São Paulo, terça-feira, 03 de dezembro de 2002

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1ª VIAGEM

Órgão da ONU propõe que países latino-americanos possam usar instrumento multilateral em momentos de insolvência

Cepal defende criação de "lei" para moratória

CLAUDIA ANTUNES
ENVIADA ESPECIAL A SANTIAGO

Um dia antes de se reunir em Santiago com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o secretário-geral da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), José Antonio Ocampo, defendeu que o Brasil e demais países latino-americanos apresentem uma proposta conjunta para a criação de um mecanismo multilateral de renegociação da dívida externa, ao qual possam recorrer em momentos de insolvência.
A possibilidade de os países recorrerem a uma moratória "negociada", no marco do FMI (Fundo Monetário Internacional), vem sendo discutida há cerca de um ano, por iniciativa da americana Anne Krueger, vice-diretora-gerente do Fundo. Entretanto, tanto o Brasil quanto o México se opuseram, por considerar que uma iniciativa do tipo inibiria ainda mais o financiamento externo às economias em desenvolvimento.
"O mundo tem que desenvolver um mecanismo multilateral para fazer frente ao problema do superendividamento, para evitar que se repita a crise dos anos 80, quando cada país buscou saídas individuais. Algo como foram os Planos Baker e Bradley [promovidos no fim dos anos 80 e início dos anos 90 pelos Estados Unidos, para levar as economias em moratória de volta ao sistema financeiro internacional], mas dentro de um ordenamento regular", disse.
Ocampo deu entrevista a jornalistas latino-americanos que participam, na sede da Cepal, órgão da ONU, de um seminário sobre recursos hídricos promovido pela comissão e pelo Banco Mundial.
O secretário-geral da Cepal afirmou que um mecanismo internacional que permita a suspensão do pagamento da dívida seria "tão natural quanto um país ter uma lei de falências; faz parte do sistema em que vivemos".
Mas reconheceu que qualquer proposta individual nesse sentido "será malvista".
"Pode ter um efeito bumerangue, acabando com o financiamento externo", disse. Por isso, sugeriu uma ação conjunta latino-americana. Questionado sobre que país poderia liderar o debate, riu e comentou: "O melhor é que seja um que não esteja em risco [de moratória]".
Ele não quis revelar se tratará do assunto na reunião de uma hora que terá hoje com Lula, a partir das 16h (17h no Brasil).
Ocampo fez questão de salientar que, diferentemente do que defendem os Estados Unidos, o mecanismo que ele propõe não seria um substituto para os pacotes de ajuda do Fundo.
"Seria um complemento. Os financiamentos do Fundo são para resolver problemas de liquidez; o mecanismo seria para resolver crises de solvência."
Para o secretário-geral da Cepal, será necessário também oferecer uma "cenoura" aos países que se exponham ao "garrote" da moratória. "É preciso dar garantias multilaterais aos que queiram voltar a ter acesso ao mercado de capitais". Ou seja, criar uma espécie de "seguro" internacional que garanta o pagamento dos novos créditos.
Apesar de admitir a possibilidade de outros países latino-americanos suspenderem o pagamento de sua dívida externa ou de parte dela, como fez recentemente a Argentina, Ocampo afirmou que "é pouco provável" uma nova crise generalizada, como nos anos 80.
"O endividamento é similar ao de 20 anos atrás, mas naquela época o fator determinante foi a elevação da taxa de juros americana. Hoje, a probabilidade de um novo choque de juros é nula. A política do FED [Federal Reserve, o BC americano] é exatamente oposta", afirmou.
Ao comentar as eleições presidenciais no Brasil e no Equador (onde foi eleito o ex-coronel Lucio Gutiérrez, representante de uma frente de esquerda), Ocampo disse que houve uma "evidente rejeição a alguns dos resultados das reformas econômicas dos anos 90". "No Brasil e no Equador, todos os candidatos eram contra o neoliberalismo."


A jornalista CLAUDIA ANTUNES viajou a Santiago a convite da Cepal e do Banco Mundial


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