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Papéis da ditadura somem dos arquivos
Abin diz que transferiu todo o acervo do SNI para o Arquivo Nacional, mas órgão não recebeu documentos da gestão Geisel
Folha pediu "Apreciações Sumárias" de 1975, mas governo não localizou textos, disponíveis em acervo de ex-presidente
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
O arquivo do extinto Serviço
Nacional de Informações
(1964-90), sob guarda da
União, sofreu uma "limpeza"
na qual foram suprimidos documentos que deveriam constar de acervos federais. É o que
revela investigação da Folha
feita por um mês e meio em órgãos públicos.
O Arquivo Nacional emitiu
certidão de "nada consta" em
resposta ao pedido de papéis
do SNI de 1975. A Abin (Agência Brasileira de Inteligência)
afirma que não os tem.
A descoberta do sumiço
comprova, de maneira inédita,
relatos de antigos funcionários
da chamada "comunidade de
informações" do regime militar (1964-85).
Em conversas reservadas em
anos recentes, eles disseram
ter havido um "banho" no material produzido pelo SNI.
Em 2005 o governo anunciou com pompa que a ida para
o Arquivo Nacional de todo o
acervo do SNI que estava com a
Abin seria um marco no acesso
à memória do país.
O decreto de transferência
foi assinado por uma dupla de
antigos opositores da ditadura:
o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva e a ministra Dilma
Rousseff (Casa Civil).
A considerar o pronunciamento de duas repartições subordinadas a órgãos da Presidência da República, o que a
Abin entregou não corresponde ao acervo integral do SNI.
Em outras palavras, o governo deu a conhecer somente
parte da história. A Abin se vincula ao Gabinete de Segurança
Institucional. O Arquivo Nacional, à Casa Civil.
A busca pelos papéis começou com um pedido feito pelo
jornal à Abin no dia 15 de dezembro: a cópia das "Apreciações Sumárias" do SNI elaboradas em outubro (mês em que
o jornalista Vladimir Herzog
foi morto por tortura em São
Paulo) e novembro de 1975.
A Abin sublinhou diversas
vezes: todo o acervo do SNI, em
obediência à legislação de
2005, foi para o Arquivo Nacional. Este, por sua vez, assegura
que não recebeu as "Apreciações" requisitadas pela Folha.
A certidão é firmada por três
servidores. Uma funcionária
disse que só chegaram à instituição as "Apreciações" de 74.
Acaso
A comprovação de que documentos de relevo histórico sumiram só foi possível com o
cruzamento das informações
da Abin e do Arquivo Nacional
e graças a um acaso: os papéis
estão à disposição de qualquer
interessado no bairro carioca
de Botafogo.
A filha do presidente Ernesto
Geisel (1974-79) doou o arquivo particular do pai ao CPDOC
(Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil), da Fundação Getúlio Vargas.
Dele fazem parte as "Apreciações Sumárias" dos anos do
governo Geisel. Elas eram informes semanais endereçados
pela Agência Central do SNI
(em Brasília) ao presidente e,
eventualmente, às Agências
Regionais.
Falavam de política, economia, movimento estudantil,
Igreja, Forças Armadas e outros assuntos.
Inicialmente com o carimbo
de "confidencial" e depois com
o de "secreto", mais rigoroso,
acompanhavam-se da rubrica
"Campo Interno".
O pacote de outubro e novembro de 1975 soma oito edições e 105 folhas. A cópia em
papel de cada página do microfilme sai por R$ 1,00 no
CPDOC. Para ler, é de graça.
As "Apreciações" foram citadas em dois livros: "A Ditadura
Encurralada" (2004), de Elio
Gaspari, e "Dossiê Geisel"
(2002), de Celso Castro e Maria
Celina D'Araújo.
O expediente padrão do SNI
era manter pelo menos uma cópia do que produzia. Para destruir um documento sem cometer ilegalidade, é preciso
consignar em ata no livro específico para esse fim.
A Abin, herdeira do arquivo
do SNI, diz não ter como identificar registro de destruição.
Nos últimos dias, em contato
com o Arquivo Nacional, buscou de novo os papéis, sem sucesso. A agência não diz quando
houve o desaparecimento -se
sob a ditadura ou depois.
Se o general Geisel não guardasse cópias, talvez ainda hoje
não houvesse conhecimento
público sobre as "Apreciações"
e seu conteúdo. Se o sumiço
deu cabo de alguns documentos, é possível que tenha dado
de outros.
O arquivo do SNI, agora sob
guarda do Arquivo Nacional, é
esperança de cerca de 140 famílias para encontrar os corpos de
desaparecidos políticos. Pesquisadores esperam obter nele
novos dados para contar a história do regime militar.
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