São Paulo, segunda-feira, 04 de julho de 2005

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"Complô das elites é estapafúrdio, é mistura de bobagem com paranóia"

DA REDAÇÃO

A tese de que há um complô das elites para derrubar o presidente Lula inicialmente levantada por membros do PT, que parecia esquecida e foi reavivada na última quinta-feira pelo tesoureiro do partido, Delúbio Soares, é estapafúrdia, na visão do cientista político Bolívar Lamounier. Para ele, as elites não estão insatisfeitas com Lula e esse argumento é comum em partidos de esquerda que, segundo diz, "cultivam teorias conspiratórias". A crise, afirma, é resultado de desavenças na base de sustentação do governo.
 

Folha - Como o senhor avalia a reação do governo Lula à crise?
Bolívar Lamounier -
Vejo dois momentos. No primeiro a reação foi de perplexidade, uma reação tensa. Começaram a procurar improvisadamente uma explicação abraçando a tese do complô das elites, que avalio como estapafúrdia. Junto com essa tese, o presidente fez aquele discurso em Goiânia, de que ele é o mais ético do país. O que se armava era uma certa tolice porque o presidente estava sendo infeliz na declaração dele, e o PT encampava essa tese pitoresca. É uma mistura de bobagem com paranóia.

Folha - Por que o senhor considera essa tese uma bobagem?
Lamounier -
Por vários motivos entre os quais enumero três. Primeiro, até as pedras aqui da minha rua sabem que o problema surgiu na base de sustentação do presidente, com uma briga do PTB com o PP e o PL em torno, provavelmente, de dinheiro. Segundo, não sei qual é a definição de elite de quem inventou essa tese, mas, na minha definição, a elite não está nada insatisfeita com o governo Lula.
Terceiro, comparando-se com outros momentos históricos do Brasil, é difícil encontrar um exemplo em que os partidos de oposição tenham se comportado com a moderação como agora.

Folha - No seu entendimento, o que motivaria essa retórica?
Lamounier -
Primeiro, porque o governo foi pego de surpresa, sem que houvesse uma interpretação da conjuntura ou, numa hipótese mais grave, porque as acusações tenham alguma procedência. Segundo, é que partidos e intelectuais de esquerda freqüentemente cultivam teorias conspiratórias. Não é novidade. É a primeira tábua de salvação a que se agarram.

Folha - E quanto ao segundo momento sobre a reação à crise, ao qual o senhor se referiu?
Lamounier -
No segundo momento, entrou um programa mais refletido do presidente, que se convenceu de que precisaria separar a sua figura do PT e da direção do PT e oferecer uma resposta mais propositiva. A questão avançou e ele então se viu diante da necessidade de tentar reforçar sua base parlamentar atraindo o PMDB. Isso é compreensível, mas não me parece que vá resolver a questão se os indícios continuarem a se acumular. A questão extravasou a esfera parlamentar.

Folha - Parece haver um esforço generalizado para "blindar" a imagem do presidente Lula. Como o senhor interpreta isso?
Lamounier -
A figura do Lula está descolada do PT faz tempo. Ele é mais respeitado que o PT. É fácil constatar isso nos resultados eleitorais. Ele ganhou a Presidência, mas o PT não elegeu ninguém. O Lula ganhou facilmente a eleição, mas elegeu 92 deputados, menos de 20% da Câmara. Nos governos estaduais ganhou apenas em três Estados. Ou seja, não há proporção alguma entre o desempenho do partido e o do presidente.

Folha - O senhor entende que PT não seria o que é sem Lula?
Lamounier -
Certamente. Se Lula tivesse saído do PT há 15 anos, o PT seriam quatro ou cinco partidos de esquerda pequenos. O PT é uma espécie de arquipélago de grupos cujo ponto de convergência é Lula. Ele precisou do PT para fazer sua carreira política, e o partido precisou dele para crescer.

Folha - O que a as denúncias poderiam acarretar à imagem do PT?
Lamounier -
É preciso ponderar que, por enquanto, temos apenas indícios de corrupção. Mas isso se chocou frontalmente com a imagem do PT como sendo o partido mais ético. O partido sempre disse como partido aquilo que o presidente disse como pessoa física: "Eu sou o mais ético do Brasil". Aí é aquela história: quanto mais alto o coqueiro maior o tombo.
Uma conseqüência disso que já vemos é que o PT perde espaço no governo.

Folha - O discurso do tesoureiro do PT, na sexta-feira, não seria uma tentativa de preservar a imagem do partido, de que a crise se deve aos "setores conservadores"?
Lamounier -
Não sei o que o Delúbio [Soares] entende por "setores conservadores". Uma certa mania de onipotência o PT certamente tem. Por mais que tenha edulcorado essa imagem e adquirido tons de Duda Mendonça, um certo discurso de prepotência, de quem detém toda a verdade, o PT sempre teve. Isso alimentou um sentimento de prepotência.
Essa visão muito possivelmente influenciou no aparelhismo, e, apenas como hipótese, no hegemonismo em termos de ministérios e cargos, o que agravou o problema da fragmentação e dos acirramentos partidários.

Folha - Essa suposta prepotência também não é historicamente creditada ao PSDB?
Lamounier -
O PSDB tem uma auto-avaliação de que tem mais quadros técnicos, mais consistência intelectual. Mas não vai além disso. Não vejo nenhum absolutismo ético no PSDB.


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