São Paulo, sábado, 03 de junho de 2006

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Limite de 5% criará "partidos-zumbis", afirma pesquisador

Para o cientista político Jairo Nicolau, cláusula de barreira provocará migração de deputados para as grandes legendas

Partidos que não tiverem 5% dos votos na eleição para a Câmara perderão verbas do Fundo Partidário e tempo de propaganda na televisão


MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO

Em 2007 entrará plenamente em vigor a cláusula de barreira, que restringe o acesso das legendas que não alcançarem 5% dos votos para a Câmara dos Deputados às verbas do Fundo Partidário e à propaganda no rádio e na TV -o que certamente provocará uma redução do número de legendas. Em 2002, o PTB e o PL não alcançaram o patamar mínimo de 5% nas eleições para a Câmara. Para não perderem tempo na TV e recursos do Fundo Partidário, o PTB (que recebeu 4,6% dos votos) incorporou o PSD (que recebeu 0,5%) em 20 de janeiro de 2003, enquanto o PL, que teve 4,3% dos votos, incorporou o PST (0,6%) e o PGT (0,2%) em 1º de abril de 2003. Na opinião do cientista político Jairo Marconi Nicolau, 42, "os partidos que não ultrapassarem a barreira ficarão como partidos-zumbis: sem poder participar das comissões, indicar votações, sem direito a uma série de benesses". No próximo ano, as fusões de partidos devem aumentar. Professor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e pesquisador visitante do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, Nicolau observa que, "seja quem for o presidente, outra configuração partidária lhe espera".

 

FOLHA - Acreditava-se que a Lei dos Partidos Políticos provocaria uma forte redução do número de partidos, mas isso não ocorreu. Por que a legislação tem sido incapaz de promover a concentração partidária?
JAIRO NICOLAU -
A lei de 1995 tornou extremamente difícil organizar um partido no Brasil. De lá para cá, poucos partidos foram criados. Os mais importantes ou foram criados antes dessa data ou apenas mudaram de nome. Não devemos nos assustar com 29 partidos: hoje praticamente todas as democracias têm um número muito grande de partidos. Nas eleições locais inglesas de maio, mais de 30 partidos concorreram. Na última eleição italiana, mais de 60 partidos disputaram.

FOLHA - No próximo ano, alguns partidos relevantes podem não alcançar o limite de 5% dos votos na eleição para a Câmara. Apesar disso, as tentativas de fusão dessas legendas não vingaram. Por que a eventual perda de recursos e de exposição na mídia não foi suficiente para estimular fusões de partidos? Ou o sr. acha que essa concentração só deve ocorrer após a eleição?
NICOLAU -
A entrada da cláusula de 5% provavelmente terá um efeito devastador sobre a representação dos partidos na Câmara em 2007. Os que partidos que não ultrapassarem a barreira ficarão como partidos-zumbis: sem poder participar das comissões, indicar votações, sem direito a uma série de benesses. Provavelmente teremos uma migração dos deputados eleitos por essas legendas para as quatro grandes (PT, PSDB, PFL e PMDB). Se não mudarem a legislação, devemos ter um forte realinhamento no sistema partidário brasileiro no ano que vem.

FOLHA - Cinco partidos (PT, PMDB, PFL, PSDB e PP) recebem hoje R$ 90 milhões ao ano -três quartos do Fundo Partidário. No próximo ano, essa fatia aumentará ainda mais. Apesar disso, a soma das bancadas eleitas por esses partidos na Câmara caiu de 74,5% (1998) para 67,3% (2002). Dinheiro não ganha eleição?
NICOLAU -
O Fundo Partidário hoje é um recurso fundamental para os partidos. Eles mantêm a sedes, financiam pesquisas, contratam funcionários, financiam viagens dos dirigentes. Os grandes partidos recebem muito mais dinheiro, mas os pequenos tem um bem fundamental na política moderna: acesso ao rádio e a TV durante a campanha. Lembre o impacto da candidatura Éneas para presidente em 1994 e para deputado federal em 2002, com seus poucos segundos. A correlação entre dinheiro e voto existe, mas não é perfeita. Ainda bem que o sucesso eleitoral depende de fatores para além do dinheiro.

FOLHA - Quais seriam as vantagens de reduzir o número de partidos? As pequenas legendas não expressam segmentos minoritários da opinião pública, que seguirão existindo?
NICOLAU -
A Constituição de 1988 tem vigido em um quadro de extrema fragmentação partidária. Há muitos anos um partido não tem mais de cem deputados na Câmara. Todos os presidentes governaram assim. O nosso presidencialismo exige um permanente negociação parlamentar, e não creio que essa característica mude a partir do ano que vem. Há duas hipóteses: a otimista acredita que um número menor de partidos daria mais inteligibilidade ao sistema político e facilitaria as negociações no interior do Congresso. A pessimista acredita que a situação pode ficar mais instável, pois a tensão e o conflito aumentariam no interior das grandes legendas. Para o bem ou para o mal, a cláusula de 5% será a primeira medida com efeitos fortes sobre o sistema partidário organizado no pós-1985. Seja quem for o presidente, uma outra configuração partidária lhe espera.


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