São Paulo, quarta, 5 de fevereiro de 1997.

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ELIO GASPARI
Doutor Joel Rennó, o senhor ganhou

Talvez o presidente da Petrobrás, doutor Joel Rennó, não saiba (e sabe-se lá o que o doutor Rennó sabe), mas nos últimos meses ele foi um estrategista vitorioso. Conseguiu o seguinte:
Paulo Francis vivia sobressaltado pelo processo que a Petrobrás lhe movia na justiça americana, exigindo US$ 100 milhões de indenização por conta de ataques que fizera à diretoria da empresa no programa de televisão ``Manhattan Connection''.
Era difícil conversar com Francis por mais que uns poucos minutos sem que ele se queixasse do absurdo da situação. Rennó o processava nos Estados Unidos por coisas, ditas numa televisão brasileira, que jamais foram ao ar fora do Brasil.
Francis perdeu o sono.
Naquela armadura de arrogância havia uma pessoa tensa, afetuosa, tímida, solitária e desajeitada. Era-lhe difícil comprar uma camisa na Brooks Brothers, incompreensível tratar com um advogado da defesa num processo que ameaçava arruiná-lo. Percebera a tática do doutor Rennó. Com os recursos ilimitados da empresa, mesmo sabendo que perderia o caso, o presidente da Petrobrás pretendia espichar o litígio até o limite do possível. Seu propósito era azucrinar a vida de Francis. Quem já teve uma questão judicial num simples condomínio de edifício sabe o aborrecimento que um processo provoca em quem não é advogado. Imagine-se o que vem a ser um processo de US$ 100 milhões, o maior do gênero na história brasileira e um dos maiores na dos Estados Unidos.
A partir de comentários aos quais Francis dava tom casual, um de seu amigos fraternais, pessoa de fina percepção psicológica, tocou um sinal de alerta para o Brasil: a situação era bem mais grave do que ele demonstrava. Há umas poucas semanas, Francis recuperara um pouco da tranquilidade. O presidente Fernando Henrique Cardoso, informado pelo senador José Serra do efeito que o processo do doutor Rennó causara ao estado emocional de Francis, pedira que se chegasse a um entendimento que desse fim ao caso. Foi uma melhora sensível, porém momentânea. Tratado o caso com o doutor Rennó, ele astuciosamente jogou a bola para os advogados que a viúva paga a Petrobrás em Nova York. Sugeriu que Francis os procurasse. Pessoa incapaz de sustentar com desembaraço uma conversa de coquetel com um estranho, Francis consultou seu advogado. Ele lhe explicou que a iniciativa devia caber a Petrobrás. A bola voltou ao meio do campo, e Francis viu-se diante da possibilidade de continuar sendo chutado de um lado para o outro.
Na última semana, tentava encontrar uma maneira de desatar o nó. Dissera que todos os diretores da Petrobrás tinham contas secretas na Suíça e, em pelo menos duas ocasiões, retratara-se quase que inteiramente.
Tinha duas preocupações. A primeira era o transtorno do processo. A segunda, o receio de que pudesse parecer intimidado. Estava abatido. Quanto mais magoado, mais atacava, como se Rennó tivesse conseguido produzir um mecanismo no qual sua valentia se alimentasse de angústia.
A gestão estimulada por FFHH caducou na manhã de ontem. Paulo Francis está morto. O que o doutor Rennó precisa saber (e sabe-se lá o que ele sabe) é que conseguiu ferir o seu adversário. Seu processo ocupou um espaço surpreendente na alma de Francis. Tomou o lugar não apenas do sono, mas também dos seus prazeres da música e da leitura. O traço obsessivo de sua personalidade, que com muita frequência colocava a serviço do conforto dos amigos, foi ocupado pelo assombro de se ver perseguido.
Dizer que o processo do doutor Rennó o matou seria uma injustiça piegas, verdadeira estupidez. O que aconteceu foi outra coisa. O doutor Rennó conseguiu tomar uma carona no último capítulo da biografia de Paulo Francis. E, se algum dia Rennó tiver biografia, terá Paulo Francis nela. É difícil que consiga fazer coisa melhor, sobretudo à custa do dinheiro da viúva.

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