São Paulo, terça-feira, 03 de dezembro de 2002

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JANIO DE FREITAS

Nas asas da Varig

Cony já deve ter citado, porque não deixaria desperdiçada uma lembrança dessas, o slogan com que a loteria tentava os menos céticos: "O seu dia chegará". Cony não ganhou aquela, mas ganhou várias outras loterias na vida. Todas me escaparam com menos ou mais acinte, mas, desde que criada a coluna do ombudsman na Folha dominical, o slogan voltou a frequentar minha memória. Não como aceno promissor, mas como a advertência de que este velho cético jamais abriria mão: "O seu dia chegará".
Chegou no domingo. No artigo "Os nós da Varig", o ombudsman Bernardo Ajzenberg aborda situação da empresa, com dados de precisão pelo menos discutível, e chega ao aspecto jornalístico do assunto:
"Na terça-feira, num texto intitulado "A marcha da insensatez", Luís Nassif criticou a posição da FRB [Fundação Ruben Berta, controladora da Varig e constituída por funcionários], que em assembléia no último dia 22 vetou um entendimento costurado pelo conselho com os credores e o BNDES para "salvar" a empresa".
Parágrafo seguinte: "Na quarta, em texto chamado "No ar", Janio de Freitas fez o oposto: elogiou a recusa do plano por parte da Fundação". E logo adiante: (...) "ressalto a existência da polêmica para destacar um outro problema": (...) teria o jornal fornecido fatos e história o suficiente para que ele [leitor], ao ler, por exemplo, as opiniões dos colunistas, pudesse chegar a um julgamento próprio, básico que fosse, sobre a questão?"
Nassif tem a boa sorte de manter comigo muitas e sempre renovadas diferenças, o que ajuda a explicar seus êxitos tão maiores e variados. Mas, no caso, é preciso dizer, antes de tudo, que meu artigo não saiu na quarta, dia seguinte ao de Nassif, e sim na quinta. Não aborda, em contraposição e nem com simples citação, os pontos levantados por Nassif para expor sua opinião. Não foi criada uma "polêmica", portanto, mas acontecida uma divergência de opinião, ou de conclusão a partir de dados e avaliações diferentes.
Nem poderia haver polêmica por este motivo lamentável: não li o artigo de Nassif. Ou só o li ontem, na redação carioca da Folha. De volta ao Brasil e ao Rio, consumi o domingo e a segunda com a pilha de jornais acumulados durante a ausência. Dessa melancólica obrigação fiz mesmo, na segunda, o artigo de terça. Mas dei forçada preferência à leitura de 13 dias do assunto em relevância no momento: noticiário e artigos sobre novo e velho governos e governantes. As primeiras páginas não me exigiram a leitura imediata de economia, fazendo minha indigestão apenas com as manchetes sobre a volta da inflação e o aumento do desemprego.
E não sei se caberia mesmo atribuir-me "elogio" a quem quer que fosse, por este parágrafo: "A cinco semanas de instalar-se, não demonstraria grande sensatez a aceitação de um plano financeiro e administrativo radical, não estando conhecidas as intenções dos futuros governantes para os problemas da aviação comercial".
Convém contestar, também, que a Fundação tenha recusado "um entendimento costurado pelo conselho com os credores e o BNDES para "salvar" a empresa". O plano foi montado, como escrevi e não preciso corrigir, por "um grupo de novos conselheiros mais ou menos impostos, ex-integrantes do atual e de passados governos" em ação conjunta com os principais credores, entre eles BR Distribuidora, BNDES e Infraero, "por acaso, ou não, entidades orientadas por pessoas do governo".
O Conselho de Administração recusou o plano elaborado pelo grupo e credores com o argumento, entre outros, de que estava proposta a liquidação de débitos, mas nenhuma das medidas esperadas para assegurar o dia seguinte da empresa. Ao que meu pequeno texto (foi parte de um artigo) acrescentava: "Mais significativo é que, por trás, sob ou paralelamente ao plano está o fantástico negócio de venda da Varig".
Quem tiver dúvida a respeito, pode começar por uma consulta a alemães do comando da Lufthansa, já que seria mais difícil obter certas informações com alguns dirigentes da BR Distribuidora (ou da Petrobras), do BNDES e integrantes do próprio grupo de novos conselheiros, aliás, já ex-conselheiros que elaboraram a salvação sem salvação. Ou, pelo menos, uma salvação que melhor teria outro nome.


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