São Paulo, quarta-feira, 04 de setembro de 2002

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ELIO GASPARI

O debate dos espertos que viraram bobos

Campanha presidencial na mão de marqueteiro dá nisso. O debate da TV Record foi uma emboscada de baixo nível contra José Serra, que se deixou emboscar sem melhorar a qualidade do espetáculo. De tão espertos, os candidatos viraram bocós. Treinaram com tamanha dedicação cenas capazes de fazer a patuléia de boba que quatro adultos, todos na disputa do cargo de presidente da República num país com 170 milhões de habitantes, acabaram parecendo um grupo de comadres ora carinhosas, ora irritadiças.
Saudades de Mário Covas e Franco Montoro, capazes de adormecer um baterista, mas obcecados pela divulgação de seus projetos. Saudades também de FFHH, cujo senso do ridículo sempre o afastou de situações como a de segunda-feira. Em oito anos de reinado, pode ter sido irritante com suas evasivas ("nhenhenhém", "neobobos", "bufos e arreganhos"), mas seus truques nunca contribuíram para baixar a qualidade da discussão.
O bate-boca não era inevitável. Contava o senador Daniel Krieger que, numa sessão da Câmara, um deputado aparteou grosseiramente o elegante Antônio Carlos de Andrada. Ele respondeu:
"Ouço de lá um insulto. Como não contribui para o bom andamento dos debates, prossigo".
Muito leve? Então lá vai uma pesada. Krieger também lembrava que um deputado negou um aparte ao gaúcho Flores da Cunha e deu sua razão: "Porque o senhor joga e anda com mulheres". Ouviu o seguinte:
"Jogo porque gosto de jogar e ando com mulheres porque não sou p... como Vossa Excelência".
No debate da Record houve malcriação demais para o estilo de Andrada e violência de menos para o modo de Flores da Cunha. Houve acima de tudo desconsideração política para com a audiência. Esse foi o caso de todas as perguntas, de todos os candidatos, destinadas a levantar a bola para que o destinatário (seu aliado tácito) viesse a brilhar. A encenação foi produzida pelo predomínio da marquetagem sobre o cérebro dos candidatos. Os publicitários, interessados na rapidez, na ginga e na malandragem de seus clientes, inventaram um futebol sem bola. Nele, fazem-se jogadas tão incríveis quanto inúteis. Tanto foi assim que nesse jogo se destacou Anthony Garotinho, o menos marquetado. Um pouco pela comicidade, mas também porque detonou o teatrinho que Lula lhe ofereceu com uma pergunta floral.
Ciro, Lula e Garotinho emboscaram Serra. O candidato do governo, por seu lado, tinha todos os motivos para suspeitar que seria emboscado. Serra não pode querer ser candidato do tucanato quando isso lhe traz benefícios, tornando-se independente na hora em que chega a conta. Os oito anos de FFHH produziram ruína, e essa ruína é uma bola de ferro amarrada ao seu pé. Torce-se para que, caso seja eleito, produza 8 milhões de empregos, mas não se pode esquecer que o programa Avança Brasil, lançado às vésperas da campanha eleitoral de 1998, prometeu 8,5 milhões.
Tanto o debate da Record como o da Bandeirantes, no início de agosto, tinham regras corretas, mas elas só poderiam ter funcionado se os candidatos estivessem a fim de debater. Debate é tudo que a marquetagem não quer. Lula queria apenas sair ileso e, se possível, chumbar Serra. Prova disso é que ao final do espetáculo da Bandeirantes queixou-se da falta de discussão em torno da segurança pública. Pois na segunda-feira teve oportunidade de trazer a questão à bancada e passou batido. Paradoxo: Lula atira em Serra porque prefere tê-lo como aliado do que como adversário no segundo turno. No mais puro jogo jogado, Ciro e Serra queriam se chumbar. Poderiam tê-lo feito como Andrada, ou como Flores. Fizeram uma mixórdia. Garotinho parecia ter ido ao evento para se divertir.
O próximo debate será o da Rede Globo. Seria um serviço à higiene da campanha se os candidatos discutissem publicamente as regras que deverão regê-lo. Eles se comprometeram a respeitar o acordo que o governo assinou com o FMI. Podem se comprometer a respeitar a agenda do eleitor. Assim, se acabar em bate-boca, emboscada ou jogo de comadres, os eleitores poderão identificar os responsáveis.


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