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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/DUELO NA PLANÍCIE
Dirceu afirma que não é "chefe de quadrilha", atribui responsabilidade por erros ao PT e admite indícios da existência do "mensalão"
"Estou sendo acusado pelo que represento"
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DO ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA
Quarenta e sete dias depois de
anunciar a saída do governo devido ao envolvimento do seu nome
no escândalo do "mensalão", o
ex-ministro José Dirceu (PT-SP)
negou ontem ser o "chefe da quadrilha". Admitiu que setores da
direção do PT cometeram erros
na campanha de 2004, mas disse
que não assumirá responsabilidades por eles.
Em vários momentos do depoimento que prestou ao Conselho
de Ética da Câmara, que durou
mais de oito hora, afirmou que
não renunciará ao mandato de
deputado nem aceitará ser "banido da vida política do país de novo" -referência ao regime militar, quando viveu na clandestinidade.
"Prefiro ficar sem os direitos
políticos se for o caso, ainda que
eu considere uma cassação política, (...) do que renunciar para ter
uma falsa sobrevida política. Não
vou renunciar, vou travar mais essa luta na minha vida, talvez a
mais importante da minha vida",
afirmou Dirceu. Se cassado, o ex-ministro, que tem 59 anos, ficará
inelegível até 2015. Se renunciasse, poderia se candidatar novamente no ano que vem.
Como era esperado, Dirceu trocou acusações com o presidente
licenciado do PTB e autor das denúncias sobre o "mensalão", Roberto Jefferson, que cumpriu sua
promessa e ocupou uma cadeira
na primeira fila da sala onde Dirceu depunha.
O conselho analisa processo
movido pelo PL contra Jefferson
por suposta quebra de decoro
parlamentar.
Diferentemente do que havia
dito à Corregedoria da Câmara,
Dirceu não negou a existência do
"mensalão", afirmando até que
há "indícios" do esquema. "Pelos
elementos que temos até agora,
isso [mensalão] é um indício, não
uma segurança, uma certeza."
O que Dirceu procurou foi se
eximir de responsabilidade pelo
esquema, caso ele exista. "Não
posso ser prejulgado, transformado, como fez [sic] o deputado Roberto Jefferson, no chefe de quadrilha ou no chefe do maior esquema de corrupção no país",
afirmou. À Corregedoria, dissera:
"O "mensalão" não é fato".
Ao se isentar de participação em
supostas irregularidades, o ex-ministro transferiu à ex-direção do
PT -partido que dirigiu por três
mandatos e de onde saiu para ingressar no governo- a possível
culpa. "Sou responsável e assumo
meus atos como ministro-chefe
da Casa Civil e como deputado,
não assumo os atos da [ex] comissão executiva nacional do PT, dos
membros da direção do PT", afirmou. E especificou: "Não vou assumir a responsabilidade pelos
empréstimos que foram feitos
[pelo PT] junto às empresas do
senhor Marcos Valério".
Durante a sua fala no conselho,
Dirceu disse ainda acreditar que
está sendo julgado politicamente
pelo que representaria para a história do país e da esquerda e pelo
papel desempenhado na eleição
do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva.
Sobre Lula, disse que ele comanda um governo "que não
rouba, não deixa roubar e combate a corrupção", e afirmou não ter
mágoa relacionada à sua saída da
Casa Civil -de cuja chefia teria
pensado em pedir dispensa a Lula
por pelo menos duas vezes.
Ele classificou Lula como "dádiva" para o país e como a "maior liderança histórica" das últimas décadas. Apesar disso, dispensou
ajuda: "Não é verdade que eu estou magoado ou ressentido com o
presidente Lula e que viria a essa
comissão fazer ataque ou cobrança ao governo. Sei me defender
sozinho, não preciso, não quero
que meu governo, ou mesmo
meu partido, venha me defender.
O farei sozinho".
Ele admitiu que conheceu Valério, acusado de ser o responsável
por pagar o "mensalão", mas negou ter tratado dos empréstimos
que ele fez a pedido do PT.
"Foi um depoimento para cumprir tabela. Não se comprometeu,
mas também não passou nenhuma credibilidade", afirmou José
Carlos Aleluia (PFL-BA), líder da
oposição. "Parece que nem ele
nem Lula sabiam de nada do que
se passa nesse país", reforçou Alberto Goldman (PSDB-SP). "Ele
foi extremamente bem. Firme,
claro e não fugiu do debate", rebateu Luiz Sérgio (PT-RJ).
Dirceu procurou não ser agressivo com a oposição, mas leu
manchetes de jornais mostrando
a prática de caixa dois em partidos como PSDB e PFL. Sobre sua
época de oposição, fez um mea
culpa ao dizer que errou ao prejulgar o ex-secretário geral da Presidência Eduardo Jorge.
Quase no final do depoimento,
Dirceu ouviu, calado e sem pedir
réplica, o ex-petista João Fontes
(PDT-SE) o chamar de "stalinista", "truculento" e "arrogante".
Fontes foi expulso do PT pela ala
do partido liderada, entre outros,
por Dirceu.
ERROS DO PT - "Sei da gravidade
dos erros que setores da direção
do PT cometeram na campanha
de 2004, mas quero repetir que só
respondo pelo que decidi, participei e autorizei." Dirceu disse ter
apoiado a transição para a nova
direção do PT, que saberá, segundo ele, corrigir erros do passado.
DEFESA DE LULA - "O presidente
Lula, ao contrário do que dizem, é
a maior liderança histórica do
Brasil nessas últimas décadas."
RENÚNCIA - Dirceu diz que o ato
da renúncia para fugir à cassação
e à conseqüente perda dos direitos políticos -manobra adotada
anteontem pelo presidente do PL,
Valdemar Costa Neto- tiraria-lhe o direito de "andar de cabeça
erguida". "Tomei a decisão de
não renunciar, não teria condição
de olhar nos olhos (...) da minha
geração de 68, de meus companheiros e companheiras que caíram lutando contra a ditadura,
não teria condições de olhar mais
para a militância do PT, de andar
de cabeça erguida no Brasil".
O ex-ministro disse ainda que
renunciar seria aceitar as acusações. "Não aceito ser banido da vida política do país de novo. Nada
vai me banir da vida política do
país, nem que suspendam meus
direitos políticos e cassem meu
mandato; vou continuar agindo
como cidadão e lutando no Brasil
pelos ideais em que acredito."
O deputado Josias Quintal
(PMDB-RJ) pediu que o petista
renunciasse. "Se eu renunciasse, o
que mudaria? Nada. Só que eu teria meus direitos políticos preservados. Eu não nasci deputado. Eu
sou José Dirceu de Oliveira Silva,
brasileiro."
CORRUPÇÃO - Não posso ser prejulgado, transformado (...) no
chefe de quadrilha ou no chefe do
maior esquema de corrupção no
país, ou no articulador, organizador do "mensalão'", disse Dirceu.
"Jamais propus para qualquer deputado, deputada, senador, senadora, para qualquer presidente de
partido, líder, qualquer proposta
que não fosse lícita, republicana".
JULGAMENTO - Segundo Dirceu,
a própria CPI dos Correios estaria
chegando à conclusão de que não
é verdadeira a suposição de que
seu assessor e amigo Roberto
Marques tenha sido indicado para sacar R$ 50 mil das contas de
Marcos Valério. "Não autorizei
nem dei garantias a nenhuma
ação para ser feita em meu nome.
Não deleguei a ninguém falar em
meu nome em órgão público."
IMPRENSA - Dirceu voltou a criticar "meios de comunicação" que
tratariam de temas sem ouvi-lo e
reclamou de reportagem publicada ontem pela Folha: "Leio hoje
no jornal que construí um modelo cubano no PT. Não há partido,
pode haver igual, mais democrático do que o PT, mais pluralista".
Ele confirmou que Jefferson pediu, antes do rompimento entre
os dois, que intercedesse em veículos de comunicação para amenizar reportagens. Ele negou que
tenha dito poder "controlar por
cima" veículos, mas confirmou
ter dito que a revista "Veja" adotava uma política de oposição ao
governo.
APARELHOS - Além de rejeitar a
fama de arrogante, Dirceu também negou ter montado "aparelhos" no PT: "O PT não é um partido stalinista, eu não tenho grupo
do José Dirceu no PT".
PREJULGAMENTO - "Porque estou sendo acusado e tratado dessa
forma no país? Pelo que eu fiz de
errado, por crimes que pratiquei,
por atos ilícitos, pela quebra do
decoro parlamentar? Claro que
não. [Mas sim] pelo que eu represento, e eu tenho consciência disso. Pelo que eu represento para a
história do país, pelo que eu represento para a esquerda, pelo
que represento para o meu partido, o PT, e pelo que representei na
eleição do presidente Lula."
HISTÓRIA DA VIDA - Dirceu falou
ainda sobre sua vida pública, dizendo nunca ter sido condenado:
"Tenho 40 anos de vida pública,
comecei em 1965 na luta contra a
ditadura. Nunca, com exceção
dos processos do período da ditadura militar, respondi a um só
processo judicial", afirmou, ressaltando ter respondido, sem
condenação, a um processo administrativo e um questionamento na Justiça Eleitoral.
Segundo ele, Cruzeiro do Oeste
(PR) -cidade em que viveu na
clandestinidade- é a prova de
que ele agiu de forma correta.
"Mesmo quando estava na clandestinidade, com outro nome, me
comportei, e a cidade de Cruzeiro
do Oeste (PR) é testemunha. (...)
Posso voltar de cabeça erguida a
Cruzeiro do Oeste", afirmou. Dirceu disse ainda que, após a anistia,
recusou ofertas para assumir cargos de comando no PT e que passou em concurso público para ganhar "três salários mínimos".
MARCOS VALÉRIO - O ex-ministro confirmou que mantinha contatos telefônicos com o publicitário, mas disse que não eram regulares. Negou que tenha tratado
com Marcos Valério qualquer assunto sobre empréstimos ao PT,
como disse a mulher do empresário, Renilda Fernandes. Afirmou
que não se lembrava onde o havia
conhecido. E disse que não mantinha relações de amizade ou de
governo com o publicitário.
SILVIO PEREIRA - José Dirceu negou que houvesse uma sala ao lado da sua, no Palácio do Planalto,
destinada ao ex-secretário-geral
do PT Sílvio Pereira. Afirmou que
há, sim, um espaço para reuniões,
freqüentada por vários representantes de partidos. Disse que Sílvio participava de reuniões na
qualidade de indicado pelo PT para negociar cargos.
EX-MULHER - O petista negou
que sua ex-mulher, a psicóloga
Maria Ângela Saragoça, tenha sido beneficiada pelo BMG por
causa de gestão sua ou do publicitário Marcos Valério. Ela foi contratada em novembro de 2003 pelo BMG e um mês depois obteve
um empréstimo do Banco Rural
para a compra de um apartamento em São Paulo. Os dois bancos
estão envolvidos no caso do mensalão. "A concessão de empréstimo habitacional passou por todos
os trâmites necessários", disse.
(RANIER BRAGON, FÁBIO ZANINI, CHICO DE GOIS E SILVIO NAVARRO)
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