São Paulo, quinta-feira, 05 de abril de 2007

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Punição a teólogo é vista como recado do papa à AL

Pouco antes de vir ao Brasil, Bento 16 impõe sanção a expoente da Teologia da Libertação

Radicado em El Salvador, Jon Sobrino é acusado de valorizar lado humano de Jesus em detrimento do divino em sua obra literária


CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O prelúdio da viagem do papa Bento 16 ao Brasil é uma mensagem duríssima, na forma da punição imposta a Jon Sobrino, teólogo nascido na Espanha mas radicado em El Salvador há 50 anos e um dos principais expoentes da Teologia da Libertação, corrente da igreja que faz uma análise radical da realidade, utilizando inclusive elementos do marxismo.
A punição "antecipa uma das indicações que o papa ditará à igreja latino-americana, cujos quadros dirigentes são, em boa parte, influenciados pelo espírito da Teologia da Libertação", avisa Sandro Magister, respeitado vaticanista italiano.
Concorda com a avaliação um dos principais expoentes dessa teologia no Brasil, o dominicano frei Betto: "Roma, que lida tanto com símbolos, precede a visita do papa ao país com maior número de católicos com a censura a Jon Sobrino, como se impusesse a quem convidou o papa que afastasse de sua casa um irmão querido".
O que frei Betto diz reflete à perfeição o sentimento de irritação de outros religiosos das correntes ditas progressistas.
Em artigo no jornal espanhol "El País", Juan José Tamayo, diretor da Cátedra de Teologia y Ciências das Religiões na Universidade Carlos 3º de Madri, afirma: "Desde 1975, [Sobrino] vem sendo investigado detetivescamente e sem piedade".
A investigação se dá por causa de dois livros do teólogo: "Jesus Cristo libertador - Leitura histórico-teológica de Jesus de Nazaré" e "A fé em Jesus Cristo. Ensaio a partir das vítimas".
Para entender as "vítimas" do título do livro, é preciso saber que Sobrino era companheiro de cinco outros jesuítas assassinados pelos esquadrões da morte da direita, nos anos 80, além de ser considerado responsável pela conversão do conservadorismo ao progressismo de monsenhor Oscar Romero, arcebispo de San Salvador, também morto em plena missa na catedral da cidade.
A sentença contra o jesuíta foi apresentada a Bento 16 em outubro passado. Foi assinada em novembro, mas só publicada em 14 de março, a menos de dois meses da chegada do papa ao Brasil (dia 9 de maio).
Sobrino ainda não assinou a aceitação do castigo, que o põe sob controle do Vaticano, lhe impõe silêncio e o proíbe de dar aula em universidade canônica.
A punição a um expoente da Teologia da Libertação é coerente com o passado de Bento 16, que como chefe da Congregação para a Doutrina da Fé, já havia criticado duramente essa corrente da igreja.
Mas parece agora extemporânea, na medida em que parece muito atenuada a influência que os teólogos da libertação tiveram na mídia, na igreja e na política, nos anos 80, época de profunda agitação em toda a América Latina.
Frei Betto faz, porém, uma ressalva. "A Teologia da Libertação não acabou. O que mudou é que, antes, havia a iminência de uma revolução que era perpassada pela teologia. Agora, não representa mais um fator revolucionário porque a revolução não está na agenda da América Latina", diz.
De todo modo, punir Sobrino é ressuscitar um pouco o ambiente que João Paulo 2º, encontrou em sua primeira viagem à América Latina (México, 1979). Também então haveria uma conferência do episcopado latino-americano, em Puebla. E a guerra entre conservadores e progressistas (rótulos que a igreja sempre procurou rejeitar) era feroz.
A divergência que levou à punição de Sobrino é mais celestial que política. Ele é acusado de minimizar o lado divino de Jesus para enfatizar o humano.
Tamayo, porém, faz leitura bem mais politizada da questão. Lamenta que a igreja "tenha um comportamento pouco generoso com os mártires e as testemunhas", que seriam os jesuítas mortos e Sobrino.
"Costuma acusá-los de ter-se desviado da missão evangelizadora, de meter-se na política quando deveriam cuidar do culto, e de lutar pela libertação dos pobres ombro a ombro com eles, quando deveriam cuidar da salvação da alma." Seria esse o recado contido na punição.


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