São Paulo, domingo, 04 de março de 2007

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JANIO DE FREITAS

Desinteresse nas mudanças


O governo não quer a obrigação de dar à segurança pública as verbas que ele inclui no Orçamento

A CRIMINALIDADE cria mais monstruosidades a cada dia, mas o clamor provocado pela morte do menino João Hélio cumpre o estigma brasileiro do rápido esquecimento, e disso se aproveitam deputados e senadores para reativar a sua relutância em aprovar projetos capazes, em princípio, de atenuar a insegurança pública. Vários deles, dormitando no Congresso há mais de dez anos.
A semana foi farta em manobras protelatórias e em protelações sem necessidade de manobra. Três exemplos são suficientes para ilustrar os truques da relutância e a gravidade de seus efeitos.
Sob o eloquente rótulo de "grupo de trabalho de segurança pública" da Câmara, os deputados assim reunidos recusaram, abrandando-as, alterações para maior rigor, em tempo e em destinação, na prescrição de crimes. O facilitário de muitas das prescrições, variáveis segundo o crime, tem sido eficiente e banal porta de saída para a impunidade. Por esta porta passa uma fila sem fim de criminosos financeiros.
Entre garfadas e goles no restaurante do Senado, a primeira reunião dos senadores indicados para dirimir a divergência que paralisou a Comissão de Constituição e Justiça, a propósito da maioridade penal, teve assim o seu melhor resultado: comprovou que o óbvio continua sendo óbvio. Como se sabia, e se publicou, a idéia de redução da maioridade penal não permitiria acordo, a menos que um dos lados cedesse, e nenhum deles aceitava comprometer-se com recuo. A atual questão da maioridade não comporta meio termo. Mas, com isso, a CCJ adiou por mais um mês e meio a apreciação dessa e de outras votações finais.
A retenção de verbas orçamentárias do Ministério da Justiça, e portanto da Polícia Federal, é um dos problemas de graves conseqüências que nascem no próprio governo. Não começou no governo Lula, mas, quando se pensou que chegara ao máximo com Malan/Fernando Henrique, Antonio Palocci e Joaquim Levy elevaram-no, quando na Fazenda e no Tesouro Nacional, a proporções que um Código Penal democrático, mesmo, não aceitaria como atos só administrativos.
Decisão inaugural do que seria a resposta do Congresso ao agravamento da criminalidade, afinal o Senado aprovou a proibição de que verbas para a segurança sejam retidas, transformando-se em pagamento de juros e em saldos gloriosos do governo. O projeto seguiu para a votação na Câmara. E lá foi direto para o dormitório. O governo não quer a obrigação de dar à segurança pública as verbas para a segurança pública que ele inclui no Orçamento e o Congresso aprova.
Para completar, com maior amplitude, a relutância de socorros à insegurança pública, a Câmara realça o tema da reforma política. Mas sem disposição de considerar a proposta da Ordem dos Advogados do Brasil, que não se presta aos interesses dos parlamentares. E, em lugar desta, reabrindo as preliminares aprovadas para que os novos deputados sugiram modificações. Inovação cujo efeito é protelar também o arremedo de reforma política.
Como está, seja na legislação política, seja na legislação penal, continua muito bom para os parlamentares, que têm muitos interesses pessoais assegurados na primeira ou em ambas as legislações.


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