São Paulo, sábado, 04 de abril de 2009

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Morre Marcio Moreira Alves, pivô do AI-5

Deputado pelo MDB foi autor de discurso em 1968 que serviu de pretexto para o aumento da repressão na ditadura militar


Ex-jornalista, ele tinha 72 anos e estava internado havia quase seis meses, depois de ter sofrido um acidente vascular cerebral

DA SUCURSAL DO RIO

O jornalista, escritor e deputado Marcio Moreira Alves, 72 -responsável por discurso em 1968 usado pelo presidente Costa e Silva como pretexto para editar o Ato Institucional nº 5, a mais drástica medida de exceção da ditadura militar- morreu às 18h25 de ontem no hospital Samaritano, em Botafogo, zona sul do Rio, em razão de falência múltipla dos órgãos.
Moreira Alves estava internado havia quase seis meses, desde 18 de outubro do ano passado, após ter sofrido um acidente vascular cerebral.
O velório foi programado para o salão nobre do Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa do Rio. Hoje, às 14h, o corpo sairá em direção ao cemitério do Caju, onde será cremado às 15h. Ele estava casado pela segunda vez e deixa três filhos e uma enteada.
Adversário do governo João Goulart (1961-1964), o carioca Marcio Emmanuel Moreira Alves, nascido em 14 de julho de 1936, inicialmente apoiou o golpe de 31 de março de 1964. Foi para a oposição quando os militares divulgaram o primeiro ato de exceção dias depois.
Como repórter e articulista político do extinto "Correio da Manhã", foi voz ativa na denúncia da tortura e das prisões arbitrárias e crítico à política econômica do então ministro do Planejamento Roberto Campos (1964-1967).
No dia 30 de agosto de 1968, a Universidade Federal de Minas Gerais foi fechada, e a Universidade de Brasília (UnB) foi invadida pela Polícia Militar, que espancou diversos estudantes.
Em 2 de setembro, em protesto contra a invasão da UnB, Moreira Alves, deputado pelo MDB, pronunciou discurso, propondo um "boicote ao militarismo" e pedindo que a população não participasse dos festejos do Sete de Setembro.
"Seria necessário que cada pai, cada mãe, se compenetrasse de que a presença dos seus filhos nesse desfile é o auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas ruas. Portanto, que cada um boicote esse desfile", discursou.
"Esse boicote pode passar também, sempre falando de mulheres, às moças. Aquelas que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje, no Brasil, que as mulheres de 1968 repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e recusassem a entrada à porta de sua casa àqueles que vilipendiam-nas. Recusassem aceitar aqueles que silenciam e, portanto, se acumpliciam", discursou.
O discurso de Moreira Alves foi considerado pelos ministros militares como ofensivo "aos brios e à dignidade das Forças Armadas". O governo entrou no Supremo Tribunal Federal com pedido de cassação do mandato do deputado. Foi recusado pelo plenário da Câmara, por diferença de 75 votos (216 votos contra e 141 a favor).
No dia 13 de dezembro, o presidente Costa e Silva editou o AI-5, que autorizou o presidente da República, sem qualquer apreciação judicial, a decretar, entre outras medidas, o recesso do Congresso e de outros órgãos legislativos, a intervir nos Estados e municípios, a cassar mandatos eletivos e suspender, por dez anos, os direitos políticos de qualquer cidadão.
Cossignatário do Ato Institucional nº 5, o ex-ministro Jarbas Passarinho afirmou ontem que foi um erro o governo pressionar a Câmara para que ele fosse processado em 1968. Coronel reformado do Exército, Passarinho lembrou que a Constituição determinava que "deputados e senadores fossem invioláveis por opinião e voto".
Ele criticou o então ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva (1913-1979), por ter tomado a iniciativa de, pelos meios formais da época, pedir ao STF o processo contra Moreira Alves. "Gama e Silva se deixou pressionar", afirmou Passarinho, "sobretudo por militares da Aeronáutica". Para o ex-ministro, seu colega da Justiça poderia dizer que a reivindicação "não tinha cabimento". "Ele era professor [de direito]."
A intervenção de Moreira Alves passou quase despercebida na Câmara, recordou Passarinho. Ele contou que o discurso foi mimeografado e distribuído nas principais unidades das Forças Armadas no Rio e em Brasília, gerando o movimento para afastar o deputado.
Passarinho sugere que se investiguem os verdadeiros termos do discurso. Diz que as palavras mudaram de acordo com o tempo, e o original se perdeu. "Onde está o discurso?"


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