São Paulo, Sábado, 04 de Setembro de 1999
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GOVERNO DIVIDIDO
Após polêmica, presidente havia enviado recado a Clóvis Carvalho para que ele deixasse ministério
Ministro pede demissão do cargo a FHC

Lula Marques/Folha Imagem
O ministro Clóvis Carvalho chega ao Palácio da Alvorada às 23h10 para encontro com FHC


VALDO CRUZ
Diretor-executivo da Sucursal de Brasília

MARTA SALOMON
da Sucursal de Brasília

O ministro Clóvis Carvalho (Desenvolvimento) pediu demissão hoje durante reunião de um pouco mais de uma hora com o presidente Fernando Henrique Cardoso no Palácio da Alvorada em Brasília.
FHC, que havia enviado recado ao ministro para que deixasse o cargo, aceitou o pedido de demissão, segundo a Folha apurou. As críticas que Clóvis dirigiu à política econômica e ao ministro Pedro Malan, das quais tentou recuar ontem, tornaram insustentável a sua permanência no cargo.
Clóvis Carvalho chegou às 23h25 ao Alvorada, de onde saiu à 0h50 sem falar com os jornalistas. Ele estava no Desenvolvimento havia 47 dias. Foi ministro do Gabinete Civil nos quatro anos do primeiro mandato de FHC e era tido como um dos ministros da chamada "cota pessoal" do presidente.

Malan
Durante o dia, segundo a Folha apurou, o ministro Pedro Malan (Fazenda) deixou claro que estava insatisfeito com a reação de FHC às críticas que Clóvis lhe fizera na véspera.
O ministro do Desenvolvimento passaria o fim-de-semana em São Paulo, com a família. Mudou de idéia no meio da tarde, retornando de Fortaleza direto a Brasília, onde chegou às 18h30.
Malan esperava que FHC tomasse partido de suas idéias de forma mais firme. No entanto, ontem nem sequer foi concedida a tradicional entrevista diária do porta-voz da Presidência, Georges Lamazière. A assessoria do ministro da Fazenda negou que ele estivesse demissionário.
Malan se sentiu atingido pelo discurso de Clóvis, particularmente nos trechos em que seu colega de ministério falou em ""ousadia", ""conformismo com resultados medíocres" e que o excesso de cautela ""será o outro nome para covardia".
Assessores de FHC, reservadamente, afirmaram que o presidente não gostou dos termos usados por Clóvis. Eles avaliaram que o ministro comprometeu o impacto positivo da divulgação do Plano Plurianual, que prevê taxas de crescimento entre 4% e 5% nos próximos quatro anos.
E mais: o discurso teria reaberto a antiga disputa interna do governo em torno dos rumos da política econômica -alvo de pressões da oposição e até de aliados políticos do governo.

Sem repreensão
Inicialmente, Clóvis não foi repreendido pelo presidente, segundo relato de sua assessoria. Os dois conversaram várias vezes depois do polêmico discurso.
FHC, por intermédio do porta-voz, tampouco desautorizou o discurso do ministro do Desenvolvimento. Oficialmente, o presidente qualificou anteontem de ""retóricas" as "diferenças de ênfase" entre Clóvis e Malan.
""O presidente não precisa repetir que o ministro Pedro Malan conta com seu apoio integral", disse o porta-voz.
FHC decidiu convocar uma reunião para a próxima quarta-feira para discutir as metas do Plano Plurianual e unificar o discurso dos ministros.

Resposta
Malan esperava mais do Planalto na defesa da posição que assumira no seminário tucano.
O endereço eletrônico do Ministério da Fazenda apresentou ontem, discretamente, a resposta de Malan para a polêmica da véspera. O texto, encaminhado ao PSDB depois do choque de discursos, resume ""suas idéias e as diretrizes que vem adotando para levar o país ao desenvolvimento econômico e social".
No texto, Malan assume a posição do verdadeiro ""desenvolvimentista", que, segundo ele, defende o aumento da competição e é comprometido com a responsabilidade fiscal.
Malan lista dados sobre a melhora do padrão de vida dos brasileiros, que Clóvis, no discurso de anteontem, apontara como insuficiente para ""enfrentar a iniquidade" social. ""Na verdade, o mundo é por demais complexo para permitir essa simplória e maniqueísta divisão entre pessimistas de um lado e otimistas do outro", diz o texto.

Ministro que atrapalha
FHC disse que "tem ministro que atrapalha", na sua primeira manifestação sobre as críticas feitas ao modelo econômico defendido por Pedro Malan (Fazenda) pelo titular do Desenvolvimento, Clóvis Carvalho.
As declarações do presidente foram feitas durante entrevista para o programa "Conexão Roberto D'Ávila", do jornalista Roberto D'Ávila, que irá ao ar amanhã, às 23h30, na TVE e na TV Cultura de São Paulo.
O repórter interrompeu uma fala de FHC sobre os fatos da semana com a frase "às vezes os ministros atrapalham". O presidente concordou:
"Toda comunidade é assim, e tem ministro que atrapalha". Na sequência, FHC disse: "Agora mesmo, a questão relativa a uma discussão entre o Malan e o Clóvis (Carvalho)... eu acho que está errado. Os ministros têm que aprender, certas horas, a pensar que quem tem que dar diretrizes é o presidente da República".
Logo depois, FHC procurou amenizar suas críticas dizendo que os ministros não fazem por mal quando falam o que não deveriam. "As consequências são muito maiores que as intenções, e eu não posso ficar a toda hora julgando os ministros em função do que os outros pensam que eles queriam fazer", afirmou.
FHC disse que não pode ser criado "um clima de crime e castigo porque não é assim, as coisas são mais complicadas e ao mesmo tempo mais simples".


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