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ENTREVISTA DA 2ª
Em Porto Alegre, Michael Hardt, co-autor de "Império", critica uso eleitoral do evento pelo PT
"Fórum Social é fraco ao propor idéias"
Eduardo Knapp/Folha Imagem
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O professor de literatura Michael Hardt, em Porto Alegre, durante o Fórum Social Mundial |
SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL A PORTO ALEGRE
"É como morder a mão que me
alimenta, mas preciso dizer que
seria melhor que o Fórum Social
Mundial não servisse tanto aos
objetivos eleitorais do PT", afirma
Michael Hardt, 41, professor de literatura e romance da Universidade Duke (EUA) e co-autor de
"Império" (2000, com o filósofo
italiano Toni Negri).
Hardt veio a Porto Alegre para
tomar parte no fórum social e
participa hoje da conferência que
discute "Soberania, Nação, Estado". Leia abaixo trechos da entrevista que o pensador dos EUA
concedeu à Folha, ontem, na capital gaúcha.
Folha - O fórum tem levantado os
pontos negativos da chamada globalização neoliberal. O que há para
ser feito pelos que se opõem a ela?
Michael Hardt - Numa perspectiva do norte (EUA e Europa), acho
que os protestos, de Seattle a Gênova, foram as melhores coisas
que aconteceram desde 1968. É a
primeira politização séria de uma
geração completamente nova.
Uma maneira de pensar e uma
militância totalmente originais.
Folha - O que está faltando, então?
Hardt - Vejo duas dificuldades
principais. A grande limitação do
movimento hoje é geográfica.
Ainda que se reconheça em várias
partes do mundo, ele é geograficamente limitado. O que Porto
Alegre faz é oferecer uma oportunidade de conexões. Outra dificuldade do movimento é o fato de
ter sido até aqui apenas de protesto. Ele ainda é fraco ao propor alternativas. Mas também não acho
que seja necessário simplesmente
listar as dez coisas que o Banco
Mundial deveria fazer.
Há dois tipos de discurso que
confrontam a globalização, um
diz que a resposta é reforçar a soberania nacional, como na França. Isso não é bom, pois a soberania nacional traz em si uma forma
de hierarquia que não é positiva.
O outro discurso é o que defende
uma rede globalizante alternativa.
Parece mais apropriado.
Folha - Você acha que a discussão
tende a ser mais conclusiva?
Hardt - Eu não quero declarações ou um programa de ação,
acho que o que seria mais necessário agora é que surgisse um
confronto, que se realçassem divisões, e isso ainda não está acontecendo, eu espero que possa suceder. No caso de Porto Alegre,
acho que não acontece por causa
do caráter dispersivo do evento.
Mas acho o fórum essencial. Para quem vem dos EUA, em que
tudo está tão pesado desde os
atentados, é refrescante encontrar
tanta gente e discutir abertamente
os problemas do mundo.
Folha - O que você acha da relação do PT com o fórum?
Hardt - A natureza dupla da razão pela qual Porto Alegre sedia o
fórum, oferecendo um espaço oficial para o PT conduzir uma operação eleitoral, obviamente estabelece uma relação ambígua entre
este e os movimentos sociais que
vêm até aqui. Não quero falar mal
do partido, mas por mais bonito e
positivo que seu programa possa
ser no contexto para o Brasil,
creio que o fórum deveria ser uma
coisa separada de sua imagem.
Folha - "Império" foi lançado
pouco antes da Guerra do Kosovo,
em 1999. O que aconteceu no mundo depois disso confirma suas "previsões"?
Hardt - Sim, no que diz respeito
às duas idéias centrais do livro. A
primeira delas dizia que uma nova forma de poder tomava força e
que ela não seria liderada por nenhum país -daí o "império" não
ter nada que ver com "imperialismo". Isso se confirma mesmo que
os EUA estejam num processo de
militarização depois de 11 de setembro. Se por um lado isso acontece, os mesmos EUA também
tentam compreender o mundo de
maneira abrangente. Daí as organizações e órgãos transnacionais
que alimentam (FMI, Banco
Mundial e outros). A outra idéia é
a de que a luta, a resistência também tinham a tendência de se globalizar. E isso também está acontecendo.
Folha - A crise argentina pode ser
vista mais como exemplo das falhas do neoliberalismo como sistema ou como resultado das falhas
de seus governantes?
Hardt - Acho mais eficiente pensar em termos sistemáticos. Vejo
a crise argentina como a crise no
sudeste asiático há alguns anos.
No caso da Argentina, o problema
econômico resultou numa crise
política e, -que bom para eles-,
o governo foi derrubado.
Concordo que sejam casos diferentes, mas pode-se ver como
uma mesma causa teve diferentes
efeitos em diferentes locações. Pode-se dizer que a causa veio do sistema, mas o modelo que tomou
forma lá foi o modelo argentino.
Os erros do governo contribuem
para a crise, mas apenas na maneira como a modelam.
Folha - Crises como essas ameaçam o "império"?
Hardt - Não. Não me parece que
as crises sociais e econômicas por
si mesmas sejam uma ameaça ao
poder global. Em geral as políticas
do poder global funcionam através dessas crises e não irá entrar
em colapso por causa delas.
Folha - Como as crises, as guerras
do mundo contemporâneo reforçam o poder global?
Hardt - Sem dúvida. A história
das formas de poder que funcionam apoiadas no capitalismo
vêm tradicionalmente usando
crises e conflitos para se legitimar
economicamente. É também um
mecanismo de controle social.
Folha - Portanto, você considera
mais eficiente analisar crises pontuais a partir de uma visão mais
ampla e não do contexto específico
de cada uma?
Hardt - Provavelmente seria
mais eficiente neste momento ver
o caso Enron no mesmo contexto
da Argentina. Muitas coisas são
diferentes, mas em ambos há uma
crise econômica gerada pela forma contemporânea de controle
do capitalismo que não necessariamente ameaça sua estrutura.
É preciso atentar para a natureza sistemática desses acontecimentos, porque isso indica que
não basta encontrar uma solução
nacional. É preciso haver um movimento muito mais amplo para
resolver problemas amplos. O
que podemos fazer por meio de
políticas nacionais é ganhar posição na hierarquia dos subordinados no mundo. O Brasil pode agora estar numa situação menos
ruim do que a Argentina, mas isso
não é uma vitória, pois não aponta para o que está errado no sistema a que ambos fazem parte.
Folha - Qual sua opinião sobre as
guerras contemporâneas?
Hardt - Minha visão mais ampla
sobre a guerra confirma que no
mundo de hoje as guerras são de
uma outra natureza. Não veremos
mais grandes potências em combate. Tampouco teremos guerras
que ameacem o sistema como um
todo. No passado, as guerras civis
eram transformadoras, revolucionárias, como a chinesa ou a
francesa. A guerra dos EUA contra a Al Qaeda, a de Israel contra a
Palestina ou mesmo a do Paquistão contra a Índia não representam ameaças ao novo poder global, pelo contrário, reforçam o sistema como um todo. Temos hoje
uma forma de poder mundial que
é reforçada pelas guerras e pelas
crises das nações.
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