São Paulo, quarta-feira, 03 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/DUELO NA PLANÍCIE

Dirceu afirma que não é "chefe de quadrilha", atribui responsabilidade por erros ao PT e admite indícios da existência do "mensalão"

"Estou sendo acusado pelo que represento"

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DO ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA


Quarenta e sete dias depois de anunciar a saída do governo devido ao envolvimento do seu nome no escândalo do "mensalão", o ex-ministro José Dirceu (PT-SP) negou ontem ser o "chefe da quadrilha". Admitiu que setores da direção do PT cometeram erros na campanha de 2004, mas disse que não assumirá responsabilidades por eles.
Em vários momentos do depoimento que prestou ao Conselho de Ética da Câmara, que durou mais de oito hora, afirmou que não renunciará ao mandato de deputado nem aceitará ser "banido da vida política do país de novo" -referência ao regime militar, quando viveu na clandestinidade.
"Prefiro ficar sem os direitos políticos se for o caso, ainda que eu considere uma cassação política, (...) do que renunciar para ter uma falsa sobrevida política. Não vou renunciar, vou travar mais essa luta na minha vida, talvez a mais importante da minha vida", afirmou Dirceu. Se cassado, o ex-ministro, que tem 59 anos, ficará inelegível até 2015. Se renunciasse, poderia se candidatar novamente no ano que vem.
Como era esperado, Dirceu trocou acusações com o presidente licenciado do PTB e autor das denúncias sobre o "mensalão", Roberto Jefferson, que cumpriu sua promessa e ocupou uma cadeira na primeira fila da sala onde Dirceu depunha.
O conselho analisa processo movido pelo PL contra Jefferson por suposta quebra de decoro parlamentar.
Diferentemente do que havia dito à Corregedoria da Câmara, Dirceu não negou a existência do "mensalão", afirmando até que há "indícios" do esquema. "Pelos elementos que temos até agora, isso [mensalão] é um indício, não uma segurança, uma certeza."
O que Dirceu procurou foi se eximir de responsabilidade pelo esquema, caso ele exista. "Não posso ser prejulgado, transformado, como fez [sic] o deputado Roberto Jefferson, no chefe de quadrilha ou no chefe do maior esquema de corrupção no país", afirmou. À Corregedoria, dissera: "O "mensalão" não é fato".
Ao se isentar de participação em supostas irregularidades, o ex-ministro transferiu à ex-direção do PT -partido que dirigiu por três mandatos e de onde saiu para ingressar no governo- a possível culpa. "Sou responsável e assumo meus atos como ministro-chefe da Casa Civil e como deputado, não assumo os atos da [ex] comissão executiva nacional do PT, dos membros da direção do PT", afirmou. E especificou: "Não vou assumir a responsabilidade pelos empréstimos que foram feitos [pelo PT] junto às empresas do senhor Marcos Valério".
Durante a sua fala no conselho, Dirceu disse ainda acreditar que está sendo julgado politicamente pelo que representaria para a história do país e da esquerda e pelo papel desempenhado na eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Sobre Lula, disse que ele comanda um governo "que não rouba, não deixa roubar e combate a corrupção", e afirmou não ter mágoa relacionada à sua saída da Casa Civil -de cuja chefia teria pensado em pedir dispensa a Lula por pelo menos duas vezes.
Ele classificou Lula como "dádiva" para o país e como a "maior liderança histórica" das últimas décadas. Apesar disso, dispensou ajuda: "Não é verdade que eu estou magoado ou ressentido com o presidente Lula e que viria a essa comissão fazer ataque ou cobrança ao governo. Sei me defender sozinho, não preciso, não quero que meu governo, ou mesmo meu partido, venha me defender. O farei sozinho".
Ele admitiu que conheceu Valério, acusado de ser o responsável por pagar o "mensalão", mas negou ter tratado dos empréstimos que ele fez a pedido do PT.
"Foi um depoimento para cumprir tabela. Não se comprometeu, mas também não passou nenhuma credibilidade", afirmou José Carlos Aleluia (PFL-BA), líder da oposição. "Parece que nem ele nem Lula sabiam de nada do que se passa nesse país", reforçou Alberto Goldman (PSDB-SP). "Ele foi extremamente bem. Firme, claro e não fugiu do debate", rebateu Luiz Sérgio (PT-RJ).
Dirceu procurou não ser agressivo com a oposição, mas leu manchetes de jornais mostrando a prática de caixa dois em partidos como PSDB e PFL. Sobre sua época de oposição, fez um mea culpa ao dizer que errou ao prejulgar o ex-secretário geral da Presidência Eduardo Jorge.
Quase no final do depoimento, Dirceu ouviu, calado e sem pedir réplica, o ex-petista João Fontes (PDT-SE) o chamar de "stalinista", "truculento" e "arrogante". Fontes foi expulso do PT pela ala do partido liderada, entre outros, por Dirceu.

ERROS DO PT - "Sei da gravidade dos erros que setores da direção do PT cometeram na campanha de 2004, mas quero repetir que só respondo pelo que decidi, participei e autorizei." Dirceu disse ter apoiado a transição para a nova direção do PT, que saberá, segundo ele, corrigir erros do passado.

DEFESA DE LULA - "O presidente Lula, ao contrário do que dizem, é a maior liderança histórica do Brasil nessas últimas décadas."

RENÚNCIA - Dirceu diz que o ato da renúncia para fugir à cassação e à conseqüente perda dos direitos políticos -manobra adotada anteontem pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto- tiraria-lhe o direito de "andar de cabeça erguida". "Tomei a decisão de não renunciar, não teria condição de olhar nos olhos (...) da minha geração de 68, de meus companheiros e companheiras que caíram lutando contra a ditadura, não teria condições de olhar mais para a militância do PT, de andar de cabeça erguida no Brasil".
O ex-ministro disse ainda que renunciar seria aceitar as acusações. "Não aceito ser banido da vida política do país de novo. Nada vai me banir da vida política do país, nem que suspendam meus direitos políticos e cassem meu mandato; vou continuar agindo como cidadão e lutando no Brasil pelos ideais em que acredito."
O deputado Josias Quintal (PMDB-RJ) pediu que o petista renunciasse. "Se eu renunciasse, o que mudaria? Nada. Só que eu teria meus direitos políticos preservados. Eu não nasci deputado. Eu sou José Dirceu de Oliveira Silva, brasileiro."

CORRUPÇÃO - Não posso ser prejulgado, transformado (...) no chefe de quadrilha ou no chefe do maior esquema de corrupção no país, ou no articulador, organizador do "mensalão'", disse Dirceu. "Jamais propus para qualquer deputado, deputada, senador, senadora, para qualquer presidente de partido, líder, qualquer proposta que não fosse lícita, republicana".

JULGAMENTO - Segundo Dirceu, a própria CPI dos Correios estaria chegando à conclusão de que não é verdadeira a suposição de que seu assessor e amigo Roberto Marques tenha sido indicado para sacar R$ 50 mil das contas de Marcos Valério. "Não autorizei nem dei garantias a nenhuma ação para ser feita em meu nome. Não deleguei a ninguém falar em meu nome em órgão público."

IMPRENSA - Dirceu voltou a criticar "meios de comunicação" que tratariam de temas sem ouvi-lo e reclamou de reportagem publicada ontem pela Folha: "Leio hoje no jornal que construí um modelo cubano no PT. Não há partido, pode haver igual, mais democrático do que o PT, mais pluralista". Ele confirmou que Jefferson pediu, antes do rompimento entre os dois, que intercedesse em veículos de comunicação para amenizar reportagens. Ele negou que tenha dito poder "controlar por cima" veículos, mas confirmou ter dito que a revista "Veja" adotava uma política de oposição ao governo.

APARELHOS - Além de rejeitar a fama de arrogante, Dirceu também negou ter montado "aparelhos" no PT: "O PT não é um partido stalinista, eu não tenho grupo do José Dirceu no PT".

PREJULGAMENTO - "Porque estou sendo acusado e tratado dessa forma no país? Pelo que eu fiz de errado, por crimes que pratiquei, por atos ilícitos, pela quebra do decoro parlamentar? Claro que não. [Mas sim] pelo que eu represento, e eu tenho consciência disso. Pelo que eu represento para a história do país, pelo que eu represento para a esquerda, pelo que represento para o meu partido, o PT, e pelo que representei na eleição do presidente Lula."

HISTÓRIA DA VIDA - Dirceu falou ainda sobre sua vida pública, dizendo nunca ter sido condenado: "Tenho 40 anos de vida pública, comecei em 1965 na luta contra a ditadura. Nunca, com exceção dos processos do período da ditadura militar, respondi a um só processo judicial", afirmou, ressaltando ter respondido, sem condenação, a um processo administrativo e um questionamento na Justiça Eleitoral.
Segundo ele, Cruzeiro do Oeste (PR) -cidade em que viveu na clandestinidade- é a prova de que ele agiu de forma correta. "Mesmo quando estava na clandestinidade, com outro nome, me comportei, e a cidade de Cruzeiro do Oeste (PR) é testemunha. (...) Posso voltar de cabeça erguida a Cruzeiro do Oeste", afirmou. Dirceu disse ainda que, após a anistia, recusou ofertas para assumir cargos de comando no PT e que passou em concurso público para ganhar "três salários mínimos".

MARCOS VALÉRIO - O ex-ministro confirmou que mantinha contatos telefônicos com o publicitário, mas disse que não eram regulares. Negou que tenha tratado com Marcos Valério qualquer assunto sobre empréstimos ao PT, como disse a mulher do empresário, Renilda Fernandes. Afirmou que não se lembrava onde o havia conhecido. E disse que não mantinha relações de amizade ou de governo com o publicitário.

SILVIO PEREIRA - José Dirceu negou que houvesse uma sala ao lado da sua, no Palácio do Planalto, destinada ao ex-secretário-geral do PT Sílvio Pereira. Afirmou que há, sim, um espaço para reuniões, freqüentada por vários representantes de partidos. Disse que Sílvio participava de reuniões na qualidade de indicado pelo PT para negociar cargos.

EX-MULHER - O petista negou que sua ex-mulher, a psicóloga Maria Ângela Saragoça, tenha sido beneficiada pelo BMG por causa de gestão sua ou do publicitário Marcos Valério. Ela foi contratada em novembro de 2003 pelo BMG e um mês depois obteve um empréstimo do Banco Rural para a compra de um apartamento em São Paulo. Os dois bancos estão envolvidos no caso do mensalão. "A concessão de empréstimo habitacional passou por todos os trâmites necessários", disse.
(RANIER BRAGON, FÁBIO ZANINI, CHICO DE GOIS E SILVIO NAVARRO)

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