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Punidos pela ditadura voltam à universidade
Com base em uma lei de 2002, Comissão da Anistia reabre vagas em cursos para alunos expulsos durante o regime militar
Ao voltar à USP em 2007, Jorge Gonzaga encontrou entre seus professores três colegas de sua passagem pela universidade em 1969
Sérgio Lima/Folha Imagem
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Iraê Sassi, aluno vítima de perseguição política durante o regime militar, mostra o Fusca que comprou ao regressar ao país em 2000
ANGELA PINHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Assim que as aulas na UnB
(Universidade de Brasília) recomeçarem, um veterano se
destacará entre os rostos de
adolescentes que chegarão direto do ensino médio.
Trinta e oito anos após deixar
a capital do país para não ser
preso pela ditadura militar
(1964-1985), Iraê Sassi, 59, voltará à universidade por uma decisão da Comissão da Anistia do
Ministério da Justiça -amparada em uma lei de 2002.
Não há número oficial sobre
quantas vagas em instituições
de ensino o órgão já reabriu para anistiados. A Folha localizou
seis casos e conversou com três
protagonistas. "Do ponto de
vista econômico, eu nem precisaria voltar", diz Sassi. "Mas, do
ponto de vista moral, fiz questão", diz ele, que cursará letras
(tradução), área em que já atua.
Sua ligação com a UnB vem
desde a infância. Seu pai era assessor do fundador da instituição, Darcy Ribeiro, e ele costumava passar as tardes no campus. A lembrança, porém, não é
tão boa em relação à sua primeira passagem como aluno.
Após participar do movimento secundarista, em 1969
ele passou no vestibular para
engenharia mecânica. Sua ficha no SNI (Serviço Nacional
de Informações), no entanto,
levou os dirigentes da UnB a
recusarem sua matrícula.
Questionado na Justiça, o
então reitor Caio Benjamin
Dias disse, em 1970, que a medida era necessária porque não
se poderia admitir que a universidade recebesse "estudantes hostis à ordem".
A argumentação não foi aceita em segunda instância, e Sassi chegou a cursar alguns meses
de engenharia. Frequentava a
casa do líder estudantil Honestino Guimarães. Depois de ser
presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), Honestino desapareceu em 1973.
Porto Alegre
Três anos antes, a então estudante de jornalismo Maria Regina Jacob Pilla avisara aos pais
que faria uma viagem e voltaria
a Porto Alegre dali a um mês.
Integrante de uma organização clandestina cujo nome prefere não ver publicado, acabou
ficando presa por dois anos na
Argentina e se exilou na França
até 1979, ano da Lei da Anistia.
Ao obter o direito de voltar à
UFRGS (Universidade Federal
do Rio Grande do Sul), em
2007, resolveu mudar para letras. Já na sua primeira passagem pela universidade havia se
desiludido com o curso de jornalismo -"muito chato". Já a
segunda passagem pela universidade foi uma decisão mais
consciente e mais prazerosa.
A integração com os colegas é
uma questão em aberto: com
alguns é mais fácil, com outros,
não: "Posso ser muito dura com
as pessoas. Quem passa por tortura fica com uma violência
muito grande introjetada".
São Paulo
Ao voltar para a Escola de
Comunicações e Artes da USP,
em 2007, Jorge Gonzaga, 65,
sentou-se ao lado de alunos que
em sua maioria tinham 17 e 18
anos. Entre seus professores,
encontrou três colegas da sua
primeira passagem pela universidade, em 1969. Naquela
época, Gonzaga foi para o Nordeste alguns meses após começar o curso de comunicação.
Tendo ficado 11 meses preso
por ter distribuído um panfleto
"subversivo", pensou que seria
novamente preso caso ficasse
em São Paulo. Após a vitória na
Comissão da Anistia, fez dois
anos de jornalismo, mas achou
o curso "inacreditavelmente
ruim" e voltou ao Rio, onde trabalha com teatro de bonecos.
Na sua volta à universidade,
achou que os alunos dos diferentes cursos se integravam cada vez menos, mas se surpreendeu com a recepção dos jovens
colegas: "Fui preparado para ficar isolado, mas eles tinham
muita curiosidade sobre mim.
Ainda mantemos contato".
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