ela vê mais o curto prazo e não consegue enxergar mais adiante.

Folha - As consequências negativas do aumento das taxas de juros não serão, por ora, maiores que as positivas já que a inflação não deve ficar dentro da meta?
Mantega -
Eu acho interessante manter os 8,5% [como meta] porque é um objetivo que está sendo perseguido. Isso mostra que o governo não vai afrouxar o combate à inflação. Mesmo que depois não seja 8,5%, seja 9,5%, 10%, não importa. Porque a inflação é o pior inimigo do país: é ruim para o trabalhador porque corrói renda, para o empresário, porque atrapalha as perspectivas de investimento. Não podemos bobear com a inflação.

Folha - Em outra época o sr. não diria que esse é um remédio que pode matar o paciente?
Mantega -
Vamos dar o remédio para não matar o paciente. Remédio para matar é jogar a taxa de juros para 40%, como já foi feito no passado recente. Nós aumentamos meio ponto percentual em uma reunião e um na outra. Não dá para dizer que foi um grande aumento. Nós não faremos a política de choque de juros que foi feita no passado. Essa é uma diferença. Aumentamos o mínimo. Do ponto de vista do juro real, está menor que no passado. O IGP já está em mais de 26% [em 12 meses]. Se pegar no mês não é exagerado. A inflação de janeiro foi de 2%, e a remuneração de uma aplicação foi mais ou menos isso. Em fevereiro, acho que vai ser menor, acho que vai dar 1,7%.

Folha - O sr. não tem amigos criticando a semelhança da atual gestão com o governo anterior?
Mantega -
Talvez pessoas que estão fora do governo não consigam entender. Não entenderam qual é a estratégia, talvez não soubemos comunicar. Se você pegar outros governos de esquerda que se elegeram e encontraram essa situação, vai ver. Tem gente que acha que em dois meses já dá para resolver. O Brasil estava numa situação bastante crítica no ano passado. Tinha gente lá fora dizendo que íamos fazer a moratória de qualquer jeito. Então, não dá para fazer milagre. Chegar ao primeiro mês e dizer: "Vamos crescer, baixar os juros, aumentar os investimentos". Isso é uma irresponsabilidade. As pessoas que estão mais distantes do que estamos vivendo não enxergam, mas depois vão enxergar.

Folha - O que o sr. achou da ata do Copom que fala em apoio da população para controlar a inflação?
Mantega -
Se dá muita importância a questões menores. Uma questão central é impedir que volte a indexação no país, isso é perigoso porque cria uma inflação inercial, jogando a inflação do passado para a frente. Não é demais estimular a população a fazer o seu trabalho também de rejeitar preços maiores porque existem setores que querem aumentar a sua margem, indevidamente até. Tem gente que lembra dos fiscais do Sarney. Isso é bobagem.

Folha - Que setores estão aumentando os lucros indevidamente?
Mantega -
Setores que são commodities, todos eles procuraram aproveitar. Cobram o preço externo, mas não têm o custo em dólar. Eles têm uma receita em dólar, então não precisariam aumentar. Tem vários setores [aumentando indevidamente]: soja, álcool, trigo, gás, tarifas telefônicas.

Folha - O governo fez um estudo sobre o impacto da alta dos juros e corte de gastos no crescimento?
Mantega -
Não, porque a gente acredita que são medidas transitórias. Não dá para projetar para o ano todo. Além do que é preciso raciocinar que o juro real caiu.

Folha - E quanto tempo dura a transição até que o governo Lula possa mudar o modelo econômico?
Mantega -
A minha posição pessoal é de que é muito difícil você montar um cenário definitivo quando se está para começar uma perturbação bélica. É melhor não arriscar. Eu acho que vai durar uns dois ou três meses. E depois disso vamos entrar na rota positiva: queda do risco-país, aumento do superávit comercial com redução da vulnerabilidade externa. Vamos fazer as reformas ainda no primeiro semestre, o que também vai diminuir o risco-país. Nós temos condições para que, passado esse problema momentâneo, a coisa vá muito bem. Acredito que no segundo semestre nós já estejamos numa trajetória positiva.

Folha - O PT já estava preparado para fazer o que muitas vezes condenou no governo FHC?
Mantega -
Já estávamos preparados. Temos consciência de que esse processo é o de arrumação da casa. Você entrou em uma casa que estava toda desarrumada. Então primeiro você dá uma arrumada na casa para depois começar vida nova. É chato arrumar a casa, tirar a poeira, dá alergia ao tirar o pó, dá trabalho, mas depois poderemos fazer as mudanças que prometemos. Vamos ter safra recorde, seremos os maiores produtores de soja. O setor exportador está crescendo 10%. Quando passar essa história de Iraque, todo mundo vai dizer que o Brasil está bem e aí vai aumentar o investimento externo, o dólar vai cair. Aí vamos estar preocupados com a queda excessiva do dólar.

Folha - Quais serão as medidas depois da arrumação?
Mantega -
O Plano Plurianual é o nosso projeto de longo prazo que está sendo iniciado agora para ser implementado a partir de 2004. Vamos discutir com a sociedade. É completamente diferente: um planejamento com participação da sociedade e descentralizado. Nós vamos discutir com governadores, sindicatos, vamos atacar os desequilíbrios regionais. É daí que vai sair o novo modelo de desenvolvimento para o país.

Folha - Em 2004 acaba o período de administrar a escassez?
Mantega -
O Estado sempre administra escassez. O primeiro ano sempre é o pior. Se a gente conseguir deslanchar o crescimento, ele por si só resolve uma série de problemas: aumenta a receita do Estado de forma sadia, cria empregos, e aí a pressão social diminui.

Folha - Quais são as medidas compensatórias?
Mantega -
O presidente reuniu os principais bancos públicos e procurou orientar a ação desses bancos porque eles têm recursos para fomentar o crescimento. Se o Orçamento está apertado, mas a Caixa Econômica Federal tem recursos, então vamos botar isso no mercado. Principalmente estimular pequenas e médias atividades que geram empregos. Tem um veio a ser explorado. Continuamos dando crédito agrícola com subsídio. Isso tem um efeito multiplicador muito grande.

Folha - Como vai ser o reajuste do salário mínimo? Pode ser um dos menores dos últimos tempos?
Mantega -
Se for R$ 240, será um reajuste de 20%. Se for R$ 234 já está acima da inflação, porque é 17% contra uma inflação de 12% pelo IPCA, tem ganho de 5%.

Folha - Há dinheiro para R$ 240?
Mantega -
Até abril vamos ter uma nova situação da receita. Se não houver receita extraordinária, vamos ter que fazer contingenciamento em alguma outra parte ou podemos ter aumento da eficiência no custeio.


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