|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ELIO GASPARI
Os tigres asiáticos e o leopardo da duquesa
Deve-se ao diretor-gerente
do Fundo Monetário Internacional, Michel Camdessus,
uma das melhores aulas de
economia dos últimos tempos.
Falando dos modelos de desenvolvimento dos tigres asiáticos, informou: "Há momentos em que servem e outros em
que, com a evolução do mundo, saem de moda e devem ser
abandonados". Seria uma frase banal se não contivesse o
conceito de "sair de moda".
Só um francês seria capaz de
colocar a economia dos tigres
na mesma caixa da Casa Cartier, da qual, em 1934, a duquesa de Windsor tirou um
broche com a figura de um
feroz leopardo cravejado de
pedras.
O leopardo da duquesa fez
algum sucesso nos salões dos
emergentes europeus, saiu de
moda e passou meio século na
gaveta. Depois de sua morte,
em 1986, a peça reapareceu
num leilão. Por algum tempo,
poucas jóias foram tão copiadas, mas voltou a sair de moda. Os tigres, como o leopardo
da duquesa, saíram de moda.
Já as calcinhas brancas de algodão, recriadas por Calvin
Klein e reapresentadas no corpinho de Carolina Ferraz, voltaram.
Só o conceito de moda permite ao diretor do FMI declarar o fim do ciclo da tigrada
sem ter que explicar por que,
até o início do ano, como o
leopardo, eram jóias. O Banco
Mundial informava que a
Tailândia era um exemplo de
país emergente que cumprira
todo o receituário da ciência
econômica, capaz de levá-la a
uma nova forma de civilização que se chegou a definir
como um novo Renascimento.
Assim como o leopardo da
duquesa sempre foi uma jóia
pesada para o gosto da Casa
de Windsor, a economia dos
tigres sempre teve defeitos visíveis. Camdessus sempre soube que o sistema financeiro
coreano estava bichado. Até o
lavador de seu carro sabe que
a Indonésia é governada por
um general assassino cercado
de larápios. Não há quem não
tenha visto que o edifício mais
alto do mundo são as torres
Petras, da Malásia. Quem as
construiu? A Petrobrás local.
Os tigres davam lucro e no sistema financeiro internacional
é isso que conta. Foram à breca tendo feito tudo o que se
dizia que tinham que fazer.
Por quê? Porque, como o leopardo, saíram de moda.
Para quem vive nesta banda
do mundo sonhando com o
dia em que Pindorama será
uma jaguatirica, fica a lição.
Uma triste lição, porque bem
ou mal, muitos dos tigres investiram os lucros do progresso em educação, saúde e habitação. A Coréia mandou ao
cárcere dois presidentes gatunos. Por cá, nem isso. Do
exemplo da tigrada, tenta-se
copiar sobretudo as relações
trabalhistas selvagens. Quando autoridades do sul do país
manifestam desconforto diante da migração nordestina e
erguem galpões para conter a
entrada de desempregados,
como se faz no interior de São
Paulo, ouve-se o eco da segregação asiática. Copia-se o
pior, o mais barato.
O problema não está nem
sequer na qualidade do que se
copia, pois nesse caso bastaria
apostar na cópia certa e tudo
acabaria bem. Está no ato de
copiar. Como os países não
podem depender dos humores
da moda (na economia, na
joalheria ou nas roupas íntimas), eles se expõem às dificuldades na medida em que
não sabem quem são ou, sabendo-o, fingem ser outra pessoa. Um mandarim brasileiro
vendendo uma empresa pública a um fundo de pensão de
estatal quebrada, por exemplo, finge que é um tigre a caminho do Primeiro Mundo,
assim como uma senhora com
uma cópia do leopardo na lataria e dez quilos a mais nos
chassis fingia que era a duquesa de Windsor (sempre
com dez quilos a menos). Ambos fingem duas vezes. Primeiro, que não são o que são. Depois, que são o que não são.
Vivem um disfarce, acabam
virando coisa nenhuma, até
que saem da moda. Foi assim
que a alta dos preços do petróleo matou a moda do "Milagre", e a crise de crédito de
1982 estragou a economia brasileira por dez anos.
A lição de Camdessus deveria levar FFHH a um momento de reflexão. Ele parece convencido de que não só percebeu a crise financeira, como
advertiu o mundo da sua gravidade, recomendando os remédios adequados.
Tudo bem, isso faz parte de
sua relações com o universo.
Baixando um pouco a bola,
vale lembrar o que disse no
ano passado ao jornalista Vinicius Torres Freire, rebatendo a tese segundo a qual o
chamado processo de globalização da economia é, no fundo, uma suprema novidade
em matéria de exclusão:
"Quando a Coréia começou a
se desenvolver, toda a crítica
da esquerda, minha inclusive,
era de que o país se transformara numa plataforma de exportação. Não se viu que havia outro processo em curso.
Aquele tipo de desenvolvimento era criticado. Agora,
vão dizer de novo que se está
perdendo o bonde da história.
Não está. O Brasil não está
perdendo, a Coréia também
não. Outros estão. Mas o bonde da história passa de novo".
A Coréia, os bondes e o leopardo da duquesa saíram de
moda.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|