|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Defender interesses não é crime, afirma Toffoli
O mais novo ministro do STF acha legítimo expressar posições de seus eleitores
Ex-advogado-geral não diz se vai se considerar impedido de julgar casos do mensalão e de Battisti, mas critica a tese do 3º mandato
Sérgio Lima/Folha Imagem
|
|
José Toffoli em sua casa em Brasília
VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
VERA MAGALHÃES
DO PAINEL, EM BRASÍLIA
Mais novo ministro do STF
(Supremo Tribunal Federal)
indicado pelo presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, José Antonio Dias Toffoli, 41, afirma que
o Brasil precisa acabar com a
ideia de que "defender interesses é crime".
Em entrevista à Folha, ele
diz considerar "legítimo" um
congressista representar o setor que o elegeu e sustenta que
"pensar diferente é hipocrisia".
Contestado inicialmente por
sua ligação com Lula e com o
PT, Toffoli, que já foi filiado ao
partido e teve seu nome aprovado pelo Senado para o STF
na última quarta por 58 votos a
favor, 9 contra e 3 abstenções,
diz que sua atuação no governo
passa a "não existir mais".
Segundo ele, no processo de
formação de um voto no STF, o
"documento fundamental é a
Constituição", mas devem ser
levados em conta "a realidade
social e o momento histórico".
Repetindo inúmeras vezes
que não comentaria "casos
concretos" que possa vir a julgar, o novo ministro diz que
adotará como conduta só "falar
nos autos", mas evita julgar o
comportamento de seus futuros colegas nesse quesito.
Advogado especializado na
área eleitoral, ele defende o voto obrigatório como valorização da política e da cidadania e
diz que um terceiro mandato
para presidente é "questionável" e pode levar "à perpetuação no poder".
Leia a seguir a entrevista
concedida pelo novo ministro
do Supremo à Folha em sua casa, na última sexta-feira.
FOLHA - O plenário do Supremo é
palco constante de disputas em torno de decisões do Executivo. O sr.
fez parte dele antes de se tornar ministro do Supremo. Como enfrentar
esse dilema?
JOSÉ ANTONIO DIAS TOFFOLI - A minha vida, no momento que tomar posse no Supremo Tribunal Federal, passa a ser outra. A
atuação que tive no governo e
todo o meu passado passam a
não existir mais. O que existe é
um juiz, que tem o dever de defender a Constituição e julgar
as causas de acordo com ela. É
evidente que nas causas em que
me manifestei enquanto advogado-geral da União estarei impedido de atuar.
FOLHA - O sr., por exemplo, vai votar ou pretende se considerar impedido de se manifestar sobre a concessão de refúgio a Cesare Battisti?
TOFFOLI - Esse caso eu analisarei quando estiver no Supremo.
Ainda não tomei posse, seria
até um desrespeito à corte antecipar um posicionamento futuro.
FOLHA - O sr. foi subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil na gestão do ministro José Dirceu, que é
réu numa ação penal sob a acusação
de ter chefiado o mensalão. Há suspeição sua para julgar o caso quando o ministro Joaquim Barbosa levá-lo ao plenário?
TOFFOLI - Eu não vou falar sobre caso concreto.
FOLHA - O sr. vai entrar na vaga do
ministro Menezes Direito, que era
substituto no TSE (Tribunal Superior
Eleitoral). O sr. pode substituí-lo nessa função? Haveria suspeição no seu
caso por já ter atuado como advogado eleitoral?
TOFFOLI - Quem escolhe os ministros do Supremo que irão integrar o TSE é o plenário do Supremo Tribunal Federal. Não
tenho a mínima ideia se serei
ou não escolhido. Caso venha a
ser, e é da tradição do Supremo
indicar aquele que não foi para
essa função, é evidente que não
há, no meu entender, nenhum
tipo de impedimento de atuação no TSE. Pelo contrário, a
minha especialização em direito eleitoral só será útil para julgar as causas.
FOLHA - Por falar em independência, como deve ser o processo de
construção de uma decisão de um
ministro do STF? Baseado estritamente no que diz a lei ou é possível
uma interpretação à luz das circunstâncias históricas e do momento?
TOFFOLI - É evidente que a realidade social e o momento histórico se manifestam na visão
do juiz. Se nós formos pegar um
exemplo de fora do Brasil, da
Suprema Corte dos Estados
Unidos, sob a mesma Constituição, se entendeu que era legítima a escravidão e, depois,
que ela não era legítima. A realidade social, a realidade da cultura do momento em que se vive integra a formação da consciência de um julgador.
FOLHA - Na hora de interpretar a
Constituição, esses fatores devem
ser levados em conta?
TOFFOLI - Para usar um exemplo bíblico, Jesus Cristo disse:
"O sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado". O que Jesus quis dizer
com isso? Que a lei existe para o
homem, não é o homem que
existe para a lei. A lei é o parâmetro, mas ela leva em conta,
ao ser aplicada, o homem, o ser,
a vida.
FOLHA - Até pouco tempo se costumava dizer que um ministro do Supremo se pronunciava apenas pelo
voto. Hoje, alguns membros costumam fazer análises públicas de temas que tramitam na Casa. Qual
dos caminhos o sr. pretende seguir?
TOFFOLI - Eu não vou comentar
comportamentos de outros ministros. O que eu posso dizer é
que não estarei comentando
casos concretos que possam vir
a ser julgados. É evidente que,
após uma decisão tomada pela
Suprema Corte, a sociedade debata. É um dever da sociedade
debater.
FOLHA - Mas tem outro tipo de debate, não com relação a casos específicos, mas sim ao papel político do
Supremo. O ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, se manifestou algumas vezes contra os excessos da Polícia Federal, do Ministério
Público, contra o que acha uma interferência de um Poder no outro.
TOFFOLI - O Supremo Tribunal
Federal é um colegiado, composto por pessoas com perfis
diferenciados. O meu perfil,
que eu adotarei, será um de falar nos autos sobre casos concretos.
FOLHA - O sr. disse que a Constituição atual não prevê o terceiro mandato e, por isso, ele é ilegal. Se esse
princípio for incluído na Constituição, ele ajuda ou atrapalha o processo democrático?
TOFFOLI - No meu entendimento, o terceiro mandato consecutivo é, no princípio republicano, algo bastante questionável. Não quero adiantar posição, mas a ideia de um terceiro
mandato pode levar à perpetuação no poder. É algo questionável, discutível do ponto de
vista jurídico.
FOLHA - O sr. é a favor de mudanças no nosso sistema eleitoral, com
adoção do voto distrital misto ou
em lista? Aberta ou fechada?
TOFFOLI - Dos vários sistemas
eleitorais que eu já estudei, para a formação da Câmara dos
Deputados, entendo que o melhor sistema é o alemão, chamado de sistema proporcional
misto.
FOLHA - O sr. é a favor da manutenção do voto obrigatório?
TOFFOLI - Entendo que o voto
obrigatório é legal. Legítimo.
Eu penso que a política é uma
área extremamente nobre, onde se dá os debates da construção da nação, onde se tem de fazer a grande discussão do país.
Então, nesse sentido de valorização da política e da cidadania
como foro onde tem de se dar as
grandes decisões, eu sou a favor
do voto obrigatório.
FOLHA - Analistas defendem que o
atual sistema de financiamento de
campanha transforma o congressista num lobista do setor privado.
Concorda?
TOFFOLI - Nós temos de acabar
com essa história. Respondendo da forma como você perguntou, parlamentar nenhum é lobista: é representante do povo.
Ao representar o povo defende
interesses. Temos de acabar
com essa situação de se achar
no Brasil que defender interesses é crime. Temos de acabar
com a ideia de criminalização
da política. Se alguém é eleito
com base numa região do país,
com base no apoio de um segmento social...
FOLHA - Seja ele empresarial ou
sindical...
TOFFOLI - Sem dúvida, é legítimo que, se alguém foi eleito pelo setor da indústria, defenda os
interesses da indústria. Se foi
eleito pelo setor sindical, trabalhista, de trabalhadores, que
defenda uma legislação protetora dos trabalhadores. Ele foi
eleito para isso. Pensar diferente é hipocrisia. Temos de acabar com essa hipocrisia de que
defender interesses é a ausência de legitimidade. Pelo contrário, é o que legitima a ordem
democrática. É por isso que o
Parlamento é o local de discussão mais nobre da política, porque ali está representada a sociedade.
FOLHA - E o financiamento de campanha?
TOFFOLI - O problema do financiamento de campanha entra
na questão de dar paridade de
armas a todos aqueles que querem ser representantes da sociedade, para que alguns, pelo
fato de ter mais condições econômicas, não passem a ter uma
maioria em relação aos que não
têm acesso a financiamento de
campanha. É para isso que existe a Justiça Eleitoral, que tem
agido no sentido de trazer essa
paridade de armas. E cada vez
mais vejo que está havendo um
rigor maior nesse acompanhamento de financiamento.
FOLHA - E a questão da sua indicação de um advogado para o ex-ministro Silas Rondeau?
TOFFOLI - Não vou comentar esse episódio. Já respondi.
Texto Anterior: Painel Próximo Texto: Frases Índice
|