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ELIO GASPARI
Doutor Joel Rennó,
o senhor ganhou
Talvez o presidente da Petrobrás, doutor Joel Rennó,
não saiba (e sabe-se lá o que o
doutor Rennó sabe), mas nos
últimos meses ele foi um estrategista vitorioso. Conseguiu o
seguinte:
Paulo Francis vivia sobressaltado pelo processo que a
Petrobrás lhe movia na justiça
americana, exigindo US$ 100
milhões de indenização por
conta de ataques que fizera à
diretoria da empresa no programa de televisão ``Manhattan Connection''.
Era difícil conversar com
Francis por mais que uns poucos minutos sem que ele se
queixasse do absurdo da situação. Rennó o processava
nos Estados Unidos por coisas,
ditas numa televisão brasileira, que jamais foram ao ar
fora do Brasil.
Francis perdeu o sono.
Naquela armadura de arrogância havia uma pessoa tensa, afetuosa, tímida, solitária
e desajeitada. Era-lhe difícil
comprar uma camisa na
Brooks Brothers, incompreensível tratar com um advogado
da defesa num processo que
ameaçava arruiná-lo. Percebera a tática do doutor Rennó. Com os recursos ilimitados da empresa, mesmo sabendo que perderia o caso, o
presidente da Petrobrás pretendia espichar o litígio até o
limite do possível. Seu propósito era azucrinar a vida de
Francis. Quem já teve uma
questão judicial num simples
condomínio de edifício sabe o
aborrecimento que um processo provoca em quem não é advogado. Imagine-se o que vem
a ser um processo de US$ 100
milhões, o maior do gênero na
história brasileira e um dos
maiores na dos Estados Unidos.
A partir de comentários aos
quais Francis dava tom casual, um de seu amigos fraternais, pessoa de fina percepção
psicológica, tocou um sinal de
alerta para o Brasil: a situação era bem mais grave do
que ele demonstrava. Há
umas poucas semanas, Francis recuperara um pouco da
tranquilidade. O presidente
Fernando Henrique Cardoso,
informado pelo senador José
Serra do efeito que o processo
do doutor Rennó causara ao
estado emocional de Francis,
pedira que se chegasse a um
entendimento que desse fim
ao caso. Foi uma melhora sensível, porém momentânea.
Tratado o caso com o doutor
Rennó, ele astuciosamente jogou a bola para os advogados
que a viúva paga a Petrobrás
em Nova York. Sugeriu que
Francis os procurasse. Pessoa
incapaz de sustentar com desembaraço uma conversa de
coquetel com um estranho,
Francis consultou seu advogado. Ele lhe explicou que a iniciativa devia caber a Petrobrás. A bola voltou ao meio do
campo, e Francis viu-se diante
da possibilidade de continuar
sendo chutado de um lado para o outro.
Na última semana, tentava
encontrar uma maneira de
desatar o nó. Dissera que todos os diretores da Petrobrás
tinham contas secretas na
Suíça e, em pelo menos duas
ocasiões, retratara-se quase
que inteiramente.
Tinha duas preocupações. A
primeira era o transtorno do
processo. A segunda, o receio
de que pudesse parecer intimidado. Estava abatido. Quanto
mais magoado, mais atacava,
como se Rennó tivesse conseguido produzir um mecanismo no qual sua valentia se
alimentasse de angústia.
A gestão estimulada por
FFHH caducou na manhã de
ontem. Paulo Francis está
morto. O que o doutor Rennó
precisa saber (e sabe-se lá o
que ele sabe) é que conseguiu
ferir o seu adversário. Seu processo ocupou um espaço surpreendente na alma de Francis. Tomou o lugar não apenas
do sono, mas também dos seus
prazeres da música e da leitura. O traço obsessivo de sua
personalidade, que com muita
frequência colocava a serviço
do conforto dos amigos, foi
ocupado pelo assombro de se
ver perseguido.
Dizer que o processo do doutor Rennó o matou seria uma
injustiça piegas, verdadeira
estupidez. O que aconteceu foi
outra coisa. O doutor Rennó
conseguiu tomar uma carona
no último capítulo da biografia de Paulo Francis. E, se algum dia Rennó tiver biografia, terá Paulo Francis nela. É
difícil que consiga fazer coisa
melhor, sobretudo à custa do
dinheiro da viúva.
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