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JANIO DE FREITAS
A outra indigência
Uma regra que sempre vigorou no Brasil, e nos últimos
oito anos foi levada a extremo
inédito fora dos nossos regimes
ditatoriais, é a de que só os detentores de riqueza, empresarial
ou pessoal, têm reconhecido o
direito de defender os seus interesses (ainda que ilegítimos, em
inúmeros casos). Aos assalariados, ao funcionalismo público,
aos aposentados da vida árdua,
aos detentores de sentimentos
nacionais e a tantos e tantos, a
defesa dos seus interesses foi
sempre negada com a intransponível barreira das desqualificações conceituais -perturbadores da ordem,corporativistas,
nacionalistas, agitadores e, nos
últimos anos, retrógrados, neobobos, burros, ainda corporativistas, e outras idiotices de inegável eficácia.
Assim o Brasil se tornou um
país sem debate. E, portanto,
sem idéias, porque o espaço das
idéias em confronto foi entregue, cada vez mais, ao empobrecimento de todas as manifestações da inteligência, da criatividade e da cultura. Tal indigência nada deve hoje, em dramaticidade, à indigência social -e é
ainda muito maior, é total. Não
se restringe à temática da política ou da administração: em 175
milhões de habitantes, não há
em atividade mais do que um
ou dois críticos literários no sentido pleno da denominação. Para não falar da própria produção literária. Não precisaria dizer mais, não fosse o exemplo da
euforia quando surge um filme
brasileiro, UM, que permita sair
do cinema sem o sentimento da
humilhação não devida.
O Brasil está saindo de um período em que as intenções sociais do governo foram apenas
retóricas. Quase todas muito
bem pagas com o dinheiro dos
cofres públicos -arrecadação
feita sobretudo ao bolso trabalhador- posto nas múltiplas
formas de propaganda, e não
nas urgências sociais.
Um projeto de mudança não
pode, porém, prescindir do debate. Em vez de tudo se decidir,
como no governo Fernando
Henrique Cardoso, entre o palácio presidencial e os parlamentares comerciais de votos, em
negação da democracia como
confronto decisório das idéias e
interesses difundidos na sociedade, o novo governo só poderia
começar um projeto de fato inovador, no rumo da democracia,
pelo debate amplo e respeitado.
Em um dos três ou quatro
grandes discursos de posse ministerial, Luiz Dulci, secretário-geral da Presidência, foi ao tema da audiência à sociedade,
como, por outras vias, também
fizeram José Dirceu e Gilberto
Gil, dois outros discursos altos.
Importa agora, então, maior
clareza sobre o que está entendido como debate e como os novos
governantes pensam em introduzi-lo, para enfim dar oportunidade real de voz aos silentes.
Está anunciada a precedência
de duas reformas: a da Previdência e a tributária, ou do sistema de impostos. Ambas têm
implicância social gigantesca.
Pelo que está insinuado pelo ministro da Previdência, Ricardo
Berzoini, e pelo presidente do
PT, José Genoino, pode-se deduzir o propósito, velado embora,
de direitos que não figuram entre as extravagâncias de certas
aposentadorias.
Pelo que está insinuado por
Antonio Palocci, sua visão da
Receita Federal é dar continuidade aos ímpetos da arrecadação produzida por Everardo
Maciel, cuja permanência teria
mesmo desejado. Mas a Receita
é um fortíssimo instrumento para justiça social, tão forte quanto tem sido para a injustiça. Sua
função apenas arrecadadora só
existe nos regimes ou para os governos em que os assalariados
são os mais amputados pelo Imposto de Renda e outros impostos, enquanto a renda, propriamente dita, usufrui dos favorecimentos.
O debate verdadeiro que haja,
ou não, em torno desses projetos
prioritários será decisivo para
definir a natureza do governo
Luiz Inácio Lula da Silva.
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