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ELIO GASPARI
Uma experiência: Profeta-presidente
Que Lula não desça do palanque, entende-se. Entende-se até que ele fique lá por quatro anos, visto que sua fala
alegra, agrada e conforta. Faz
mais leves as almas e dá a todos
que o ouvem a sensação de estarem ajudando a reduzir as injustiças sociais brasileiras. O que
não se entende é que suba em
palanque até na Argentina.
Deixando-se de lado a propriedade da discussão dos problemas brasileiros fora das fronteiras nacionais, fica a impressão de que o presidente eleito estava sem assunto ao se encontrar com Eduardo Duhalde na
residência de Olivos. Não tinha
do que falar e saiu-se novamente com o paradoxo nacional, no
qual milhões de pessoas passam
fome numa economia que está
entre as dez maiores do mundo.
Lula tem toda razão, mas, se ele
passar os próximos quatro anos
repetindo esse mote, não encherá um só prato de comida. Ficará no palavrório.
Quem já acompanhou uma
maratona verbal de Lula sabe
que ele borda uma retórica de
blocos. Vale-se deles para esquentar a audiência. Se um bloco não dá resultado, tira outro,
mais quente, e assim vai, até afinar a sua fala com o ouvido do
público. Em palanque de candidato, maravilha. Em pódio de
presidente, vai mal.
Em agosto de 1998, quando
Lula e FFHH estavam empatados nas pesquisas eleitorais, o
presidente argentino Carlos Menem deu-se a exageros, acusando-o de defender uma desvalorização do real que acabaria com
o Mercosul. (Quem desvalorizou
o real e quebrou as pernas do
Mercosul foi os sacrossanto mercado.) Quatro anos depois, vitorioso, Lula foi à Argentina e relembrou o episódio, dando o troco. Pena. Assim como Menem
foi inconveniente metendo-se na
política brasileira, Lula foi impróprio divertindo-se com as tolices do ex-presidente.
A certa altura, Lula foi mais
que impróprio. Foi intrometido,
professoral e messiânico. Veja-se
o o que disse:
"O povo que conseguiu, até a
metade do século passado, fazer
um dos países mais promissores
do mundo, não tem o direito de
perder a esperança, não tem o
direito de desistir. Eu peço a
Deus que ilumine a consciência
dos argentinos para que possam
escolher um homem sobretudo
ético e comprometido com os
anseios de liberdade e soberania
da República da Argentina. (...)
Estou certo de que vocês não desistirão, como nós não desistimos no Brasil".
Substitua-se "no Brasil" da última frase por "nos Estados Unidos". Se George Bush tivesse dito
isso, que juízo mereceria? Quem
é o presidente dos Estados Unidos (ou do Brasil) para dizer ao
povo argentino (ou sueco) o que
ele deve fazer nas eleições presidenciais de abril do ano que
vem?
Em benefício de Lula, há no
seu discurso muito mais um desejo de projetar uma dimensão
moral do que de se intrometer
na vida alheia. Deriva de uma
personalidade vitoriosa que,
mesmo tendo disputado um cargo de natureza executiva, vê em
seu triunfo um clarão de ascendência espiritual. Novamente,
deve-se dizer que isso não faz
mal a ninguém, desde que sua
futura administração execute
corretamente aquilo que o Estado brasileiro precisa que seja
executado.
Fica uma dúvida. Lula estaria
tentando ser, ao mesmo tempo o
pastor Martin Luther King e o
presidente Lyndon Johnson. O
primeiro teve um sonho, mas foi
o segundo quem viu nas multidões do pastor uma força que
exigia a regeneração do sociedade política americana. Foi Johnson quem tocou a quitanda.
Profetas como King, os há, mas
profeta-presidente é uma experiência nova.
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