São Paulo, Domingo, 03 de Outubro de 1999
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DESNACIONALIZAÇÃO

Investimento estrangeiro na compra de empresas já instaladas pode ameaçar contas externas

Triplica a remessa de lucros ao exterior

da Redação

A desnacionalização da indústria e do setor de serviços no Brasil vem produzindo um salto na remessa de lucros e dividendos das empresas estrangeiras.
Nos anos do Real, o envio de dinheiro das multinacionais para fora triplicou. Passou de US$ 2,5 bilhões em 1994 para US$ 7,2 bilhões no ano passado.
No mesmo período, inverteu-se a tendência de os empresários estrangeiros virem para o Brasil para constituir novos negócios. Hoje, a maioria vem apenas para comprar os já existentes, o que tem provocado uma diminuição na base de empresas nacionais em relação às internacionais.
Em 1994, por exemplo, apenas 0,38% dos US$ 2,1 bilhões em investimentos externos foram para a compra de empresas já constituídas. No ano passado o percentual já era de 74,1%.
Ou seja: dos US$ 28,7 bilhões que entraram, US$ 21,3 bilhões foram usados para que empresas brasileiras passassem a ter donos estrangeiros. A tendência deve se acentuar neste ano por causa da desvalorização do real em janeiro, que deixou as empresas nacionais ainda mais baratas.
Sem medidas compensatórias que o governo poderia adotar, essas saídas podem provocar um rombo nas contas externas do país nos próximos anos, avaliam economistas e empresários pró e contra a forte abertura ao capital estrangeiro.
""A desnacionalização indiscriminada vai pressionar o balanço de pagamentos e está colocando o país em uma posição de subordinação total", diz o empresário Roberto Nicolau Jeha, coordenador do grupo de Política Industrial da Fiesp.
Antônio Lacerda, economista da alemã Siemens e vice-presidente da Sobeet, entidade que reúne as empresas transnacionais, aponta os prós e contra da desnacionalização.
O principal problema, afirma, é que a maior parte das estrangeiras que vêm ao Brasil não são empresas exportadoras. E elas remeterão lucros para fora sem trazer dólares pela via da venda de seus produtos ao exterior.
Outro ponto é que não tem havido efetivamente um substancial aumento da capacidade produtiva. ""As empresas só estão trocando de mãos." Como fatores favoráveis, há o acesso à tecnologia que as transacionais têm e a capacidade de obter novos financiamentos para investimentos.
O Brasil tem hoje um déficit em suas contas externas de cerca de 5% do PIB. Para cobrir o rombo, atrai capital estrangeiro volátil (para a Bolsa e juros) e permanente (investimentos diretos).
O problema é que a tendência dos investimentos estrangeiros diretos no Brasil é declinante. Deve recuar para US$ 25 bilhões neste ano e se estabilizar na faixa de US$ 10 bilhões ao ano no futuro, segundo a Sobeet. Assim, as empresas continuarão a remeter lucros e dividendos sem trazer novos investimentos de vulto.
A economista Maria Helena Zockun, da Universidade de São Paulo, sustenta que a desnacionalização não é um problema. ""A remessa de lucros é apenas um item da balança de pagamentos", diz.
Ela afirma, no entanto, que o governo deveria ter políticas mais ativas para obrigar as empresas internacionais a exportar mais e, assim, compensar o que mandam em lucros e dividendos para fora.
Em um estudo recente, por exemplo, a economista mostra que as multis instaladas no Brasil exportam 30% menos do que as suas coligadas no resto da América Latina. ""O governo não está usando o seu poder de negociação para obrigar essas empresas a exportar mais", diz. (FERNANDO CANZIAN)


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