São Paulo, domingo, 04 de junho de 2000


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RUMO A 2002
Ministros disputaram cargos no Cade e tentam apoio parlamentar
Sucessão de FHC acirra rivalidade Serra-Malan

KENNEDY ALENCAR
DA REPORTAGEM LOCAL

José Serra (Saúde) e Pedro Malan (Fazenda) voltaram a duelar. Os dois ministros divergem sobre economia desde o começo do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, mas a sucessão presidencial de 2002 acirrou a disputa entre eles.
Aos 58 anos, Serra está travando a batalha mais importante de sua carreira política: viabilizar sua candidatura a sucessor de FHC. Quando dava como certo que os adversários tucanos, os governadores Mário Covas (SP) e Tasso Jereissati (CE), estavam fora do páreo, estreitava laços com o PMDB e aproximava-se do PFL, apareceu uma pedra no meio do caminho: Malan, 57.
A "ameaça" Malan desencadeou uma ação deliberada de Serra para minar o poder do ministro da Fazenda no governo. Malan, para surpresa do colega da Saúde, deu o troco na mesma moeda.
Um dos rounds aconteceu em torno de cargos no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Serra queria prorrogar por mais um ano o mandato de Gesner de Oliveira, ex-presidente do Cade, e o do conselheiro Marcelo Calliari por meio de uma MP (medida provisória).
Um dos ministros que mais atuaram nos bastidores a favor da AmBev (fusão da Brahma com a Antarctica julgada pelo Cade), Serra gostou da condução do caso feita por Gesner.
Malan desejava emplacar Paulo de Tarso Ribeiro (Secretaria de Direito Econômico) no lugar de Gesner. Não conseguiu o que queria, mas derrubou, com a ajuda de Pedro Parente (Casa Civil), a MP articulada por Serra.
Acabou escolhido para presidente do Cade o advogado João Grandino Rodas, um nome do ministro da Justiça, José Gregori. No entanto, conta um assessor de FHC, a fim de dinamitar o candidato de Malan, Serra ameaçou romper a antiga amizade com Gregori e Aloysio Nunes Ferreira (Secretaria Geral), que não teriam ficado ao seu lado.
Outra batalha é pela simpatia de parlamentares. Malan aumentou o espaço na agenda para falar com governistas e até oposicionistas -recebeu, por exemplo, o líder Aloizio Mercadante na quinta. Está preocupado com a pecha de tecnocrata teleguiado do FMI (Fundo Monetário Internacional), mortal para um candidato.
Serra, que enfrenta enorme resistência no PFL, reuniu-se há duas semanas com o líder pefelista Inocêncio Oliveira (PE). Acenou com eventual apoio tucano para a presidência da Câmara, um sonho de Inocêncio.
Ao mesmo tempo, Andrea Matarazzo, o secretário de Comunicação de Governo e fiel escudeiro de Serra junto ao empresariado, conversou com Inocêncio. Falou da intenção do governo de investir na propaganda em mídias regionais. O pefelista é dono de uma TV e de uma rádio em Pernambuco. Antigo desafeto de Serra, Inocêncio já não acha hoje tão inviável levar o PFL a apoiá-lo.
Avaliando que estava sendo fritado, Malan foi a FHC pedir que ele desse um basta nas frequentes especulações sobre sua candidatura presidencial. Achou que Serra alimentava a versão de que o ministro da Fazenda tentava se viabilizar entre os políticos e dera guinada no discurso. Nasceu aí "o Malan social". Assessores do ministro foram obrigados a levantar pronunciamentos antigos e mostrar aos jornalistas que Malan, desde 95, menciona o combate à pobreza. O detalhe, entretanto, é que a ênfase agora é maior.
FHC, porém, saiu rapidamente em socorro de Malan. Deu uma declaração atribuindo a candidatura Malan a uma invencionice do jornalismo brasiliense.
O presidente deve ter se esquecido que o presidenciável Malan surgiu, por inspiração do Planalto, como forma de o governo vender que confia no cenário de crescimento econômico, principalmente em 2002 (ano da eleição).
Nesse cenário, o nome de Malan faria sentido como um continuador da obra do atual campo governista (PSDB, PMDB e PFL). O adiamento da desvalorização cambial, já dada como certa por membros do governo durante as eleições de 98, mostrou que, se quiser, o governo tem margem de manobra para "melhorar" a economia. Se os indicadores ajudarem, mais fácil ainda.
Malan sempre negou e nega a candidatura, mas, reservadamente, assessores não afastam essa hipótese. Dizem que, em termos de intenção de voto, os tucanos não estão em melhor situação.
Na última pesquisa Datafolha de sucessão presidencial, Covas teve 5%. Serra e Tasso, 3%. Como a margem de erro foi de dois pontos para mais ou menos, até Covas pode estar, no limite, empatado com Malan (2%). Estatisticamente, ficam todos bem atrás dos 28% de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e dos 18% de Ciro Gomes (PPS).
Ou seja, argumentam os defensores de Malan, intenção de voto não é parâmetro hoje para definir um candidato governista. Lembram que os pefelistas também não empolgam -ACM teve 6%, e a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, 7%. Afirmam que o importante é trabalhar uma candidatura (leia-se apoio político, empresarial e de mídia).
No Ministério da Fazenda, ouve-se o seguinte raciocínio: se Covas disputar, tende a fazer um discurso quase anti-FHC; Tasso ou Serra seguiriam mais levemente o mesmo caminho, defendendo uma correção de rumos.
A candidatura Malan não. Essa teria de defender o governo. Mais: em caso de vitória, significaria uma conquista de FHC. O próprio presidente fez essa análise a interlocutores. Uma vitória de Malan seria claramente uma vitória sua.
Daí nasceu a frase atribuída a FHC: "Serra é o candidato da mente. Malan, o candidato do coração". O primeiro seria o companheiro partidário a quem o presidente passaria o bastão. O segundo, o nome preferido para continuar sua obra.
Na avaliação de ministros e tucanos ouvidos pela Folha, Serra tem pressa em inviabilizar a candidatura Malan. Acha que Malan é o ministro que mais consegue se impor a FHC, recorrendo até a ameaça de pedido de demissão. Procura ainda estimular a ojeriza do PSDB a Malan e alimentar resistências no PMDB e no PFL (ACM, por exemplo).
ACM, aliás, era o grande inimigo de Serra e chegou a fazer corte política a Malan, mas hoje o senador pefelista também se distanciou do ministro da Fazenda.
Do lado de Malan, Serra é visto como um hábil vendedor de versões para imprensa. Se não respondesse ao fogo de bastidor de Serra, o ministro da Fazenda pensa que fecharia a porta para uma eventual candidatura.
No Congresso, a rivalidade também se dá pela aprovação de uma emenda para vincular recursos do Orçamento para a Saúde. A "emenda Serra" seria um boa bandeira social. Malan é contra a vinculação de recursos. Serra também era, mas mudou de posição na pasta da Saúde.
Para evitar uma guerra pública, o Planalto pediu a parlamentares o cancelamento de um debate no Congresso entre Serra e Malan a respeito da emenda. Mais arredio a dar respostas a Serra, Malan demonstrou vontade de atacar.
Depois que perderam a chance de ver Malan e Serra se trucidando no Congresso, os parlamentares se divertiram com a descoberta do site www.serra2002.com.br. Rapidamente, espalhou-se a versão de que, por inveja do www.malan2002.com.br, Serra teria registrado seu domínio na rede mundial de computadores. Um advogado amigo de Malan registrou o site para o ministro.
No caso de Serra, porém, foi alarme falso. Um economista de Franca registrou o www.serra2002.com.br e até um www.tasso2002.com.br. Telefonou para um assessor e disse que alguém da Bahia oferecera R$ 5.000 pelo domínio. A assessoria entendeu que o economista queria vender o site para Serra e se recusou a comprá-lo, alegando que o ministro não tem interesse nem acredita em campanha via Internet.


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