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Morre Marcio Moreira Alves, pivô do AI-5
Deputado pelo MDB foi autor de discurso em 1968 que serviu de pretexto para o aumento da repressão na ditadura militar
Ex-jornalista, ele tinha 72
anos e estava internado
havia quase seis meses,
depois de ter sofrido um
acidente vascular cerebral
DA SUCURSAL DO RIO
O jornalista, escritor e deputado Marcio Moreira Alves, 72
-responsável por discurso em
1968 usado pelo presidente
Costa e Silva como pretexto para editar o Ato Institucional nº
5, a mais drástica medida de exceção da ditadura militar-
morreu às 18h25 de ontem no
hospital Samaritano, em Botafogo, zona sul do Rio, em razão
de falência múltipla dos órgãos.
Moreira Alves estava internado havia quase seis meses,
desde 18 de outubro do ano passado, após ter sofrido um acidente vascular cerebral.
O velório foi programado para o salão nobre do Palácio Tiradentes, sede da Assembleia
Legislativa do Rio. Hoje, às 14h,
o corpo sairá em direção ao cemitério do Caju, onde será cremado às 15h. Ele estava casado
pela segunda vez e deixa três filhos e uma enteada.
Adversário do governo João
Goulart (1961-1964), o carioca
Marcio Emmanuel Moreira Alves, nascido em 14 de julho de
1936, inicialmente apoiou o
golpe de 31 de março de 1964.
Foi para a oposição quando os
militares divulgaram o primeiro ato de exceção dias depois.
Como repórter e articulista
político do extinto "Correio da
Manhã", foi voz ativa na denúncia da tortura e das prisões arbitrárias e crítico à política econômica do então ministro do
Planejamento Roberto Campos (1964-1967).
No dia 30 de agosto de 1968, a
Universidade Federal de Minas
Gerais foi fechada, e a Universidade de Brasília (UnB) foi invadida pela Polícia Militar, que
espancou diversos estudantes.
Em 2 de setembro, em protesto contra a invasão da UnB,
Moreira Alves, deputado pelo
MDB, pronunciou discurso,
propondo um "boicote ao militarismo" e pedindo que a população não participasse dos festejos do Sete de Setembro.
"Seria necessário que cada
pai, cada mãe, se compenetrasse de que a presença dos seus filhos nesse desfile é o auxílio aos
carrascos que os espancam e os
metralham nas ruas. Portanto,
que cada um boicote esse desfile", discursou.
"Esse boicote pode passar
também, sempre falando de
mulheres, às moças. Aquelas
que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais. Seria
preciso fazer hoje, no Brasil,
que as mulheres de 1968 repetissem as paulistas da Guerra
dos Emboabas e recusassem a
entrada à porta de sua casa
àqueles que vilipendiam-nas.
Recusassem aceitar aqueles
que silenciam e, portanto, se
acumpliciam", discursou.
O discurso de Moreira Alves
foi considerado pelos ministros
militares como ofensivo "aos
brios e à dignidade das Forças
Armadas". O governo entrou
no Supremo Tribunal Federal
com pedido de cassação do
mandato do deputado. Foi recusado pelo plenário da Câmara, por diferença de 75 votos
(216 votos contra e 141 a favor).
No dia 13 de dezembro, o presidente Costa e Silva editou o
AI-5, que autorizou o presidente da República, sem qualquer
apreciação judicial, a decretar,
entre outras medidas, o recesso
do Congresso e de outros órgãos legislativos, a intervir nos
Estados e municípios, a cassar
mandatos eletivos e suspender,
por dez anos, os direitos políticos de qualquer cidadão.
Cossignatário do Ato Institucional nº 5, o ex-ministro Jarbas Passarinho afirmou ontem
que foi um erro o governo pressionar a Câmara para que ele
fosse processado em 1968. Coronel reformado do Exército,
Passarinho lembrou que a
Constituição determinava que
"deputados e senadores fossem
invioláveis por opinião e voto".
Ele criticou o então ministro
da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva (1913-1979), por ter
tomado a iniciativa de, pelos
meios formais da época, pedir
ao STF o processo contra Moreira Alves. "Gama e Silva se
deixou pressionar", afirmou
Passarinho, "sobretudo por militares da Aeronáutica". Para o
ex-ministro, seu colega da Justiça poderia dizer que a reivindicação "não tinha cabimento".
"Ele era professor [de direito]."
A intervenção de Moreira Alves passou quase despercebida
na Câmara, recordou Passarinho. Ele contou que o discurso
foi mimeografado e distribuído
nas principais unidades das
Forças Armadas no Rio e em
Brasília, gerando o movimento
para afastar o deputado.
Passarinho sugere que se investiguem os verdadeiros termos do discurso. Diz que as palavras mudaram de acordo com
o tempo, e o original se perdeu.
"Onde está o discurso?"
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