|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BRASIL PROFUNDO
Serra Pelada, que atraiu levas de garimpeiros no início dos anos 80, hoje é uma vila com só 6.500 habitantes
"Formigueiro" dá lugar a cidade fantasma
DA ENVIADA ESPECIAL A SERRA PELADA
Não há mais nada em Serra Pelada que lembre as imagens que
correram o mundo no início dos
anos 80, quando um formigueiro
humano recortou e carregou uma
montanha nas costas, à procura
de ouro. O passado aflora apenas
nos depoimentos dos moradores,
que insistem em permanecer no
vilarejo de barracos de tábuas e
ruas de poeira vermelha.
Serra Pelada lembra uma vila
fantasma dos filmes de faroeste. O
principal ponto de referência é
uma árvore gigantesca, sob a qual
os moradores se reúnem para
conversar ao final do dia, batizada, por decreto municipal do prefeito de Curionópolis, Sebastião
Curió, como Pau da Mentira.
Ex-deputado federal, Curió comanda o município -que se
emancipou de Marabá em 1988,
quando o garimpo já estava em
declínio- com mão-de-ferro e
pragmatismo. Na ante-sala de seu
gabinete há um cartaz que resume
seu modo de pensar: "Se porventura um saco de cimento vier lhe
dar conselho, não se surpreenda,
pois é sempre bom acreditar naquilo que um dia será concreto".
A 41 quilômetros do escritório
do prefeito, o garimpo virou um
lago com o diâmetro do Estádio
do Maracanã, com 30 metros de
lâmina de água e 70 metros de lama no fundo.
A presença de Sebastião Curió,
coronel reformado do Exército,
ex-agente do SNI (Serviço Nacional de Informações) e um dos
chefes da repressão militar à guerrilha do Araguaia, está por toda a
parte. Na cooperativa dos garimpeiros, há uma estátua dele com
uniforme camuflado do Exército.
Segundo informações da cooperativa e do sindicato dos garimpeiros de Serra Pelada, há 6.500
moradores na vila, vivendo de
aposentadorias, de empregos na
Prefeitura de Curionópolis e do
plantio em fazendas vizinhas, mas
a pobreza é evidente.
O garimpo manual está morto,
mas alguns poucos ainda se arriscam à procura de ouro. A maioria
permanece na área na esperança
de obter alguma compensação financeira do governo federal. Há
poucos interessados em explorar
o que restou do garimpo.
Dinheiro e casa
Leonardo Benício Ferreira, 55,
analfabeto, diz que está esperando receber os R$ 45 mil em dinheiro (mais a casa de R$ 16 mil)
prometidos pela cooperativa no
acordo com a empresa norte-americana Phoenix Gems para
voltar a Uruçuí, no Piauí, onde vivem seus parentes.
Ele conta que chegou a Serra Pelada em 1986 e que trabalhou até
1990 para outros garimpeiros, como diarista, com salário fixo
mensal. A partir daí, passou a arriscar a sorte, garimpando os rejeitos por conta própria.
"Tiro um "faguio" ou outro, mas
tem mês que não tiro nada. Joguei
minha vida fora. Vivo separado
dos filhos, mas não me arrependo. A gente vive como farinha no
saco fechado. Fui ficando para
não perder os direitos."
Chegada tardia
Alguns apostaram na sorte em
Serra Pelada quando o garimpo já
estava em decadência. É o caso do
gaúcho Nelson Spegirion, 59, que
largou a lavoura de soja, milho e
trigo nas mãos de um sobrinho
em Passo Fundo (RS). De espírito
aventureiro, ele chegou a Serra
Pelada em 1995.
"Ouro tem sempre, é só chegar
nele. O problema é que também
sempre tem percalços", diz o gaúcho, que deixou a mulher para
trás, no Rio Grande do Sul.
Em 1996, Spegirion saiu de Serra Pelada e foi procurar ouro em
Tucumã, dentro da reserva dos
índios caiapós. Firmou um contrato de risco com os índios, comprometendo-se a dar a eles 10%
do que encontrasse.
Como não encontrou muita
coisa, migrou para o Rio Madeira,
em Rondônia, onde passou a trabalhar com dragas: "Rodei mais
do que notícia ruim".
Spegirion voltou para Serra Pelada em 98 e aqui permanece até
hoje. Ele diz que investiu R$ 1 milhão no garimpo nestes seis anos,
quando teria extraído apenas 300
gramas de ouro.
"Estou parado há quase seis meses, esperando ser indenizado.
Disseram que o cacho da banana
está maduro, mas que poucos
macacos irão comer", afirmou,
referindo-se aos garimpeiros que
poderão desfrutar do acordo entre a cooperativa e o grupo norte-americano.
No buraco
Há casos de pessoas que estão
desde o começo do garimpo, como o de Eugênio dos Santos, 65,
conhecido como "barbudão do
buraco da viúva". Ele chegou a
Serra Pelada em 1980, meses antes
de Curió ser nomeado interventor
do garimpo, e continua vivendo
com suas galinhas em um barraco
de dois cômodos. O apelido vem
da função que ocupa, como encarregado de descer o pessoal que
procura ouro em escavações de
cem metros de profundidade.
A exploração garimpeira do ouro em Serra Pelada criou uma estrutura hierárquica, que persiste
até hoje. O regime militar dividiu
a área em 8.200 barrancos, que foram distribuídos entre os garimpeiros por sorteio.
Raimundo Benigno, presidente
atual do Sindicato dos Garimpeiros, disse que deu um caminhão
em pagamento de 1% de um barranco no início dos anos 80. Proprietário de uma granja de frangos em São Paulo, ele é um dos
poucos que declaram ter preservado um patrimônio.
Texto Anterior: Brasil profundo: Serra Pelada chegou a produzir 14 toneladas de ouro em um só ano Próximo Texto: Frases Índice
|