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"Complô das elites é estapafúrdio, é mistura de bobagem com paranóia"
DA REDAÇÃO
A tese de que há um complô das
elites para derrubar o presidente
Lula inicialmente levantada por
membros do PT, que parecia esquecida e foi reavivada na última
quinta-feira pelo tesoureiro do
partido, Delúbio Soares, é estapafúrdia, na visão do cientista político Bolívar Lamounier. Para ele, as
elites não estão insatisfeitas com
Lula e esse argumento é comum
em partidos de esquerda que, segundo diz, "cultivam teorias
conspiratórias". A crise, afirma, é
resultado de desavenças na base
de sustentação do governo.
Folha - Como o senhor avalia a
reação do governo Lula à crise?
Bolívar Lamounier - Vejo dois
momentos. No primeiro a reação
foi de perplexidade, uma reação
tensa. Começaram a procurar improvisadamente uma explicação
abraçando a tese do complô das
elites, que avalio como estapafúrdia. Junto com essa tese, o presidente fez aquele discurso em
Goiânia, de que ele é o mais ético
do país. O que se armava era uma
certa tolice porque o presidente
estava sendo infeliz na declaração
dele, e o PT encampava essa tese
pitoresca. É uma mistura de bobagem com paranóia.
Folha - Por que o senhor considera essa tese uma bobagem?
Lamounier - Por vários motivos
entre os quais enumero três. Primeiro, até as pedras aqui da minha rua sabem que o problema
surgiu na base de sustentação do
presidente, com uma briga do
PTB com o PP e o PL em torno,
provavelmente, de dinheiro. Segundo, não sei qual é a definição
de elite de quem inventou essa tese, mas, na minha definição, a elite não está nada insatisfeita com o
governo Lula.
Terceiro, comparando-se com
outros momentos históricos do
Brasil, é difícil encontrar um
exemplo em que os partidos de
oposição tenham se comportado
com a moderação como agora.
Folha - No seu entendimento, o
que motivaria essa retórica?
Lamounier - Primeiro, porque o
governo foi pego de surpresa, sem
que houvesse uma interpretação
da conjuntura ou, numa hipótese
mais grave, porque as acusações
tenham alguma procedência. Segundo, é que partidos e intelectuais de esquerda freqüentemente
cultivam teorias conspiratórias.
Não é novidade. É a primeira tábua de salvação a que se agarram.
Folha - E quanto ao segundo momento sobre a reação à crise, ao
qual o senhor se referiu?
Lamounier - No segundo momento, entrou um programa
mais refletido do presidente, que
se convenceu de que precisaria separar a sua figura do PT e da direção do PT e oferecer uma resposta
mais propositiva. A questão avançou e ele então se viu diante da necessidade de tentar reforçar sua
base parlamentar atraindo o
PMDB. Isso é compreensível, mas
não me parece que vá resolver a
questão se os indícios continuarem a se acumular. A questão extravasou a esfera parlamentar.
Folha - Parece haver um esforço
generalizado para "blindar" a imagem do presidente Lula. Como o senhor interpreta isso?
Lamounier - A figura do Lula está descolada do PT faz tempo. Ele
é mais respeitado que o PT. É fácil
constatar isso nos resultados eleitorais. Ele ganhou a Presidência,
mas o PT não elegeu ninguém. O
Lula ganhou facilmente a eleição,
mas elegeu 92 deputados, menos
de 20% da Câmara. Nos governos
estaduais ganhou apenas em três
Estados. Ou seja, não há proporção alguma entre o desempenho
do partido e o do presidente.
Folha - O senhor entende que PT
não seria o que é sem Lula?
Lamounier - Certamente. Se Lula
tivesse saído do PT há 15 anos, o
PT seriam quatro ou cinco partidos de esquerda pequenos. O PT é
uma espécie de arquipélago de
grupos cujo ponto de convergência é Lula. Ele precisou do PT para
fazer sua carreira política, e o partido precisou dele para crescer.
Folha - O que a as denúncias poderiam acarretar à imagem do PT?
Lamounier - É preciso ponderar
que, por enquanto, temos apenas
indícios de corrupção. Mas isso se
chocou frontalmente com a imagem do PT como sendo o partido
mais ético. O partido sempre disse como partido aquilo que o presidente disse como pessoa física:
"Eu sou o mais ético do Brasil". Aí
é aquela história: quanto mais alto
o coqueiro maior o tombo.
Uma conseqüência disso que já
vemos é que o PT perde espaço no
governo.
Folha - O discurso do tesoureiro
do PT, na sexta-feira, não seria
uma tentativa de preservar a imagem do partido, de que a crise se
deve aos "setores conservadores"?
Lamounier - Não sei o que o Delúbio [Soares] entende por "setores conservadores". Uma certa
mania de onipotência o PT certamente tem. Por mais que tenha
edulcorado essa imagem e adquirido tons de Duda Mendonça, um
certo discurso de prepotência, de
quem detém toda a verdade, o PT
sempre teve. Isso alimentou um
sentimento de prepotência.
Essa visão muito possivelmente
influenciou no aparelhismo, e,
apenas como hipótese, no hegemonismo em termos de ministérios e cargos, o que agravou o problema da fragmentação e dos
acirramentos partidários.
Folha - Essa suposta prepotência
também não é historicamente creditada ao PSDB?
Lamounier - O PSDB tem uma
auto-avaliação de que tem mais
quadros técnicos, mais consistência intelectual. Mas não vai além
disso. Não vejo nenhum absolutismo ético no PSDB.
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