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ENTREVISTA DA 2ª
Para presidente da Fiesp, há risco de volta da inflação caso o presidente eleito não dê início ao debate
Lula deve iniciar já pacto social, diz Piva
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
O presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo), Horacio Lafer Piva,
45, acha que o presidente eleito
Luiz Inácio Lula da Silva não deve
perder tempo e deve dar imediatamente a partida para o pacto social. "Se o governo não começar a
discussão do pacto, há o risco da
volta da inflação", alerta.
Para Piva, todos os setores da
sociedade terão de sentar na mesa
de negociação dispostos ao sacrifício. "Se alguém pensar em ganhar, o pacto estará liquidado",
diz. Segundo ele, os empresários
deverão contribuir com o adiamento de investimentos e o não-reajuste de preços. Já os trabalhadores, com o não-reajuste dos salários. O governo deverá promover as reformas estruturais.
De acordo com o empresário,
outra vantagem de o governo Lula iniciar logo as discussões do
pacto é de que ele poderá reunir
melhores argumentos para convencer a sociedade de que 2003
não será um ano bom para a economia. "O melhor é ter um ano
ruim para ter três bons".
Folha - O sr. acredita no pacto?
Horacio Lafer Piva -Trata-se de
um processo de interação muito
novo no Brasil. Há muitas restrições. Muitos dizem que pacto é
uma palavra desgastada e que tem
muito mais a ver com a retórica
do que com a prática. Eu não concordo. Há um espaço muito grande para o pacto. Esse espaço foi
construído não só pelo processo
de discussão que aconteceu durante as eleições, onde se puderam identificar com muita clareza
os gargalos que impediam o crescimento da economia brasileira e
os problemas sociais de fato do
país, mas também pela transição
que está sendo muito bem conduzida pelo presidente Fernando
Henrique Cardoso. O pacto exigirá um enorme grau de desprendimento de cada um dos atores. Cada grupo deve assumir as suas
responsabilidades. O pacto só vai
acontecer com sacrifícios. Ninguém poderá entrar no pacto
achando que vai ganhar. Todo
mundo perderá um pouco, para
poder ganhar mais à frente.
Folha - Mas todos estão preparados para perder?
Piva - Pela primeira vez, vive-se
uma situação no Brasil na qual a
ideologia é mais fraca do que o interesse da sociedade. Nós temos
um exemplo muito bom que foi o
Pacto de Moncloa, na Espanha.
Havia impostos trabalhistas enormes, inflação, desequilíbrio enorme na balança de pagamentos,
não havia poupança e nem investimento. Eles focaram o pacto em
duas questões: saneamento fiscal
e reformas. Na questão do saneamento fiscal, eles mexeram com a
estabilidade, com a redução do
gasto público, adotaram o câmbio
flutuante e os salários passaram a
ser reajustados pela inflação futura e não mais pela inflação passada. Na questão das reformas, eles
enfrentaram a reforma da previdência, fizeram uma reforma tributária e flexibilizaram as leis trabalhistas, enfim, com tudo isso
conseguiram bons resultados. A
coisa funcionou. Tiveram muita
lucidez no reconhecimento da dificuldade e as negociações foram
conduzidas com muita transparência. Na hora de todos sentarem à mesa no Brasil, o governo
deveria dar o exemplo e sair rapidamente fazendo o ajuste pela via
das reformas. Não só iria criar
uma percepção positiva, como
também permitiria baixar as taxas de juros e reduzir as pressões
inflacionárias.
Folha - Em que os trabalhadores
poderiam ceder, no pacto?
Piva - Eu tenho a impressão que
nós vamos ter de identificar aquelas categorias de empregados que
tiveram uma perda de renda muito significativa e, nessas, promover um reajuste salarial, mas também teremos de identificar aquelas que poderão esperar um pouco mais para reajustar os salários.
Folha - E os empresários?
Piva - Já em relação aos empresários, teremos que detectar aqueles setores que tiveram pressão de
custo, seja pela via do câmbio, seja
pela via do não-reajuste dos últimos tempos, para permitir o aumento dos preços, mas também
aqueles que poderão esperar um
pouco mais para um novo reajuste dos preços. Se um dos setores
for para a mesa de negociação
achando que irá ganhar, o pacto
estará liquidado. Nós estamos assistindo a uma pressão de negociação das dívidas por parte dos
Estados e municípios. Se o governo ceder nisso agora, estará liquidado. Ele já irá começar o governo com um enorme buraco, e
dando um sinal muito duvidoso
para fora. O Lula terá que ser muito firme em não ceder nesse primeiro ano para poder viabilizar
os próximos três anos.
Folha - O Lula, até agora, tem demonstrado firmeza?
Piva -Isso, sem dúvida nenhuma. Ele está dando essa demonstração. Eu achei muito inteligente,
por exemplo, ele ter escolhido o
programa da fome como prioridade do primeiro ano de governo.
Folha - O sr. acha que os trabalhadores também terão que ceder nas
leis trabalhistas?
Piva - Nessa questão da flexibilização, eu acho que terá de prevalecer a tese do negociado em detrimento à do legislado. Eu até
compreendo que há uma série de
conquistas trabalhistas a serem
mantidas, como o 13º salário e o
fundo de garantia, mas as negociações trabalhistas terão de prevalecer em relação à legislação.
Todo mundo terá de ser muito
transparente, tanto por parte dos
empregados como dos empregadores. É bem capaz, por exemplo,
de os empresários terem de fazer
algum sacrifício de investimento,
o que é uma pena, já que o investimento é a melhor forma de crescer sem pressão inflacionária.
Mas talvez tenhamos de fazer isso
para não termos outros custos
que uma nova fase de investimentos exigiria, a não ser que consigamos recursos de fora ou invistamos com recursos próprios. Eu
acho que, se a percepção do pacto
for positiva, as empresas irão
manter os investimentos com recursos próprios.
Folha - Além do investimento, em
que o empresário poderá abrir
mão?
Piva - É bem capaz de ele ter de
ceder em aumento de preço. E isso é o que mais toca o empresário.
Afinal de contas, afeta a rentabilidade da empresa e a capacidade
de investir.
Folha - Isso não pode gerar mais
desemprego?
Piva - Acho que não. Se você não
investir, o que acontece é que você
não gera mais empregos, o que é
muito ruim para um país que joga
todo ano 1,7 milhão de jovens no
mercado de trabalho, mas isso
não significa gerar desemprego.
Um esforço muito grande que é
preciso ser feito pelo empresário e
pelo governo é o de reduzir o grau
de informalidade do mercado.
Hoje em dia, há um mercado excessivamente informal, uma boa
parte disso certamente por causa
do custo do emprego, já que não
sai a reforma tributária, mas uma
boa parte também se deve ao fato
de muitos segmentos terem se
acostumado a trabalhar com
mão-de-obra informal. Terá de
haver um esforço enorme para
formalizar essa mão-de-obra, até
porque isso significa melhora de
arrecadação para o governo.
Folha - O sr. acha que o governo
já deve dar a partida para as discussões do pacto?
Piva - Eu acho que isso tem de
acontecer relativamente rápido,
até porque é uma forma de ajudar
o novo governo a vender para a
sociedade a idéia de que boa parte
das suas demandas não serão
atendidas no início do governo.
Nos últimos dias, já tivemos passeata do MST (Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra), da Força Sindical, enfim, são
pressões que se já tivéssemos sentado numa mesa de negociação
certamente poderiam não ter
existido. Acho ruim já começar a
acontecer essas pressões num governo que nem começou ainda.
Estamos num momento que, em
primeiro lugar, se deve aproveitar
esse clima positivo para fazer com
que tudo dê certo. Em segundo
lugar, sair desse eterno sentimento de esperança para já começar a
negociar o pacto.
Folha - O governo deve tomar a
iniciativa do pacto?
Piva - O governo Lula deve tomar a iniciativa, até porque ele é
que tem a legitimidade para isso.
Eu não sei como ele vai fazer isso,
mas acho que ele deve começar o
quanto antes.
Folha - Se o Lula não começar a
discutir o pacto, teremos de volta a
inflação?
Piva - O Lula tem de começar
imediatamente o processo de interlocução com todos os atores da
sociedade. No meu entender, ele
tem dois braços claros. Ele tem o
José Dirceu cuidando das estruturação politica de coalizão e o [Antônio] Palocci cuidando da estruturação de conteúdo. Enquanto
não sai o pacto, o Lula, pelo peso
de seu cargo e por suas características, tem de abrir esse espaço de
interlocução. Ele tem de começar
a chamar os empresários, as entidades representativas, os atores
econômicos, os atores sociais, os
trabalhadores e começar a conversar. A partida para o pacto é
uma forma de impedir esses espasmos de inflação, senão isso
pode se tornar uma coisa complicada mais a frente.
Folha - A inflação não pode ser
útil para engordar o Orçamento de
2003 do governo?
Piva - O problema é esse. Como
é que o governo vai resistir à tentação maravilhosa de deixar a inflação crescer? A inflação gera alguma espécie de crescimento, ela
mascara as contas públicas, facilita a vida do governante, e é essa
exatamente a tentação que Lula
precisa resistir, senão ele faz um
primeiro ano bom e três ruins. O
que nós sugerimos é que ele faça
um ano ruim para ter três bons. É
muito complicado resistir ao apelo da inflação. O início do governo
do PT será fundamental. E é por
isso que eu acho que ele deve
aproveitar esses dois meses para
criar todos os canais com empresários, trabalhadores e partidos
políticos para ter uma largada
mais tranquila.
Folha - O empresário Antônio Ermírio de Moraes não acredita no
pacto.
Piva -Eu não tenho a mesma
opinião do Antônio Ermírio. Eu
acho essa uma opinião um pouco
desesperançosa, por um lado, e
um pouco pragmática demais,
por outro. Nesse momento, você
tem de aceitar o fato de o desprendimento ser uma variável importante na equação e que as pessoas
estão maduras o suficiente para
buscarem um entendimento melhor do que tivemos até agora.
Folha - O sr. não acha que a falta
de recursos pode atrapalhar os planos sociais do novo governo?
Piva - É por isso que eu acho que
o programa escolhido de fome zero é uma decisão inteligente. O
governo não poderia mesmo atacar todos os problemas sociais.
Ele não terá recursos para isso. O
Lula terá, no entanto, outra fonte
importante de recursos que será a
do combate à corrupção. Se o Lula
conseguir fechar as torneiras da
corrupção, sobrarão muitos recursos no Brasil.
Folha - Os governos anteriores foram lenientes com a corrupção?
Piva - Não sei se foram lenientes,
mas acho que o próximo governo
terá aprendido com os governos
anteriores. É preciso ver de que
forma se otimiza a estrutura que
está aí hoje montada para fechar
os furos que ainda existem. O governo do PT tem um compromisso muito grande com a ética.
Folha - O sr. tem idéia de quanto o
combate à corrupção poderá gerar
de recursos?
Piva - Ninguém consegue medir
o tamanho da corrupção. Até porque existem várias formas de corrupção. Há a corrupção pública e
a privada. Quero deixar claro que
o Fernando Henrique foi um presidente muito correto.
Folha - O que faltou no governo
FHC no combate à corrupção?
Piva - O Fernando Henrique foi
um presidente importante. Foi ele
que trouxe a estabilidade, que
conseguiu implantar a Lei de Responsabilidade Fiscal, que criou
uma percepção positiva do mundo em relação ao Brasil, que fez as
privatizações, mas faltou operação ao seu governo. A impressão
que eu tenho é que, depois da
morte do Serjão (Sérgio Motta,
ministro das Comunicações morto em 1998), faltou um operador
no governo. E aí as decisões demoraram, o câmbio fixo foi arrastado muito além do que devia, o
custo da reeleição foi alto, a administração palaciana em relação
aos partidos políticos foi complicada. Custou caro. Foi muito bem
feita a administração palaciana, o
governo teve apoio o tempo todo,
mas era uma administração cara.
Isso tudo aconteceu pela falta de
operador.
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