São Paulo, sábado, 03 de agosto de 2002

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TRANSIÇÃO NO ESCURO

"Como presidente, sou tolhido, não falo o que penso. Depois, vou falar"

FHC ataca "choramingões" "pessimistas" e "sonho vazio"

CHICO SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A ARACRUZ (ES)

O presidente Fernando Henrique Cardoso abandonou ontem o tom dos últimos dias -marcado pela frustração em relação às respostas do mercado financeiro às ações do governo em busca da estabilidade econômica- para fazer um discurso de otimismo. Ele atacou os "pessimistas", os "choramingões" e o "sonho vazio".
O pretexto para a passagem da defesa ao ataque foi a inauguração de uma obra de expansão (de 1,3 milhão para 2 milhões de toneladas de capacidade de produção) da fábrica da Aracruz Celulose, no Espírito Santo (a 73 km de Vitória). FHC usou a fábrica como analogia para criticar, sem citar nomes, os que, segundo ele, só sabem reclamar e não têm propostas consistentes.
"Quando o sonho é vazio, vira pesadelo para os outros, porque é promessa que não vai ser cumprida e que vai dar dor de cabeça, com certeza", afirmou em um trecho do discurso de aproximadamente 15 minutos.
Na platéia, empresários e políticos, como a candidata do governo à vice-presidência, deputada federal Rita Camata (PMDB-ES).
Após elogiar o norueguês Erling Lorentzen, presidente do Conselho de Administração da Aracruz, FHC usou a nacionalidade do anfitrião como pretexto para dizer que não importa a origem do capital, "desde que ele produza aqui, dê empregos aqui, faça o Brasil crescer".
"É isso que estamos fazendo, é com gente que acredita no país, não é com choramingões, não é com gente que só sabe criticar e que na hora de propor, ai meu Deus", prosseguiu.
A seguir, FHC afirmou que não fala mais sobre porque é tolhido por sua condição de presidente. "Eu fico vendo e não falo nada. Enquanto sou presidente, eu sou muito tolhido, não posso falar o que penso. Mas depois, eu vou dizer, porque dizem tanta coisa vazia, tanta crítica que não tem base na realidade", disse.
Para FHC, o Brasil precisa de gente capaz de "juntar a crença à capacidade de realização" e que "avance dentro de um programa". "Eu sempre ataco os pessimistas porque são gente que não acredita", afirmou.

Agruras
O presidente não fez nenhuma menção direta à crise do mercado financeiro, preferindo fazer referências de passagem ao problema, no meio do discurso otimista.
"Não se enfrenta as agruras do mundo, e são muitas as agruras, se não tivermos capacidade. Não adianta reclamar, não adianta chorar. É preciso saber propor, saber avançar", afirmou.
Em outro trecho, ele disse não gostar da distinção entre "a pátria financeira e a pátria da produção". Segundo ele, "não há produção sem finanças".
FHC rebateu as críticas ao ritmo de crescimento do país. "Eu vejo tantos derrotistas dizendo: "Ah, vamos perder mais uma década". Perder o quê, se estamos construindo um país que avança, que dá educação?", disse.
"Falta muito e vai continuar faltando décadas afora. Mas não vai faltar muito a esperança, a coragem do brasileiro e o rumo de o país crescer sempre", continuou.
FHC disse que "às vezes não se consegue crescer tanto quanto se deseja, mas o importante é que o crescimento seja sustentável". Citou a área de agronegócios como exemplo de que o país tem se desenvolvido. Ao longo do discurso, voltou às estocadas políticas.
"Não se faz nada sem compromisso. Não há parceria se não houver confiança e não há confiança se ela não for comprometida com um certo objetivo."
No final, ele disse que a "maioria operosa" (expressão que criou, em oposição à tradicional maioria silenciosa) manterá o país crescendo. "Se tivermos um projeto, com disciplina, com persistência, ninguém vai segurar nosso país."
FHC ouviu durante a cerimônia elogios do governador do Espírito Santo, José Ignacio Ferreira (PTN). No discurso, o presidente agradeceu os elogios. No mês passado, FHC impediu a intervenção federal no governo capixaba, em episódio que resultou na renúncia do ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior.

Retirada
O deputado José Carlos Gratz (PFL), presidente da Assembléia Legislativa do Espírito Santo, abandonou a solenidade.
Gratz teria se aborrecido ao ser informado pela organização do evento que não participaria da mesa de autoridades encabeçada pelo presidente. Ele é suspeito de ter envolvimento com o crime organizado no Espírito Santo.
Na mesa principal, além de FHC, ficaram ministros, o governador e diretores da Aracruz.



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