São Paulo, segunda-feira, 04 de setembro de 2000


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ELEIÇÕES 2000

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Pesquisa mostra que, entre 1987 e 1996, políticos e médicos pagaram 77% das laqueaduras em mulheres na região; uso do método cresce em anos eleitorais, e bancada médica, também

Esterilização é moeda eleitoral no NE

DULCE BENIGNA ALVARENGA
DA REDAÇÃO

Políticos e médicos pagaram 77% das laqueaduras das mulheres nordestinas entre 1987 e 1996. A região, que abriga um terço das brasileiras em idade reprodutiva que foram esterilizadas, apresenta um padrão diferente do padrão do resto do país, no qual as próprias pacientes foram as responsáveis pelo pagamento de seus procedimentos de esterilização.
Médicos custearam 49% das esterilizações ocorridas em Pernambuco. Na Bahia, políticos pagaram 26%.
As esterilizações não relacionadas ao parto aumentaram significativamente nos anos eleitorais do final da década de 80 e na de 90, o que não ocorreu com os procedimentos realizados durante cesarianas.
Os dados evidenciam um fenômeno de anos eleitorais no Brasil -a troca de votos por esterilização- e fazem parte da tese de doutorado do demógrafo André Junqueira Caetano, defendida na Universidade do Texas.
O aumento na demanda por contracepção, oferta de poucas opções de métodos anticoncepcionais, a pobreza, a legislação eleitoral e a organização do sistema público de saúde são as razões apontadas pelo demógrafo para a existência dessa prática.

Cesariana
Os resultados do trabalho mostram que no Brasil a maior parte das esterilizações é realizada durante a cesariana e é paga pela própria paciente.
No Nordeste, entretanto, esse perfil é bastante diferente. Caracteriza-se pela existência de um elevado número de esterilizações não relacionadas ao parto. Mais importante ainda é o fato que médicos e políticos são os principais provedores dessas intervenções, tirando vantagens da rede de hospitais filiados ao sistema público de saúde.
Médicos provêem esterilização gratuita em troca de votos ou por "indicação social" -para fazer caridade.
As esterilizações não relacionadas ao parto -ocorridas em períodos posteriores ao nascimento da criança- seriam as mais fáceis de ser manipuladas para fins eleitorais.
Entre 1977 e 1996, a proporção de mulheres que não pagaram por sua esterilização no Nordeste foi o quádruplo da porcentagem de mulheres das outras regiões brasileiras.
Coincidência ou não, 77% dessas esterilizações foram arranjadas por políticos (19%) ou médicos (58%). Na região Sul, em São Paulo e no Rio de Janeiro essa proporção não atinge 36%.

Bancada
A bancada médica no Congresso vem crescendo, mas o aumento na região Nordeste é mais significativo, segundo levantamento da Folha sobre o número de médicos que se tornaram deputados federais nas últimas legislaturas.
A proporção de deputados federais médicos mais que dobrou na região Nordeste entre 1987 e 1995, passando de 7,9% para 17,9%.
Número considerável, dado que no mesmo período essa proporção aumentou de 9,5% para 12,8% na região Sudeste e até diminuiu de 9,1% para 2,6% na região Sul.
Embora seja provável que as laqueaduras realizadas durante a cesariana também tenham uso político, o processo de análise é mais complicado porque elas não podem ser vinculadas à ocorrência ou não de eleições.
Essas laqueaduras realizadas durante o parto são menos comuns no Nordeste -39% contra 66% no restante do país.
Além de menos prevalecentes, elas diminuem num ritmo mais forte que nas demais regiões -cerca de 13 pontos percentuais, enquanto para o país a redução foi de apenas três entre 1977 e 1996.
Segundo o demógrafo André Caetano, esses resultados não são mera coincidência, mas o resultado da combinação de vários fatores históricos e institucionais.
A fecundidade no Brasil começou a cair na metade da década de 60, com a difusão do controle de natalidade.
No Nordeste, a queda mais acentuada só ocorreu na década de 80, quando as mulheres passaram de uma média de seis filhos para três filhos por mulher, alcançando a média nacional.

Esterilização
Um fator importante para a queda tão rápida da fecundidade na região foi a expansão da esterilização feminina, sobretudo entre as mulheres de baixa renda.
Para essas mulheres, com pouco ou nenhum conhecimento sobre contracepção e dificuldade de acesso a outros métodos anticoncepcionais, a laqueadura representava a opção mais eficaz e barata de planejamento familiar.
Ao mesmo tempo, o governo, além de não regular os procedimentos de esterilização, começou a descentralizar o sistema de saúde, dando maior poder aos Estados e municípios para decidir sobre os gastos na área.
"Esse cenário foi terreno fértil para o crescimento da prática clientelista de troca de votos por esterilização. Os médicos e políticos assumiram uma posição privilegiada na construção de uma estrutura de oferecimento de favores ao fornecer cuidados médicos gratuitos em troca de votos," diz Caetano
Para o pesquisador, nem mesmo a regulamentação dos procedimentos de esterilização ocorrida em 1997, após a realização de uma CPI sobre o assunto no Congresso Nacional em 1992, conseguiu pôr fim a essa prática.
A lei 9.263 prevê a possibilidade de mulheres e homens com mais de 25 anos ou pelo menos dois filhos vivos recorrerem a hospitais para solicitar, espontaneamente, a esterilização.
Entretanto somente os hospitais credenciados pelos Estados podem ser reembolsados por esses procedimentos pelo sistema público de saúde. Existe também uma restrição quanto ao período para fazer a esterilização.
"O tempo gasto na concretização dos serviços propostos pela lei deixa de fora uma parcela significativa da população. A própria legislação faz com que o esquema (clientelista), pelo menos no Nordeste, siga intocado", conclui o pesquisador.


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