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São Paulo, domingo, 04 de maio de 2003

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PROGRAMA NUCLEAR

Reinício consta de resolução de setembro de 2002, acertada entre o governo FHC e interlocutores petistas

Acordo prevê retomada de obras de Angra 3

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ao defender o programa nuclear e a retomada da construção da usina de Angra 3, no Rio de Janeiro, o ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral (PSB), pode estar desagradando a parcelas ligadas ao mundo acadêmico e ambiental, mas ele não está falando sozinho. Ao contrário, tem apoio da cúpula do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Conforme a Folha apurou, o reinício de Angra 3 foi acertado discretamente, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, entre a então equipe do Ministério de Ciência e Tecnologia e os seus interlocutores no PT. O resultado foi uma resolução jogando a decisão para maio de 2003 -ou seja, para o novo governo.
Essa resolução, que é do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), foi aprovada em setembro de 2002, às vésperas do primeiro turno da eleição presidencial, quando o petista Luiz Inácio Lula da Silva já era considerado virtualmente eleito.
Com base nela, a Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras para essa área, deverá apresentar ao CNPE agora em maio um relatório para a continuação de Angra 3. Deverá relatar, por exemplo: 1) eventuais negociações com bancos e agências de crédito para o financiamento do restante da obra; 2) medidas para os licenciamentos ambiental e nuclear do empreendimento; 3) propostas de depósito definitivo para o chamado "lixo atômico".

Pendências
Após analisar o relatório apresentado no final do ano passado para avaliar a viabilidade ambiental de Angra 3, o CNPE concluiu que havia pendências, como o tratamento do lixo nuclear.
Faltava estabelecer local e modo adequados para tratar os rejeitos, um dos pré-requisitos para o licenciamento da usina no Conselho Nacional de Meio Ambiente.
Depois da manifestação deste mês da Eletronuclear, o passo seguinte será da própria Eletrobras, a quem cabe formalizar uma proposta de financiamento da construção da usina, incluindo a amortização do serviço da dívida nos primeiros anos de operação.
O Brasil já investiu cerca de US$ 750 milhões no projeto de Angra 3, que vem se arrastando desde a década de 60, nos governos militares, e deveria estar pronta em 1988. A maioria dos equipamentos já foi paga e está no país, o que representa um gasto anual de cerca de US$ 20 milhões somente para manutenção.
Para concluí-la, seriam necessários pelo menos mais US$ 1,8 bilhão para um cronograma de obras de cinco anos.
"Eu defendo Angra 3. Não só pela importância da usina como geradora, mas pelo efeito multiplicador do programa nuclear. Não é só uma pesquisa física. Para ter projeto nuclear, você desenvolve engenharia, biologia, química e toda uma gama de ciências que tem efeito multiplicador na sociedade", disse Amaral.
A retomada da usina também tem apoio do governo do Rio, onde fica o município de Angra dos Reis. O ex-governador do Rio Anthony Garotinho, que é do PSB como Amaral e casado com a atual governadora, Rosinha Matheus, defende Angra 3 desde a campanha presidencial de 2002.

Saneamento
O presidente da Eletrobras, físico Luiz Pinguelli Rosa, porém, entra com um argumento pragmático. Ele diz que "a proposta [de Angra 3" continua viva", mas faz uma ressalva poderosa: "Angra pode entrar no cronograma de obras, sim, mas antes é preciso sanear a Eletronuclear, que opera no vermelho".
Um dos motivos: a energia nuclear é mais barata do que o gás natural produzido pelas termelétricas. O que cria uma situação curiosa: o Brasil precisa investir em energia nuclear, que é mais barata, mas justamente por isso a Eletronuclear está no vermelho e não tem condições de atrair financiamentos para estimular a produção de energia nuclear. Um choque entre presente e futuro.
Logo depois da posse no ministério, Roberto Amaral se envolveu numa polêmica sobre o desenvolvimento de tecnologia para a fabricação da bomba atômica, mas diz que o que ele defendeu e defende é a energia nuclear para fins pacíficos, não para a bomba.
Diz que defende o uso dessa tecnologia, por exemplo, para a aplicação em projetos de saúde.
O Orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia prevê R$ 16,745 milhões para aplicações nucleares na área médica, dos quais 4,29% foram liberados até março pelo governo federal.
Além disso, o desenvolvimento tecnológico na área nuclear tem R$ 12,593 milhões previstos no Orçamento da pasta, além de outros R$ 15,762 milhões para segurança nuclear.
Segundo Amaral, o Brasil é o único país que se posicionou contra a política de proliferação nuclear por dispositivo constitucional. Além disso, permite a fiscalização pela Agência Internacional de Instalações Militares.
"Somos contra a proliferação nuclear, signatários do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares", afirmou o ministro, ao comentar sobre a declaração da bomba atômica.



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