|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ELIO GASPARI
O debate dos espertos
que viraram bobos
Campanha presidencial
na mão de marqueteiro dá
nisso. O debate da TV Record foi
uma emboscada de baixo nível
contra José Serra, que se deixou
emboscar sem melhorar a qualidade do espetáculo. De tão espertos, os candidatos viraram
bocós. Treinaram com tamanha
dedicação cenas capazes de fazer
a patuléia de boba que quatro
adultos, todos na disputa do cargo de presidente da República
num país com 170 milhões de habitantes, acabaram parecendo
um grupo de comadres ora carinhosas, ora irritadiças.
Saudades de Mário Covas e
Franco Montoro, capazes de
adormecer um baterista, mas
obcecados pela divulgação de
seus projetos. Saudades também
de FFHH, cujo senso do ridículo
sempre o afastou de situações como a de segunda-feira. Em oito
anos de reinado, pode ter sido irritante com suas evasivas ("nhenhenhém", "neobobos", "bufos e
arreganhos"), mas seus truques
nunca contribuíram para baixar
a qualidade da discussão.
O bate-boca não era inevitável.
Contava o senador Daniel Krieger que, numa sessão da Câmara, um deputado aparteou grosseiramente o elegante Antônio
Carlos de Andrada. Ele respondeu:
"Ouço de lá um insulto. Como
não contribui para o bom andamento dos debates, prossigo".
Muito leve? Então lá vai uma
pesada. Krieger também lembrava que um deputado negou
um aparte ao gaúcho Flores da
Cunha e deu sua razão: "Porque
o senhor joga e anda com mulheres". Ouviu o seguinte:
"Jogo porque gosto de jogar e
ando com mulheres porque não
sou p... como Vossa Excelência".
No debate da Record houve
malcriação demais para o estilo
de Andrada e violência de menos para o modo de Flores da
Cunha. Houve acima de tudo
desconsideração política para
com a audiência. Esse foi o caso
de todas as perguntas, de todos
os candidatos, destinadas a levantar a bola para que o destinatário (seu aliado tácito) viesse
a brilhar. A encenação foi produzida pelo predomínio da marquetagem sobre o cérebro dos
candidatos. Os publicitários, interessados na rapidez, na ginga e
na malandragem de seus clientes, inventaram um futebol sem
bola. Nele, fazem-se jogadas tão
incríveis quanto inúteis. Tanto
foi assim que nesse jogo se destacou Anthony Garotinho, o menos marquetado. Um pouco pela
comicidade, mas também porque detonou o teatrinho que Lula lhe ofereceu com uma pergunta floral.
Ciro, Lula e Garotinho emboscaram Serra. O candidato do governo, por seu lado, tinha todos
os motivos para suspeitar que seria emboscado. Serra não pode
querer ser candidato do tucanato quando isso lhe traz benefícios, tornando-se independente
na hora em que chega a conta.
Os oito anos de FFHH produziram ruína, e essa ruína é uma
bola de ferro amarrada ao seu
pé. Torce-se para que, caso seja
eleito, produza 8 milhões de empregos, mas não se pode esquecer
que o programa Avança Brasil,
lançado às vésperas da campanha eleitoral de 1998, prometeu
8,5 milhões.
Tanto o debate da Record como o da Bandeirantes, no início
de agosto, tinham regras corretas, mas elas só poderiam ter
funcionado se os candidatos estivessem a fim de debater. Debate
é tudo que a marquetagem não
quer. Lula queria apenas sair ileso e, se possível, chumbar Serra.
Prova disso é que ao final do espetáculo da Bandeirantes queixou-se da falta de discussão em
torno da segurança pública. Pois
na segunda-feira teve oportunidade de trazer a questão à bancada e passou batido. Paradoxo:
Lula atira em Serra porque prefere tê-lo como aliado do que como adversário no segundo turno. No mais puro jogo jogado,
Ciro e Serra queriam se chumbar. Poderiam tê-lo feito como
Andrada, ou como Flores. Fizeram uma mixórdia. Garotinho
parecia ter ido ao evento para se
divertir.
O próximo debate será o da
Rede Globo. Seria um serviço à
higiene da campanha se os candidatos discutissem publicamente as regras que deverão regê-lo.
Eles se comprometeram a respeitar o acordo que o governo assinou com o FMI. Podem se comprometer a respeitar a agenda
do eleitor. Assim, se acabar em
bate-boca, emboscada ou jogo de
comadres, os eleitores poderão
identificar os responsáveis.
Texto Anterior: Militares: Apesar da crise, Exército adquire sistema "futurista" Próximo Texto: ELEIÇÕES 2002 Após ataques a Ciro, tucanos elegem Lula como novo alvo Índice
|