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São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2003

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JANIO DE FREITAS

Mistérios sobre mistérios

A inquietação causada na cúpula do PT pela retomada do inquérito sobre o assassinato do prefeito Celso Daniel, de Santo André, merece tanto interesse quanto o próprio crime, se considerado o mesmo grau de mistério dos seus verdadeiros motivos.
Na primeira fase da investigação, a agitada angústia da cúpula petista foi explicada como preocupação de impedir que o assunto, desde o início sugerindo práticas comprometedoras em vários sentidos, transbordasse para a disputa eleitoral pela Presidência. "É preciso evitar que isso prejudique Lula", na frase à época atribuída a José Dirceu. Interesses políticos, e não só em relação à campanha presidencial, estavam de fato em cena. Se bem que, desde suas primeiras interferências no caso, a cúpula petista parecesse movida por preocupações que não se limitavam a possíveis efeitos inconvenientes à candidatura Lula.
A campanha eleitoral acabou há mais de um ano. Não para Lula e seus discursos diários, mas para todos os efeitos mais consequentes. A reativação do inquérito provocou, porém, inquietação idêntica à exibida pela cúpula no ano passado. Sem nenhuma tentativa de explicação, mesmo que inconvincente. Na impossibilidade de esconder idas de emissários em busca de inexplicadas conversas com promotores, e coisas assim, a cúpula petista limita-se a admiti-las, até por não poder negá-las, e dar-lhes o tratamento autoritário de quem se supõe acima do dever de explicar seja o que for.
Na ausência de um motivo convincente, por pouco que fosse, para a aflição com a retomada do inquérito, tudo o que o declaratório José Genoino conseguiu apresentar como justificativa petista foi esta pobreza: "Querem matar o prefeito [Celso Daniel] duas vezes. Já mataram lá naquela estrada. Agora querem matar sua imagem".
O que sai desse raciocínio miúdo são duas indicações. Na visão de José Genoino, que fala como presidente do PT, o prosseguimento do inquérito seria comprometedor para a imagem de Celso Daniel, o que ninguém dissera até agora. E, segunda evidência emitida por José Genoino, o PT é contra, o PT não quer que prossiga o inquérito para desvendar os motivos e as circunstâncias do assassinato de Celso Daniel.
Todo crime de morte deve ser investigado, seja por quanto tempo for, até que sobre ele não reste dúvida nenhuma. Com frequência, nem o julgamento com condenação é bastante para dar um caso como encerrado. No caso de Celso Daniel, as circunstâncias do alegado assalto continuam obscurecidas por muitas contradições e incongruências. A autoria atribuída a um menor pende de uma confissão que não resistiu à reconstituição do assassinato, nem à perícia. E suspeitas de variados tipos foram levantadas em torno do crime e não estão ainda dissolvidas.
Diante de um caso assim, normal seria, mais do que o desejo, o empenho total da cúpula do PT, inclusive por seus deveres de governo, para mais e mais investigações até esclarecer tudo, com plena segurança, sobre a morte daquele que seria o coordenador do programa de Lula, não fora a tragédia que o substituiu por Antonio Palocci.
Investigações desse emaranhado caso, porém, inquietam a cúpula do PT.


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