São Paulo, segunda-feira, 04 de julho de 2005

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"Não é possível que se banalize pedido de mesadas e achaques a empresas"

DA REDAÇÃO

O professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) Jairo Nicolau enxerga uma novidade triste no sistema político brasileiro, caso as denúncias de corrupção no governo confirmem-se verdadeiras: a substituição do "modelo" fisiológico e clientelista pela institucionalização da corrupção de fato nas relações interpartidárias.
 

Folha - Como o senhor avalia a reação do governo Lula à crise?
Jairo Nicolau -
Num primeiro momento, o presidente ignorou a crise, depois mandou algumas mensagens em discursos, como é característica dele, e apresentou um pacote de medidas anticorrupção requentadas.
Talvez, se o governo estivesse mais organizado, ele teria condições de reagir com mais eficiência, de maneira mais coordenada. Porém, o que vemos são medidas atabalhoadas, como o principal operador político do governo, José Dirceu, sair do Planalto da maneira que saiu. A cúpula do partido está praticamente zonza. Cada um parece seguir seu rumo: o presidente afasta José Dirceu, mas o partido não afasta seus dirigentes. A bancada tenta afastar o senador Suplicy e depois desiste. Falta um um operador político, um elo que conecte o governo, o partido e a bancada. Mas quem vai assumir essa função nesta altura?

Folha - A imagem do presidente está desassociada à crise? Isto é, a "blindagem" tem sido efetiva?
Nicolau -
A blindagem é generalizada, por parte do governo, da oposição, do Roberto Jefferson e até da imprensa. A impressão é a de que há um vale-tudo: desgastar o governo, o PT, os aliados, mas não o presidente. Essa crise pode ir fundo e até impedir que Lula se candidate em 206, mas impeachment, não. Quanto ao PT, parece-me que está mais preocupado em blindar seus próprios dirigentes partidários porque, nas denúncias do Roberto Jefferson, foi acusada a trinca de comando de qualquer partido: o presidente, o secretário-geral e o tesoureiro.
Entendo que há três frentes de blindagem: o presidente e seus assessores, isto é, o governo em si; a base parlamentar, que tenta preservar Lula na CPI; e o PT, que hoje é uma frente para preservar quatro dirigentes históricos. A operação do PT parece ser endógena, não do PT como um todo, mas desses quatro dirigentes, da cúpula, que está olhando mais para dentro do que para fora.

Folha - Essa reforma ministerial seria uma solução para a chamada "crise de governabilidade"?
Nicolau -
Essa obsessão pelo PMDB não me parece fundamentada. Duvido que o governo consiga mais do que 50 votos freqüentes do PMDB. O partido não virá inteiro, como já havia acontecido com o Fernando Henrique.

Folha - Como compor, então, uma maioria sólida nesse contexto?
Nicolau -
Não há problema em montar um governo técnico, de petistas, com uma base de partidos de esquerda menores. Não há nenhuma emenda constitucional na ordem do dia, ou seja, o governo poderá operar basicamente com maioria simples nas votações. Então, pode-se negociar as votações caso a caso, como o governo fez com os grandes temas nos dois primeiros anos.

Folha - Em que as denúncias prejudicam a imagem do PT?
Nicolau -
O PT é um patrimônio da democracia brasileira, construiu uma história singular, com pilares doutrinários claros, e introduziu um fato sociológico novo: trouxe os pobres para a política. Personagens como Benedita da Silva, a ministra Marina Silva e o próprio Lula são exemplos disso. O partido construiu essa reputação com duas bases: as "mãos limpas" e o compromisso com a questão social. Ninguém duvida que o PT tem um compromisso com os setores menos desenvolvidos da sociedade brasileira.
Essa crise, porém, abalou o pilar da ética. Isso é ruim porque ainda que as denúncias sejam falsas, que tudo não passe de uma grande mentira, há aquela sensação de "até o PT está fazendo isso?".

Folha - Mas o senhor entende que as pessoas acreditavam que poderia haver, com o PT, um governo totalmente livre de corrupção?
Nicolau -
Se isso [as denúncias] for verdade, a novidade não será a corrupção, mas esse sistema de operação que está sendo descrito. Por exemplo, os acertos que são feitos para apoiar o governo em troca de cargos para apadrinhados, de oferecer legenda para candidaturas e emendas ao Orçamento não violam o Código Penal, não é corrupção. É clientelismo, fisiologismo, mas não corrupção. O novo arranjo, baseado em pagamento em dinheiro, se verdadeiro, é gravíssimo. Seria um sistema operando para além da política partidária tradicional.
Claro que isso não é novo como ação isolada, mas sim como sistema em operação. Operar partidariamente dessa maneira, com achaques a empresas, pedido de mesadas e troca de partidos movidas por luvas financeiras? Não é possível que alguém banalize isso. Mas posso estar sendo ingênuo.

Folha - Ingênuo?
Nicolau -
Sim, veja o exemplo do depoimento do Roberto Jefferson na CPI. Ele afirma, diante de 65 parlamentares, que todos ali tinham contas eleitorais adulteradas e ninguém se levantou e contra-argumentou. É muito esquisito nenhum deputado ter se indignado com isso. Se boa parte do que está sendo dito for provado, a minha interpretação do sistema política era, sim, ingênua.


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