São Paulo, quarta, 5 de fevereiro de 1997.

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Jornalista desprovincianizou linguagem da imprensa

MATINAS SUZUKI JR.
Do Conselho Editorial
Paulo Francis foi o grande revolucionário do jornalismo brasileiro da segunda metade deste século.
``Senhor'', que ele editou, é ainda a nossa melhor revista.
No final dos 60, no ``Pasquim'', passou a escrever, semanalmente, a mais importante coluna de reflexão política e de discussão cultural da imprensa brasileira.
Depois, quando, em 1975, passou para a chamada imprensa ``burguesa'' nas páginas da Folha, com o seu texto mais pessoal, antecipou em pelo menos uma década o que se aponta hoje como uma das possíveis soluções para o impasse do jornalismo atual.
A marca da individualidade no mundo da notícia foi levada por Francis inclusive para o lugar onde o método se sobrepõe à pessoa por excelência, para a televisão.
Referências intelectuais
Paulo Francis desprovincianizou o jornalismo brasileiro, em vários aspectos. Em primeiro lugar, quando elevou o nível da discussão e o repertório das referências intelectuais.
Em segundo lugar, geograficamente, quando aproximou Nova York, a capital do século 20, do leitor brasileiro.
Hoje Nova York fica ali na esquina, mas, em grande parte, quem reduziu essa distância foi ele, Francis.
Em dois outros sentidos, ele deixou os jornais brasileiros menos provincianos.
Na linguagem, que desencaretou, abolindo a pompa e abrigando a gíria, as expressões coloquiais, mesmo quando falava dos assuntos considerados mais ``sérios''.
Na franqueza, em uma certa agressividade que, propositalmente, contrastava com a falsa cordialidade que marca as relações públicas na nossa pequena vida cultural.
Uma das suas técnicas, que exercitava como ninguém, era colocar-se quase sempre no ângulo de visão oposto ao da maioria -uma maneira que encontrava para ampliar os limites do debate.
Ele foi o responsável por despertar a paixão pelo jornalismo em grande parte dos quadros que hoje estão nos postos chaves da imprensa no país.
Sua força na vida cultural brasileira pode ser medida pelo prestígio alcançado por uma simples mesa-redonda para um canal de TV a cabo, que virou uma espécie de programa ``cult'' das noites de domingo.
Toda o seu repertório informativo, usado de uma maneira muito pessoal, provocativa, pode ser visto na série de notáveis entrevistas com escritores de peso internacional que realizou para o ``Globo News''.
Paulo Francis foi violento com tantas pessoas, algumas vezes de uma agressividade que era difícil compreender, difícil de administrar.
Toda essa agressividade vinha de uma impaciência de um para sempre auto-exilado que queria a modernização brasileira a qualquer custo -mesmo pagando um alto preço pessoal, e ele tinha, como poucos, a coragem necessária para pagar esse preço.
Ao contrário da sua imagem pública, Paulo Francis era uma pessoa extremamente generosa -e há, pelo menos, algumas dezenas de jovens jornalistas no Brasil que experimentaram essa generosidade.
Com os amigos, era o mais gentil, o mais amável, o mais atencioso, o mais disponível.
Uma das maiores angústias da sua vida foi a saída da Folha. Ultimamente, demonstrava haver superado a crise com o jornal. Eu alimentava a esperança de algum dia poder ajudar na sua volta à Folha.
Esse, como tantos outros projetos, fica irremediavelmente revogado com a sua morte tão apressada.

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