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Embraer é favorecida pela FAB na disputa de caças
Empresa receberá transferência tecnológica exigida pela Aeronáutica do fabricante que conseguir o contrato de fornecimento
Governo brasileiro modela
a aquisição de 36 aviões de combate, ao custo estimado de US$ 2 bilhões; o negócio deve ser fechado até março
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Para evitar o problema que
emperrou a disputa em 2002, a
FAB (Força Aérea Brasileira)
proibiu que os concorrentes do
programa F-X2, para o fornecimento de 36 aviões de combate,
firmassem acordos de exclusividade com empresas brasileiras. O negócio de estimados
US$ 2 bilhões, se sobreviver à
crise internacional, deve ser fechado até março.
Independentemente do vencedor da disputa, um grupo de
empresas capitaneado pela fabricante de aviões Embraer será o principal favorecido com a
compra, já que irá participar do
programa e receberá a transferência tecnológica exigida pela
FAB no seu pedido de proposta
-do qual a Folha teve acesso a
detalhes.
Boeing (EUA), Saab (Suécia)
e Dassault (França) assinaram
memorandos de entendimento
com cerca de quatro empresas
nacionais que participarão da
adaptação do caça ao Brasil:
Embraer, Aeroeletrônica (que
faz aviônicos), Atech (sistemas
eletrônicos) e Mectron (fabricante de mísseis).
A jogada da FAB, além de fomentar a indústria nacional, visou evitar a situação que, aliada
a outros fatores, derrubou a
mesma concorrência em 2002.
Naquela disputa, a francesa
Dassault estava associada à
Embraer na oferta do Mirage-2000. A FAB rejeitou o avião,
projeto velho e inadequado. A
disputa ficou entre o Sukhoi-35
(Rússia) e o Gripen (Suécia).
O pequeno caça sueco, ainda
que fosse inferior ao russo em
performance, levou a melhor
porque a sua fabricante, a Saab,
ofereceu um amplo pacote comercial. Ganhou, mas não levou: como a integração do novo
aparelho só poderia ser feita na
Embraer e a empresa estava associada a um outro competidor, o negócio emperrou.
A FAB e a Embraer não fazem comentários sobre o F-X2.
Integração é o conjunto de
medidas para fazer um avião
ser adequado à missão que lhe
será dada no país. Ou seja, ele é
adaptado ao sistema de comunicação usado pela FAB, aos
mísseis que irá carregar e por
assim em diante.
Essa integração é o coração
da chamada transferência de
tecnologia feita diretamente
no produto. Um simulador de
todos os sistemas do avião tem
de ser usado para isso. É aí que
os engenheiros trabalham no
software que gerencia a aeronave e, com os chamados códigos-fonte em mão, podem desenvolver parâmetros para diversas missões de combate.
Existe um certo fetiche
quando as autoridades falam
em "exigir a abertura dos códigos-fonte", como se isso fosse
garantir o descobrimento da
pólvora aos nativos. É mais
complexo: sem todo o sistema
para "rodar" o software, de nada adianta ter os códigos. É isso
o que o simulador garante.
Mas aí é que começam algumas diferenças importantes
entre os competidores do
F-X2, já que do ponto de vista
de performance militar o RFP
(sigla inglesa de pedido de proposta) é generoso e estabelece
apenas critérios mínimos, superáveis pelos três aviões.
Há três cenários para a FAB
fazer sua escolha.
O americano F/A-18 Super
Hornet, da Boeing, é um avião
pronto, com mais de 350 unidades voando. Mesmo que os
"códigos-fonte sejam abertos",
como bravateiam os brasileiros, não haverá uma transferência tecnológica da confecção de seus sistemas. Os engenheiros brasileiros que trabalharem, mesmo que um simulador seja montado no Brasil,
aprenderão a operá-lo, mas não
a desenvolvê-lo.
Para compensar isso, a
Boeing pode oferecer outras
transferências. Segundo a Folha apurou, a Embraer pediu
em seu contato com a gigante
americana detalhes sobre como projetar peças de materiais
compostos, como fibra de carbono. Eles são o futuro da aviação, por serem mais leves e duráveis. Fabricá-los não é difícil;
desenhar as peças e repará-las é
o complicado.
O F-18 é considerado por pilotos o melhor da disputa, mas
há o temor de vetos futuros que
possam o deixar inoperante.
Favoritismo
No caso do Rafale, a situação
é diversa. O avião está pronto,
mas a versão F3 oferecida é um
desenvolvimento que está em
curso. Logo, a transferência
tecnológica no trabalho sobre o
software poderia ser mais proveitosa. Além disso, a Dassault
pode oferecer compensações
semelhantes às da Boeing, como na área de fusão de dados
dos diversos sistemas do avião.
Tudo isso pode ser usado em
aviões civis.
De resto, o Rafale continua
sendo o favorito do ponto de
vista político, embora seja considerado um avião caro e tenha
um problema de escala industrial -só a França o opera.
Esse favoritismo político, dada a inclinação do Ministério
da Defesa a fechar acordos com
Paris, sofreu um golpe. Na "parceria estratégica" assinada entre Brasil e França, os caças ficaram de fora. Isso porque a
FAB já tocava o processo, mas o
fato acendeu uma luz amarela
na Dassault, que teme ter perdido pontos já que o Brasil gastará bilhões com submarinos e
helicópteros franceses.
Por fim, há o Gripen NG, a
nova geração do caça que quase
ganhou o F-X original que foi
melhorado e é, até por ser menor e monomotor, mais barato.
Como é um avião que ainda não
existe, todo o desenvolvimento
pode ser feito em conjunto com
a Embraer e outras empresas
brasileiras. Paradoxalmente, o
problema é esse: sendo um projeto, não está provado e é sujeito a atrasos.
Seja qual for o cenário, os ganhos tecnológicos diretos ou
indiretos ficarão com a Embraer e, em menor escala, com
as outras fornecedoras. O máximo de custo que terão será o
de treinar pessoal no exterior.
E o que a FAB ganha? O caça,
que é o que lhe interessa, e uma
indústria de suporte que possa
lhe garantir a manutenção dos
aviões que pretende comprar e
usar nos próximos 30 anos.
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