São Paulo, quarta, 3 de dezembro de 1997.




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ELIO GASPARI
Os tigres asiáticos e o leopardo da duquesa

Deve-se ao diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, Michel Camdessus, uma das melhores aulas de economia dos últimos tempos. Falando dos modelos de desenvolvimento dos tigres asiáticos, informou: "Há momentos em que servem e outros em que, com a evolução do mundo, saem de moda e devem ser abandonados". Seria uma frase banal se não contivesse o conceito de "sair de moda".
Só um francês seria capaz de colocar a economia dos tigres na mesma caixa da Casa Cartier, da qual, em 1934, a duquesa de Windsor tirou um broche com a figura de um feroz leopardo cravejado de pedras.
O leopardo da duquesa fez algum sucesso nos salões dos emergentes europeus, saiu de moda e passou meio século na gaveta. Depois de sua morte, em 1986, a peça reapareceu num leilão. Por algum tempo, poucas jóias foram tão copiadas, mas voltou a sair de moda. Os tigres, como o leopardo da duquesa, saíram de moda. Já as calcinhas brancas de algodão, recriadas por Calvin Klein e reapresentadas no corpinho de Carolina Ferraz, voltaram.
Só o conceito de moda permite ao diretor do FMI declarar o fim do ciclo da tigrada sem ter que explicar por que, até o início do ano, como o leopardo, eram jóias. O Banco Mundial informava que a Tailândia era um exemplo de país emergente que cumprira todo o receituário da ciência econômica, capaz de levá-la a uma nova forma de civilização que se chegou a definir como um novo Renascimento.
Assim como o leopardo da duquesa sempre foi uma jóia pesada para o gosto da Casa de Windsor, a economia dos tigres sempre teve defeitos visíveis. Camdessus sempre soube que o sistema financeiro coreano estava bichado. Até o lavador de seu carro sabe que a Indonésia é governada por um general assassino cercado de larápios. Não há quem não tenha visto que o edifício mais alto do mundo são as torres Petras, da Malásia. Quem as construiu? A Petrobrás local. Os tigres davam lucro e no sistema financeiro internacional é isso que conta. Foram à breca tendo feito tudo o que se dizia que tinham que fazer. Por quê? Porque, como o leopardo, saíram de moda.
Para quem vive nesta banda do mundo sonhando com o dia em que Pindorama será uma jaguatirica, fica a lição. Uma triste lição, porque bem ou mal, muitos dos tigres investiram os lucros do progresso em educação, saúde e habitação. A Coréia mandou ao cárcere dois presidentes gatunos. Por cá, nem isso. Do exemplo da tigrada, tenta-se copiar sobretudo as relações trabalhistas selvagens. Quando autoridades do sul do país manifestam desconforto diante da migração nordestina e erguem galpões para conter a entrada de desempregados, como se faz no interior de São Paulo, ouve-se o eco da segregação asiática. Copia-se o pior, o mais barato.
O problema não está nem sequer na qualidade do que se copia, pois nesse caso bastaria apostar na cópia certa e tudo acabaria bem. Está no ato de copiar. Como os países não podem depender dos humores da moda (na economia, na joalheria ou nas roupas íntimas), eles se expõem às dificuldades na medida em que não sabem quem são ou, sabendo-o, fingem ser outra pessoa. Um mandarim brasileiro vendendo uma empresa pública a um fundo de pensão de estatal quebrada, por exemplo, finge que é um tigre a caminho do Primeiro Mundo, assim como uma senhora com uma cópia do leopardo na lataria e dez quilos a mais nos chassis fingia que era a duquesa de Windsor (sempre com dez quilos a menos). Ambos fingem duas vezes. Primeiro, que não são o que são. Depois, que são o que não são.
Vivem um disfarce, acabam virando coisa nenhuma, até que saem da moda. Foi assim que a alta dos preços do petróleo matou a moda do "Milagre", e a crise de crédito de 1982 estragou a economia brasileira por dez anos.
A lição de Camdessus deveria levar FFHH a um momento de reflexão. Ele parece convencido de que não só percebeu a crise financeira, como advertiu o mundo da sua gravidade, recomendando os remédios adequados.
Tudo bem, isso faz parte de sua relações com o universo. Baixando um pouco a bola, vale lembrar o que disse no ano passado ao jornalista Vinicius Torres Freire, rebatendo a tese segundo a qual o chamado processo de globalização da economia é, no fundo, uma suprema novidade em matéria de exclusão: "Quando a Coréia começou a se desenvolver, toda a crítica da esquerda, minha inclusive, era de que o país se transformara numa plataforma de exportação. Não se viu que havia outro processo em curso. Aquele tipo de desenvolvimento era criticado. Agora, vão dizer de novo que se está perdendo o bonde da história. Não está. O Brasil não está perdendo, a Coréia também não. Outros estão. Mas o bonde da história passa de novo".
A Coréia, os bondes e o leopardo da duquesa saíram de moda.




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