São Paulo, quinta-feira, 03 de março de 2005

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SALÁRIO MÁXIMO

Senado barrou articulação entre Câmara e STF para aprovar proposta

Pressionado, Severino recua de aumento para deputados

MÔNICA BERGAMO
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

O presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE), desistiu do aumento de salários para deputados e senadores. "Não vou mais mexer com isso. Cumpri minha palavra. Não querem, não querem", disse ontem à noite, após o Senado ter barrado tentativa de reajuste salarial sem votação em plenário.
"Não vou botar mais esse assunto para funcionar, porque os deputados não querem", afirmou Severino, que defendeu o aumento em sua campanha pela presidência da Casa.
Ele desabafou para alguns deputados que estavam em sua sala: "Vou dizer uma coisa: eles são uns idiotas mesmo".
O desabafo foi feito após um dia tenso de negociações, ao final do qual o Senado acabou barrando a articulação feita entre o presidente do STF, Nelson Jobim, e o presidente da Câmara para aprovar o aumento salarial dos deputados por meio de um simples ato administrativo.
Com apoio insuficiente entre os partidos para aprovar no plenário o aumento de 67% para os deputados e senadores -que elevaria a remuneração de R$ 12.847 para R$ 21.500-, Severino e Jobim tentaram, então, emplacar um reajuste menor, de 48,8%.
A idéia era fazer um ato administrativo, assinado pelas Mesas da Câmara e do Senado, sem necessidade de votação em plenário. Ele elevaria o salário mensal dos 594 congressistas de R$ 12.847 para R$ 19.115, R$ 2.385 a menos do que os R$ 21.500 até então pretendidos.
"O Senado não tem condição de fazer compromisso com nenhuma proposta senão como produto da vontade da maioria. Então, não vamos evoluir nessa proposta da Câmara. O aumento do salário é irreal e não tem conexão com a realidade do país", afirmou o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Embate
O episódio criou o primeiro embate entre as novas cúpulas da Câmara e do Senado e deixou em situação desconfortável o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), que se apresentou como principal avalista da proposta "meio-termo".
Tudo começou quando na noite de anteontem, em reunião entre Severino e líderes partidários. Nela, o presidente da Câmara reclamou da falta de apoio para a medida e ameaçou os deputados: "Quem não assinar a proposta vai sofrer as conseqüências, principalmente se for beneficiado pelo aumento", disse.
Severino se elegeu no último dia 15 com a proposta de elevar o salário dos deputados, mas seus correligionários não haviam até ontem conseguido reunir as 257 assinaturas mínimas para que o projeto fosse direto para votação em plenário, sem necessidade de tramitar pelas comissões da Câmara. "Se não tiver apoio, não vamos votar, mas vocês se expliquem com os deputados", afirmou, em tom irritado, aos líderes.
Nessa mesma reunião, surgiu a hipótese de que, em retaliação ao naufrágio da proposta, fosse rejeitado o projeto de lei do STF que cria o teto de R$ 21.500 para o funcionalismo público e que eleva a esse valor o maior salário recebido hoje por um ministro do Supremo, que é R$ 19.115. "Se é para moralizar, vamos rejeitar tudo", teria dito um deputado.
Principal defensor do projeto do STF, Jobim começou a telefonar para deputados para tentar amainar os ânimos. A Folha apurou que Severino disse a Jobim que caso não ficasse assegurado o aumento dos deputados, ele não votaria o aumento do Judiciário.
Na tarde de ontem, Jobim se reuniu com líderes partidários e com Severino na casa do presidente da Câmara. Lá foi formatada a proposta "meio-termo", de reajuste para R$ 19.115, não mais R$ 21.500.

"Plano Jobim"
Coube ao presidente do STF dizer que era perfeitamente aceitável conceder o reajuste menor sem a necessidade de votação em plenário. Ele se baseava no decreto legislativo 444/02, que permite a equiparação entre os salários dos parlamentares e a maior remuneração do Supremo, hoje em R$ 19.115.
Ou seja, se os R$ 21.500 eram difíceis, já que era necessária a aprovação em plenário, os R$ 19.115 seriam a saída. Isso se o Senado Concordasse.
Jobim e Severino tentaram convencer Renan pessoalmente. Como mora na casa ao lado de Severino, no lago sul, região nobre de Brasília, Renan recebeu a visita dos presidentes da Câmara e do STF imediatamente depois que eles chegaram a um acordo, na casa de Severino.
No encontro, o presidente do Senado disse que iria discutir a proposta com os senadores. Mais tarde, após ouvir os líderes partidários no Senado, descartou o apoio à idéia.
"Na verdade, ele [Severino] percebeu que não passaria [o reajuste] em plenário e está buscando alternativa. Esse acordo não tem nenhuma concordância dos líderes partidários", afirmou o deputado Renato Casagrande (ES), líder da bancada do PSB.
Ameaçados por Severino na noite anterior, os líderes partidários disseram ter sido surpreendidos na reunião de ontem. "Fui lá pensando que iríamos discutir processos para o Judiciário. Se soubesse que era aquilo, não teria ido", afirmou Alberto Goldman (SP), líder do PSDB, que deixou o encontro antes do final.


Colaboraram RANIER BRAGON, FERNANDA KRAKOVICS, FÁBIO ZANINI E SILVANA DE FREITAS, Da Sucursal de Brasília


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