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CAMINHO DAS ÁGUAS
Intenção esbarra, porém, em ações contrárias à transposição do rio São Francisco que ainda correm no Supremo
Governo ignora críticas e não muda projeto
ANA PAULA BONI
DA REDAÇÃO
Apoiado no discurso de que o
projeto de transposição das águas
do São Francisco já foi exaustivamente discutido e está pronto para ser implantado, o governo Luiz
Inácio Lula da Silva ignora críticas
e quer tirar logo a obra do papel.
A intenção esbarra, no entanto,
no STF (Supremo Tribunal Federal), que ainda não se posicionou
sobre ações contrárias ao projeto
que correm no tribunal e sobre os
efeitos de liminares. Uma delas é a
que foi concedida em outubro
passado pela Justiça Federal da
Bahia, que impede o Ibama de
conceder a outorga de implantação da obra -o sinal de "largada"
que o governo tanto espera.
Para aumentar a expectativa da
União, não há previsão para o julgamento das ações na pauta do
STF, que voltou de recesso na última quarta-feira. Os processos que
vão decidir se o projeto -que
custará aos cofres públicos R$ 4,5
bilhões a fundo perdido- sairá
do papel estão sob a análise do
ministro Sepúlveda Pertence.
Mas o governo tem pressa. Em
ano eleitoral, nenhuma obra pode
ser inaugurada com a presença de
candidatos ao Executivo três meses antes das eleições, segundo a
lei 9.504, artigo 77. Se Lula disputar a reeleição e o projeto -previsto para ter início em novembro
passado- for iniciado em julho,
o presidente não poderá comparecer ao local onde estará sendo
construído o empreendimento
mais audacioso de seu governo.
Além disso, nos três meses que
antecedem as eleições, a União fica proibida de autorizar publicidade institucional de obras, "salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral". A
transposição -então grande
trunfo eleitoreiro- não poderia
ser usada com esse intuito.
Críticas
Para delimitar a espera pelo início das obras apenas às ações que
correm no STF, o Ministério da
Integração Nacional, responsável
pelo projeto, afirma que ele está
"maduro" e não responde a críticas da sociedade civil.
Mesmo após a greve de fome de
dez dias do bispo Luiz Flávio Cappio, em outubro passado, que encerrou o jejum com a promessa
de o governo ouvir suas propostas
de mudança para a integração das
bacias do rio, o ministério não
modificou uma linha do projeto.
Lula, que recebeu o bispo em
dezembro, chegou a dizer que o
encontro deu "início à participação da sociedade na discussão".
Após isso, o debate decantou.
O secretário-executivo do ministério e coordenador-geral do
projeto, Pedro Brito, afirma que
"não foi feita nenhuma alteração
porque não foi apresentada [pelo
bispo] nenhuma idéia de modificação". Brito defende que o projeto apenas sofreria mudanças se
fosse apresentada alguma "contestação técnica" ao ministério.
"Qualquer alteração que a gente
receba hoje tem de ser objetiva,
tem de ser cientificamente comprovada, senão vira discurso de
candidato. (...) Qualquer modificação que nos seja apresentada
com uma defesa consistente, o governo está disposto a refazer o
projeto, se for o caso", diz Brito.
O coordenador completa que a
proposta -que visa atender 12
milhões de pessoas em cidades de
Pernambuco, Ceará, Rio Grande
do Norte e Paraíba- está "100%
de acordo" com o Plano Decenal
da Bacia do São Francisco.
Não é bem assim, diz o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, Jorge
Khoury. Segundo ele, o plano
-elaborado pela Agência Nacional das Águas- foi aprovado pelo comitê em quase sua totalidade, exceto o item que trata do uso
externo da água (transposição).
"Eles [governo] são muito competentes em repetir a mesma coisa sempre, mesmo faltando com a
verdade", afirma Khoury. Ele
conta que o governo pediu vista
do plano, mas não apresentou
contraproposta. No impasse, o
documento subiu ao Conselho
Nacional de Recursos Hídricos,
que é 52% composto por integrantes do governo federal, e o
mesmo foi aprovado.
Em junho passado, diz Khoury,
foi protocolada carta no Planalto
pedindo que Lula abrisse a discussão. Sem resposta, o comitê
pediu que a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) intermediasse o
diálogo. Nada foi feito, diz ele.
"O presidente tem toda a legitimidade para definir prioridades,
mas dado esse projeto ser tão polêmico, tinha é de abrir o debate."
Banco Mundial
Para defender o projeto, Pedro
Brito cita o Banco Mundial (Bird)
como umas das instituições que
deram aval à proposta do governo. "Todos os documentos produzidos por universidades, pelo
Banco Mundial mostram que, do
ponto de vista técnico, o projeto
está bem acabado", afirma ele.
Porém, o documento do Bird
"Água Brasil 7 -Transferência de
Água entre Bacias Hidrográficas",
de julho passado, aponta que foram identificadas "algumas importantes lacunas na proposta".
Isso inclui, segundo o relatório,
mais detalhamento sobre a participação do usuário e custos, entre
outros. Esse documento, agora
destacado por Brito, foi criticado
por ele em artigo publicado na Folha, em 7 de dezembro, quando afirmou que a publicação era
exemplo de "desconhecimento e
má-fé" sobre o projeto.
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