São Paulo, quarta-feira, 03 de março de 2010

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Hillary pedirá sanções ao Irã, mas Brasil vai rejeitar pressão

Impasse não impede acerto estratégico entre os dois países, que será fechado na visita

Serão assinados acordos para o combate à violência de gênero, sobre o clima e outro para a cooperação com Haiti e países da África


Alan Marques/Folha Imagem
A secretária Hillary Clinton ao desembarcar na Base Aérea de Brasília; hoje ela se reúne com Lula

CLÓVIS ROSSI
ELIANE CANTANHEDE

COLUNISTAS DA FOLHA

A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, insistirá hoje com o presidente Lula e com o chanceler Celso Amorim para que o Brasil apoie o endurecimento das sanções contra o Irã, para tentar forçá-lo a manter o programa nuclear nos limite do uso pacífico.
Seus interlocutores brasileiros insistirão que sanções não contribuem para resolver problemas, de que dá prova o próprio Irã, "que já está sob sanção das Nações Unidas", como diz Amorim. "Sanções atingem a população que mais necessita e nem por isso modificam o comportamento do governante. Qualquer pessoa sensata pensa assim", disse o chanceler.
Esse desencontro de posições significa um atrito entre os dois países? Só muito superficial. Basta saber que a visita de Hillary servirá de pretexto para um acordo que cria um diálogo estratégico permanente Brasil/Estados Unidos, o que implica reuniões de alto nível (chanceleres) a cada ano, uma no Brasil, outra nos EUA.
Sem falar que haverá a assinatura de três outros acordos: um para o combate conjunto à violência de gênero, especialmente quando envolve crianças; outro para um diálogo permanente sobre questões climáticas, e, o terceiro, um entendimento para a cooperação trilateral. Ou seja, Brasil e Estados Unidos atuarão em conjunto em projetos de desenvolvimento em terceiros países, com forte ênfase no Haiti e na África.
Mesmo no caso do Irã, é preciso qualificar o desacordo, lembrando o contexto de conversações anteriores entre Lula e Barack Obama, a começar do encontro que tiveram à margem da cúpula do G8+5 em L'Aquila, na Itália, há nove meses.
Obama até estimulou o diálogo Brasil/Irã, desde que o governo brasileiro usasse o peso de seu relacionamento comercial e econômico com o Irã para defender o uso exclusivamente pacífico da energia nuclear.
Foi o que Lula fez ao receber o presidente Mahmoud Ahmedinejad, meses depois. Reconheceu o "o direito do Irã de desenvolver um programa nuclear com fins pacíficos", mas cobrou "respeito aos acordos internacionais" e ainda acrescentou que "esse é o caminho que o Brasil vem trilhando".
De lá para cá, o Brasil manteve rigorosamente a mesma posição. O que mudou foi a posição do governo Obama, que se tornou muito mais dura em relação ao Irã, em boa medida como consequência de suas dificuldades internas.
O chanceler Amorim anota que "as posições estão se enrijecendo", mas acrescenta que o presidente Ahmedinejad tem sempre revelado disposição para negociar a questão nuclear.
Uma impressão que combina com o fato de que autoridades norte-americanas, em conversas reservadas com seus colegas brasileiros, têm dito que Ahmedinejad nem é o mais inflexível no tema. Até a oposição a ele seria mais rígida.
Por isso mesmo, Amorim defende a tese de que "se deveria dar uma chance a uma discussão mais aprofundada". "Não é simples mas é necessário."
É a posição da China, o único dos cinco países do Conselho de Segurança da ONU com direito a veto. O porta-voz do Ministério do Exterior chinês, Qin Gang, disse ontem que ainda há espaço para negociações, antes da adoção de sanções.
Como a China pode vetar qualquer nova sanção, perde urgência a eventual pressão norte-americana para que o Brasil aceite o novo pacote. Tanto que a própria Hillary Clinton disse, pouco antes de desembarcar em Buenos Aires ontem, que imaginava que as sanções poderiam levar "vários meses" para serem adotadas.
Um motivo a mais para desarmar uma eventual tensão com o Brasil. Nesses meses, Lula irá primeiro a Israel, o país que mais defende sanções pesadas ao Irã, e depois a Teerã. "Mesmo que quisesse a bomba, o Irã não poderia tê-la em dois meses ou três", diz Amorim.


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