São Paulo, sexta-feira, 04 de outubro de 2002

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GOVERNO

Planalto crê em 2º turno, mas está pronto para antecipar transição, diz ministro

Parente sugere mandato mais longo sem reeleição

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Sugestão "pessoal" do ministro Pedro Parente, chefe da Casa Civil e coordenador da transição, para o sucessor de Fernando Henrique Cardoso, seja quem for: instituir um mandato único maior do que os atuais quatro anos, sem a possibilidade de reeleição.
Em entrevista à Folha, ontem, em seu gabinete no Planalto, Parente não descartou a candidatura de FHC a um terceiro mandato: "O futuro a Deus pertence", disse, emblematicamente.
Depois de três dias se informando sobre a transição em Washington, Parente, 49, quase 18 deles no governo federal, disse que o Planalto e ele próprio acreditam na realização do segundo turno, mas estão preparados para "qualquer das alternativas", inclusive a vitória do petista Luiz Inácio Lula da Silva no domingo e o início da transição já na segunda-feira. Seguem os principais trechos da entrevista.

Folha - O sr. já recebeu todo o material dos ministérios para a "Agenda 100", da transição?
Pedro Parente -
Já recebemos o material bruto dos ministérios. Ela [a agenda] tem a ver com os compromissos já existentes de agenda interna e o cronograma dos nossos compromissos internacionais.

Folha - A revisão de novembro do novo acordo com o FMI, por exemplo?
Parente -
Essa não estará na "Agenda 100", que só vale a partir da posse, em janeiro. Mas o presidente eleito e a equipe que ele indicar serão convidados a participar das discussões para a revisão do acordo com o FMI em novembro.

Folha - E as questões que vão realmente definir o primeiro ano do novo governo, como a revisão do FMI, o salário mínimo, as alíquotas da CPMF para 2004?
Parente -
Qualquer assunto cuja repercussão extrapole o atual governo, o presidente está aberto a discutir. Mas é preciso ficar claro que não há responsabilidade compartilhada. A responsabilidade e a decisão são de quem está ocupando o governo. O que a gente pretende é, sempre que possível, aproximar as posições.

Folha - O que seria "aproximar posições" na revisão do FMI?
Parente -
Depende muito de como vão ser os primeiros passos do presidente eleito. Se ele der um sinal claro de acalmar os investidores, os mercados, de esclarecer dúvidas, não tenho dúvida de que a discussão em novembro pode ser meramente de rotina, porque estamos cumprindo resultados.

Folha - O próprio PT já admite a necessidade de um "ajuste fiscal brabo". Isso vai estar na pauta da revisão do FMI?
Parente -
O Orçamento que está no Congresso foi feito para gerar o superávit de 3,75% [do PIB, Produto Interno Bruto". A questão a ser colocada, e é um tema muito mais do novo time do que nosso, é se eles quiserem fazer além do que está no Orçamento. Para manter o mesmo resultado, haverá necessidade de receitas adicionais, certo? Aí se coloca a discussão do salário mínimo, por exemplo. O Orçamento prevê recursos para o mínimo que garantem o superávit de 3,75%. Se o novo presidente quiser fazer algo maior, vai precisar discutir fontes. Ou cortar em outros lugares, daí o "ajuste brabo", ou aumentar receita.

Folha - É só impressão ou sua fala contém uma pitada de prazer diante da perspectiva de ver a oposição de hoje vivendo as dificuldades entre intenções, receitas e despesas?
Parente -
O meu candidato é o [José] Serra e acho que a história ainda não acabou. Mas, admitindo que seja o PT, vai ser benéfico eles terem de lidar com as restrições verdadeiras para tomar decisões. Na oposição, é fácil. Na oposição, ninguém se preocupa com as exceções, só com a promessa, com o lado positivo, com prometer o céu, a felicidade do decreto. Agora, vem sentar aqui para ver se é fácil. Não é prazer mórbido, mas é preciso haver decisões responsáveis, com visão das restrições fiscais, financeiras, políticas. Tudo isso faz com que o país tenha de amadurecer.

Folha - Discute-se muito o papel do presidente da República num quadro assim nervoso, de tantas pressões, de um lado, e restrições, de outro. Qual é esse papel?
Parente -
Quanto maior a experiência, melhor. E é por isso que, olhando o quadro de candidatos, é óbvio que o Serra tem mais experiência, mais conhecimento da máquina. Mas quem vai decidir é o povo brasileiro.

Folha - E no caso do Banco Central?
Parente -
Se o Armínio [Fraga" fosse entendido como o homem do novo presidente, qualquer que seja ele, isso seria extremamente positivo, mas já está claro que, se for o PT, eles vão preferir botar outra pessoa. Então, o importante é que escolham bem essa pessoa.

Folha - O que é escolher bem?
Parente -
É escolher alguém que conheça bem teoria econômica e os mecanismos de mercado e que possa, portanto, trabalhar tanto no nível estratégico e de formulação quanto entender os mecanismos de operação. E que tenha visão do país como um todo, o que inclui as questões sociais. Ver isso pelo ângulo do Banco Central, que é mantendo a inflação sob controle.

Folha - O que o governo sugere ao sucessor quanto à redução da alíquota da CPMF para 0,08% em 2004? E a compensação de receita?
Parente -
Não havendo um mecanismo de substituição da CPMF, seja pela reforma tributária, seja por um mecanismo desenhado especificamente para isso, não se pode abrir mão da CPMF. Estou falando sobre a importância de manter a alíquota atual [.....].

Folha - Como o sr. imagina um governo PT mantendo a CPMF, dando um salário mínimo condizente com seu discurso histórico, fazendo uma reforma tributária consensual?
Parente -
O cenário que eu vejo é: qualquer presidente eleito, seja o Lula, seja o Serra, vai se deparar com um quadro de restrições que não é desconhecido, porque o tempo todo nós fizemos referência a ele. Mas ver de fora é diferente de ter que trabalhar esse quadro de dentro. Haverá dificuldades muito grandes se quiserem fazer todas as mudanças de uma vez, atender todas as demandas de uma só vez. Governar não é só ato de vontade. Se você não tiver base sólida na economia, você não vai ter condições de alcançar seus objetivos na área social.

- A dependência externa é outra das heranças malditas dos dois mandatos FHC?
Parente -
Nós enfrentamos dez crises externas e recebemos nesses oito anos US$ 150 bilhões de investimentos estrangeiros. Achar que este país vai crescer sem contar com poupança externa é restringir nossa capacidade de gerar emprego e renda. Não há como abrir mão disso.

Folha - Se tudo foi assim tão bom quanto o sr. diz, porque os candidatos de oposição estão tão bem e o candidato do governo parece empacado nas pesquisas?
Parente -
O que posso dizer, e disse inclusive na minha visita a Washington, é que o país melhorou muito em todas as áreas nesses oito anos, na indústria, na agricultura, na tecnologia, na saúde, na educação.

Folha - E a miséria e a violência?
Parente -
Houve uma redução importante de miseráveis e pobres com o Plano Real, depois a velocidade de redução caiu bastante, mas não houve uma volta aos patamares anteriores. E o aumento de renda por programas de transferência direta, como Bolsa-Escola, não são computados como aumento de renda. Quanto à violência, é um problema de fato. A gente só tem a lamentar.

Folha - Um dos motivos não é justamente a economia, o desemprego?
Parente -
Se você olhar em volta, nos países vizinhos, por exemplo, o quadro de desemprego não é tão grave assim. Não é bom, mas não explica o problema da violência.

Folha - O sr. aconselharia o futuro presidente a manter o instituto da reeleição?
Parente -
Pessoalmente, eu prefiro um mandato mais longo, sem reeleição. Mas isso é opinião pessoal.

Folha - O sr. diz isso porque o FHC seria candidato a um terceiro mandato depois do futuro governo?
Parente -
Ele nunca me disse isso, mas...

Folha - Mas...
Parente -
Mas o futuro a Deus pertence.


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