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"Não é possível que se banalize pedido de mesadas e achaques a empresas"
DA REDAÇÃO
O professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro (Iuperj) Jairo Nicolau enxerga uma novidade triste no sistema político brasileiro, caso as
denúncias de corrupção no governo confirmem-se verdadeiras:
a substituição do "modelo" fisiológico e clientelista pela institucionalização da corrupção de fato
nas relações interpartidárias.
Folha - Como o senhor avalia a
reação do governo Lula à crise?
Jairo Nicolau - Num primeiro
momento, o presidente ignorou a
crise, depois mandou algumas
mensagens em discursos, como é
característica dele, e apresentou
um pacote de medidas anticorrupção requentadas.
Talvez, se o governo estivesse
mais organizado, ele teria condições de reagir com mais eficiência, de maneira mais coordenada.
Porém, o que vemos são medidas
atabalhoadas, como o principal
operador político do governo, José Dirceu, sair do Planalto da maneira que saiu. A cúpula do partido está praticamente zonza. Cada
um parece seguir seu rumo: o presidente afasta José Dirceu, mas o
partido não afasta seus dirigentes.
A bancada tenta afastar o senador
Suplicy e depois desiste. Falta um
um operador político, um elo que
conecte o governo, o partido e a
bancada. Mas quem vai assumir
essa função nesta altura?
Folha - A imagem do presidente
está desassociada à crise? Isto é, a
"blindagem" tem sido efetiva?
Nicolau - A blindagem é generalizada, por parte do governo, da
oposição, do Roberto Jefferson e
até da imprensa. A impressão é a
de que há um vale-tudo: desgastar
o governo, o PT, os aliados, mas
não o presidente. Essa crise pode
ir fundo e até impedir que Lula se
candidate em 206, mas impeachment, não. Quanto ao PT, parece-me que está mais preocupado em
blindar seus próprios dirigentes
partidários porque, nas denúncias do Roberto Jefferson, foi acusada a trinca de comando de qualquer partido: o presidente, o secretário-geral e o tesoureiro.
Entendo que há três frentes de
blindagem: o presidente e seus assessores, isto é, o governo em si; a
base parlamentar, que tenta preservar Lula na CPI; e o PT, que hoje é uma frente para preservar
quatro dirigentes históricos. A
operação do PT parece ser endógena, não do PT como um todo,
mas desses quatro dirigentes, da
cúpula, que está olhando mais para dentro do que para fora.
Folha - Essa reforma ministerial
seria uma solução para a chamada
"crise de governabilidade"?
Nicolau - Essa obsessão pelo
PMDB não me parece fundamentada. Duvido que o governo consiga mais do que 50 votos freqüentes do PMDB. O partido não
virá inteiro, como já havia acontecido com o Fernando Henrique.
Folha - Como compor, então, uma
maioria sólida nesse contexto?
Nicolau - Não há problema em
montar um governo técnico, de
petistas, com uma base de partidos de esquerda menores. Não há
nenhuma emenda constitucional
na ordem do dia, ou seja, o governo poderá operar basicamente
com maioria simples nas votações. Então, pode-se negociar as
votações caso a caso, como o governo fez com os grandes temas
nos dois primeiros anos.
Folha - Em que as denúncias prejudicam a imagem do PT?
Nicolau - O PT é um patrimônio
da democracia brasileira, construiu uma história singular, com
pilares doutrinários claros, e introduziu um fato sociológico novo: trouxe os pobres para a política. Personagens como Benedita
da Silva, a ministra Marina Silva e
o próprio Lula são exemplos disso. O partido construiu essa reputação com duas bases: as "mãos
limpas" e o compromisso com a
questão social. Ninguém duvida
que o PT tem um compromisso
com os setores menos desenvolvidos da sociedade brasileira.
Essa crise, porém, abalou o pilar
da ética. Isso é ruim porque ainda
que as denúncias sejam falsas, que
tudo não passe de uma grande
mentira, há aquela sensação de
"até o PT está fazendo isso?".
Folha - Mas o senhor entende que
as pessoas acreditavam que poderia haver, com o PT, um governo totalmente livre de corrupção?
Nicolau - Se isso [as denúncias]
for verdade, a novidade não será a
corrupção, mas esse sistema de
operação que está sendo descrito.
Por exemplo, os acertos que são
feitos para apoiar o governo em
troca de cargos para apadrinhados, de oferecer legenda para candidaturas e emendas ao Orçamento não violam o Código Penal, não é corrupção. É clientelismo, fisiologismo, mas não corrupção. O novo arranjo, baseado
em pagamento em dinheiro, se
verdadeiro, é gravíssimo. Seria
um sistema operando para além
da política partidária tradicional.
Claro que isso não é novo como
ação isolada, mas sim como sistema em operação. Operar partidariamente dessa maneira, com
achaques a empresas, pedido de
mesadas e troca de partidos movidas por luvas financeiras? Não é
possível que alguém banalize isso.
Mas posso estar sendo ingênuo.
Folha - Ingênuo?
Nicolau - Sim, veja o exemplo do
depoimento do Roberto Jefferson
na CPI. Ele afirma, diante de 65
parlamentares, que todos ali tinham contas eleitorais adulteradas e ninguém se levantou e contra-argumentou. É muito esquisito nenhum deputado ter se indignado com isso. Se boa parte do
que está sendo dito for provado, a
minha interpretação do sistema
política era, sim, ingênua.
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