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Arrozeiro agiu de má-fé, diz antropólogo
Paulo Santilli, que fez o laudo de demarcação da Raposa/Serra do Sol em 1992, afirma que fazendeiros só vieram depois
Pesquisador diz temer que
STF abra "temporada de
caça" a terras demarcadas
caso permita ocupação de
área em RR por não-índios
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
O Supremo Tribunal Federal
pode abrir uma "temporada de
caça" às terras indígenas já demarcadas no país caso reduza a
área da terra indígena Raposa/
Serra do Sol, em Roraima, para
permitir a permanência dos
plantadores de arroz que se recusam a desocupar a área.
A opinião é do antropólogo
Paulo Santilli, da Funai (Fundação Nacional do Índio). Foi
ele quem produziu, em 1992, o
laudo técnico que levou à identificação e à posterior demarcação (em 1998) da área.
Segundo Santilli, o processo
de homologação da terra indígena já cumpriu todos os trâmites legais e, desde 2005, por decreto do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, a área contínua
da Raposa/Serra do Sol é o que
se chama de "próprio nacional"
-ou seja, terra da União.
O Supremo Tribunal Federal
determinou, no mês passado, a
suspensão de uma operação da
Polícia Federal para retirar os
fazendeiros liderados por Paulo César Quartiero da área. E,
conforme a Folha revelou na
última quarta-feira, há no tribunal uma tendência a modificar o modelo de demarcação
contínua da reserva, de modo a
permitir a permanência de
não-indígenas.
"Uma decisão dessas, de não-reconhecimento de um decreto
presidencial, colocaria uma situação inédita e uma crise deflagrada em toda a política indigenista dos últimos anos",
afirmou Santilli. Segundo ele,
nunca houve caso de uma revisão desse tipo após a área indígena ser declarada próprio nacional. "Isso equivale a abrir
uma temporada de caça."
Ou seja, caso o modelo de demarcação contínua da Raposa/Serra do Sol seja revisto, todas as terras já demarcadas e
homologadas podem ser questionadas judicialmente também. "Está tudo sob questão, e
de uma forma, eu diria esdrúxula. Todo o procedimento [de
demarcação] pressupõe estudos etnológicos e antropológicos. Se isso pode ser revisto
sem nenhum estudo e sem critério antropológico, vira um arbítrio total", afirmou.
Má-fé
A situação é mais grave, segundo o antropólogo, porque
os seis arrozeiros que se recusam a sair da reserva indígena
ocuparam a área "de má-fé",
depois que ela já havia sido delimitada, em 1992.
"Quando foi feito o levantamento fundiário para apurar
quais eram os ocupantes não-índios e que deveriam ser indenizados, em 1992, eles não estavam lá. Nesse levantamento
não consta o nome desses caras
lá como ocupantes da terra indígena. Eles vieram a comprar
posses [títulos de terra provisórios] de outros que estavam havia mais tempo lá", diz.
"Eles vieram a se instalar depois na terra indígena, e nenhum deles mora, reside na
terra. São negócios que eles
têm lá já depois da terra demarcada", continua Santilli. "Isso
caracteriza má-fé."
"Muralhas do Sertão"
A antropóloga Nádia Farage,
da Unicamp, que trabalhou em
Roraima, afirma que o argumento de soberania nacional
invocado pelos militares para
impedir a demarcação contínua da Raposa é "inconsistente". Afinal, diz, foram os índios
os responsáveis pela incorporação daquela região ao Brasil
em 1904, após um litígio com a
Guiana Inglesa pela definição
da fronteira. "O domínio colonial português se fez valer por
meio dos aldeamentos indígenas", afirmou. Em sua tese de
mestrado, publicada na forma
do livro "As Muralhas dos Sertões", de 1991, Farage argumenta que os índios de Roraima foram um instrumento diplomático do Brasil -as "muralhas dos sertões", nas palavras
de Joaquim Nabuco.
Farage cita o ex-ministro da
Justiça Jarbas Passarinho para
refutar a tese da ameaça à soberania. Ao ratificar a demarcação da terra ianomâmi, em
1992, sob protestos militares,
Passarinho disse que a demarcação visa fixar a superfície e
não obsta a proteção militar da
fronteira (garantida pela Constituição). "O argumento de
uma improvável ameaça à soberania nacional é apenas o espantalho que protege a roça de
arroz", afirma.
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