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Filha de Lampião quer a volta do cangaço
KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM FORTALEZA
Última descendente viva de
Lampião e Maria Bonita, Expedita Ferreira Nunes, 66, acredita que
só a volta do cangaço pode melhorar as condições de vida no
sertão nordestino.
Ela nega que o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra
seja um herdeiro do que chama
de luta social de seu pai: ""Eles
querem bandalheira".
Com a morte de João Ferreira
Batista, o João Peitudo, Expedita
passou a ser a única pessoa reconhecidamente filha do casal de
cangaceiros que tomou conta do
sertão nas décadas de 20 e 30.
Como era apenas uma menina
de cinco anos quando seus pais
morreram, numa emboscada policial na Grota de Angicos (divisa
entre Alagoas e Sergipe) em 1938,
as lembranças de Expedita são
muito vagas. "Quando ele chegava para me visitar, eu ficava com
medo das roupas, das armas, daquela gente toda." Agora, diz, o
medo que sente no dia-a-dia é diferente, maior.
Expedita é dona-de-casa e tem
quatro filhos. Vive em Aracaju
(SE) e tem como principal diversão viajar.
Lampião (1898-1938) e Maria
Bonita (1911-1938) casaram-se em
1930. Ela, aos 19 anos, passou por
três abortos espontâneos antes de
dar à luz Expedita. O cangaceiro
teve outros filhos pelo sertão, de
outras mulheres -lendas falam
que ele chegou a ter uma espécie
de harém com 17 moças. A seguir,
trechos da entrevista.
Folha - Na época do seu pai, o
cangaço ditava as leis no sertão.
Expedita Ferreira Nunes - Hoje é
o contrário: o sertão é que está dominando o cangaço. A violência
está descontrolada, sem limites.
Não tem governo.
A televisão está aí para ensinar
como é que se abre um carro, como se mata, tudo isso. Hoje em
dia dá até medo de sair de casa.
Folha - O cangaço podia ser visto
como uma forma de luta social no
sertão nordestino. Hoje nós temos,
no campo, o MST. O que a sra. pensa desse movimento?
Expedita - Está faltando uma autoridade para acabar com essa safadeza, porque há muitos que têm
terra e se fazem de sem-terra para
ficar fazendo bandalheira. Não é
luta social nenhuma. Onde existe
uma luta social que vai destruir as
coisas dos outros, onde é que já se
viu isso?
Folha - Mas não era isso que Lampião fazia?
Expedita - Ele não destruía assim, não. Ele tirava dos ricos para
dar aos pobres. Ele pedia, se não
dessem, aí ele tirava. Mas para
destruir, de maneira nenhuma.
Os sem-terra estão destruindo tudo na vida, como têm muitos por
aí que têm as coisas, vendem, para
ficar sem terra, para cair na bandalheira.
Folha - Se Lampião vivesse hoje,
como seria?
Expedita - Ele num instante acabava com isso. Precisava de um
homem de pulso, o Brasil precisava de um homem de pulso, um
homem que tenha coragem de dizer "isto e é isto".
Folha - A sra. lembra do seu pai e
da sua mãe?
Expedita - A lembrança é pouca,
mas tenho de pequena até hoje.
Quando ele chegava em casa e me
pegava, me abraçava. Eu tinha
medo das roupas, daquele povo
todo que vinha com ele, das armas, eu tinha medo de tudo. Mas
ele me pegava, me botava no colo.
Folha - Quem criou a sra.?
Expedita - O Manuel Severo e a
Aurora, até os oito anos. Eu fui
criada por eles sabendo que eles
eram meus pais, mas que eu tinha
outros pais. Eles não me enganaram, nem podiam. Meu tio João
Ferreira terminou de me criar.
Meu avô tinha uma fazenda e ele
ajudava o meu tio a me fazer estudar e tudo, até eu fazer 18 anos,
quando me casei.
Folha - O que falavam dos seus
pais na época?
Expedita - Não falavam muita
coisa, não. Era um assunto meio
proibido, porque muita gente
achava que ele era um criminoso.
Tinha medo dele. Só depois de
muito tempo, quando meus filhos
começaram a perguntar, a se interessar, é que eu fiquei sabendo tudo o que ele fazia mesmo.
Folha - Para a sra., o que mudou
no sertão daquele tempo para cá?
Expedita - O sertão não muda.
Só muda o perigo, que está maior.
Cada vez pior. Toda a vida teve seca, não tem diferença.
Folha - A sra. vota?
Expedita - Não quero votar mais
não. Não tem homem para mais
ninguém votar não, não existe.
Folha - O que a sra. acha que está
faltando para o país?
Expedita - Uma pessoa de pulso,
muito pulso. Essa pessoa não
existe. Morreu com Lampião.
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