São Paulo, quarta-feira, 04 de fevereiro de 2004

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ELIO GASPARI

O servidor merece respeito e concurso

De tanto defender as idéias que não tem, o comissariado petista desaprendeu a defesa das idéias que tem. Encastelou-se de tal forma na retórica da desqualificação, que perdeu a capacidade de argumentar. Veja o caso do comissário Luiz Marinho, presidente da CUT, defendendo a contratação (por meio de concursos públicos) de 41 mil novos servidores para a máquina federal. Ele diz:
"É preciso fortalecer o Estado e é bastante irresponsável criticar a contratação de mais funcionários."
Criticar a providência não é irresponsabilidade. É direito. Com estilistas como Marinho, o comissariado petista não precisa de Fashion Show.
A contratação dos 41 mil funcionários por concurso público não tem nada a ver com o trem blindado da alegria do comissário José Dirceu, que vai coordenar a nomeação de 2.800 pessoas para cargos de confiança. (Confiança de quem, ou para quê, resta saber.) O concurso cria servidores, como o fiscal de ensino Graciliano Ramos; o ascensorista Platão, do Ministério da Fazenda, aquele que a plutocracia bajulava durante o milagre econômico, ou os fiscais do Trabalho e o motorista assassinados pela pistolagem de Unaí.
Os servidores públicos brasileiros sofrem um processo de satanização que dura mais de uma década. Nisso Collor, FFHH e Lula formaram uma trindade. Deram à palavra servidor o sentido de privilegiado, marajá e, no limite, vagabundo. Quando olharam em volta, tinham desmanchado a máquina do Estado. O Brasil deve, e muito, à sua burocracia. Às vezes ela é autoritária, burra e aproveitadora. No essencial, contudo, é uma defensora do interesse público.
Quando o governo anunciou que abrirá concurso para contratar 41 mil funcionários, ficou a impressão de que a opção é contratá-los ou não contratá-los. Na realidade, trata-se de contratar servidores ou trabalhadores cadastrados por empresas de locação de mão-de-obra. São os "gatos" da modernidade tucana. Há cerca de 50 mil brasileiros prestando serviços ao poder público como terceirizados. Eram 40 mil em 1995. O dinheiro que será gasto com os servidores seria gasto com a mão-de-obra alugada. O trabalhador terceirizado pode até sair mais caro para a Viúva.
Trocando-se uma burocracia a serviço do Estado por trabalhadores sem vínculos empregatícios nem direitos funcionais, dispensa-se aquele código profissional que uniu as vidas públicas de pessoas como Celso Furtado, Octavio Gouvea de Bulhões e o médico Noel Nutels.
Voando mais baixo, pode-se lembrar um caso ocorrido por conta de um sábio do Itamaraty que decidiu terceirizar a contratação das pessoas que cuidavam da mapoteca do ministério. Uma jóia da cultura nacional, onde estavam a coleção do Barão do Rio Branco e álbuns de fotografias da Casa Imperial. É provável que se tenha feito grande economia. Um êxito, até o dia em que se deu pela falta de um mapa. E outro, e mais outro. Em julho do ano passado, a mapoteca foi saqueada.
Resultou o seguinte: os sábios terceirizaram a inteligência, privatizaram a mão-de-obra e produziram a ruína cultural. Economizaram um trocado e perderam algumas das peças mais valiosas do acervo. Coisa de milhões de dólares. Feito o desastre, fechou-se a mapoteca.


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