São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2000

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GOVERNO
Três ex-presos políticos descrevem atuação de Carlos Alberto del Menezzi nos órgãos de repressão em Minas Gerais

Ex-torturados acusam agente da Abin

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Trinta anos depois de o hoje tenente da reserva Carlos Alberto del Menezzi dar baixa no Exército para ingressar no SNI (Serviço Nacional de Informações), antigos presos políticos ainda se lembram do militar em Belo Horizonte (MG).
"Fui torturado por ele", diz o médico Jorge Nahas, 54. "No 12º Regimento de Infantaria, Del Menezzi participou ativamente dos meus interrogatórios sob tortura, com choques e espancamentos. Não aparentava constrangimento, dava a impressão de ser bem integrado", declarou.
A descoberta de que Del Menezzi, 59, é funcionário da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), herdeira histórica do antigo SNI criado pelo regime militar (1964-1985), foi a gota d'água para a queda do diretor-geral da agência, coronel Ariel de Cunto, na última quinta-feira.
Menezzi foi apontado pelo projeto "Brasil: Nunca Mais", em 1985, como um dos 444 acusados de tortura citados por ex-presos políticos em depoimentos à Justiça Militar. O militar da reserva nega que tenha torturado e que, na época de Exército, cujos quadros diz ter integrado de 1966 a 1970, soubesse que havia maus-tratos a presos políticos.
Jorge Nahas conta que Del Menezzi "sempre esteve na linha de frente", na capital mineira, da equipe do então coronel Octávio Aguiar de Medeiros, que viria a ser general e chefe do SNI no governo de João Baptista Figueiredo (1979-1985).
"Menezzi era um contumaz participante de sessões de tortura de presos políticos. É sabido, não há mistério a respeito disso. Participou de várias sessões (de tortura)", disse Nahas.
Nahas era militante da organização armada de esquerda Colina (Comando de Libertação Nacional). Foi preso em 1969, acusado de assaltar bancos. Conta ter sido torturado na Delegacia de Furtos e Roubos e no 12º Regimento de Infantaria do Exército.
"Menezzi ficava à vontade no cargo, muito orgulhoso da equipe de repressão a que pertencia. Fazia questão de aparecer diante de seus superiores. Esses torturadores eram figuras muito mesquinhas, muito pequenas."
Jorge Nahas ficou preso até 1970, quando foi banido. Exilado até 1979, voltou ao Brasil no ano em que foi promulgada a Lei da Anistia. Hoje é militante do PT.
Em 1970, a formanda em psicologia Emely Vieira Salazar, embora não pertencesse a nenhum grupo guerrilheiro, foi presa.
"Prenderam-me por fazer, com outros universitários, denúncias de que havia tortura", conta Emely, hoje com 60 anos. "No fundo, eu não acreditava muito. Andava tranquila, pensando que não havia perigo para mim: "Afinal eu não faço nada"."
"Lembro do tenente Del Menezzi, e é uma triste recordação. Eu estava no Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Não fui torturada por ele, mas muitas companheiras presas comigo foram. Elas tinham pânico. Eu morria de medo de ele me chamar. Havia equipes. Eu era chamada pelo tenente Marcelo Paixão", afirmou Emely.
Marcelo Paixão de Araújo trabalhava junto com Menezzi nos interrogatórios. Em 1998, disse à revista "Veja" que torturou cerca de 30 pessoas.
""Minhas amigas diziam que Menezzi era um torturador dos mais veementes, audaciosos. Infligia coisas terríveis, ameaçava, criava pânico, era muito violento." As antigas companheiras de prisão de Emely, que ficou detida até 1971, moram na França.
O cartunista e ilustrador Nilo Sérgio Menezes Macedo, 55, afirma que "Menezzi era o principal assessor do coronel Medeiros. Ele conhecia tudo aquilo. Como não sabia que havia tortura?".
Macedo diz ter conhecido o então tenente quando foi levado ao Exército, depois de uma passagem traumática pela Delegacia de Furtos e Roubos. Militante da Colina, fora apanhado em janeiro de 1969. Foi para o Dops, transferiram-no para uma penitenciária no interior e, a seguir, para a delegacia em Belo Horizonte.
O jovem que tinha fobia de ratos conta ter sido colocado numa cela minúscula, com um vaso sanitário instalado no chão. Dali, saíam roedores que o aterrorizavam.
Numa noite, diz o então estudante, o tiraram de lá e o levaram para o pau-de-arara, instrumento de tortura em que o preso fica pendurado pelas pernas, de cabeça para baixo.
"No pau-de-arara, um me batia nos pés com borracha de pneu, um aplicava choques por todo o corpo e outro me sufocava com água. Eram três demônios."
"Um dia me levaram para conversar com Octávio Medeiros no Exército. Menezzi estava lá. Queriam saber onde ficava um campo de treinamento da organização, e eu não sabia. Como eu não falava, Medeiros levantou-se e disse: "Vou mandar você de volta para a Furtos e Roubos". Eu falei: "Não me manda, não, porque vão me matar lá dentro". Medeiros respondeu: "Os métodos da polícia são mais eficientes". Menezzi estava com ele."
"Era uma época em que em Minas a tortura estava concentrada na polícia. Logo que isso acabou, o Exército passou a torturar intensamente. Menezzi estava lá", diz Jorge Nahas.


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