São Paulo, domingo, 05 de maio de 2002

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INVESTIGAÇÃO

Propriedade rural em processo de desapropriação teve o valor, a área e a vegetação superavaliados no TRF-SP

União pode pagar R$ 66,4 mi por choupana

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A União poderá ser obrigada a pagar R$ 66,4 milhões por uma área rural provida apenas de uma choupana. A cabana é a única benfeitoria citada na ação de desapropriação de imóvel, sem valor econômico significativo, no Parque Nacional da Serra da Bocaina, entre São Paulo e Rio.
A indenização foi determinada pela Justiça Federal, em São Paulo, com base em laudo pericial de um falso engenheiro, acusado de aumentar em 100% a área da propriedade rural e de inflar os valores reais devidos pela União.
O prejuízo aos cofres públicos corresponderia a algo como o faturamento diário dos shopping centers paulistas. Seria um dano maior ao erário do que o desvio dos R$ 169 milhões do Fórum Trabalhista do TRT paulista, pois daquele escândalo sobrou, pelo menos, um prédio inacabado.
A indenização foi contestada pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), que entrou com ação rescisória no TRF-SP (Tribunal Regional Federal), por entender que a decisão promove "enriquecimento sem causa".
O Ibama alegou "violação à disposição literal da lei" e que o julgamento foi "fundado em prova com sérios contornos de falsidade". Em abril de 2001, o órgão obteve a suspensão provisória do pagamento, tutela concedida pelo desembargador Fábio Prieto.
O caso envolve personagens de decisões questionadas na Justiça:
1) O perito Antonio Carlos Suplicy, condenado a três anos de prisão por apresentar diploma falso de engenheiro (ele superavaliou, para desapropriação, um prédio de uso do TRF-SP).
2) Os desembargadores federais Paulo Theotonio Costa (afastado do TRF, acusado de falsificar documentos para favorecer um traficante de drogas) e Roberto Haddad, acusado de falsificar documentos da Receita Federal. Ambos são investigados pelo Superior Tribunal de Justiça por suspeita de enriquecimento ilícito. Eles mantiveram avaliações de Suplicy, mesmo quando já havia provas da falsidade do diploma.
3) O juiz federal Casem Mazloum, que moveu ação cível de indenização, em novembro último, contra o desembargador Fábio Prieto, a quem acusa de ter afirmado que ele, Mazloum, proferiu decisões para beneficiar o juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, do TRT-SP. Juiz convocado no TRF, Mazloum acompanhou voto de Theotonio Costa, aceitando o laudo pericial de Suplicy no caso da desapropriação.
A ação foi iniciada em julho de 1985 por Amélia Adélia Monacelli Cherubini, de Jacareí (SP), viúva de Políbio Cherubini, proprietário de três glebas na serra da Bocaina. O casal já morreu e a ação segue em nome dos herdeiros, representados pelo advogado Luiz Roberto de Arruda Sampaio.
Há dúvidas se os Cherubini eram proprietários ou cessionários (no caso, os valores seriam diferentes). A propriedade em litígio corresponde a três glebas da Fazenda Veado, em São José do Barreiro, perfazendo 176,50 alqueires. Mas o laudo pericial contestado considerou a área total da Fazenda Veado: 350 alqueires.
A Folha visitou a área, no Parque Nacional da Serra da Bocaina, onde a entrada das pessoas depende de autorização. Na direção do parque não há registro de levantamento topográfico para laudo pericial daquela propriedade.
Nos autos, o Ibama cita que na área há superposição das propriedades e ocupação por posseiros.
Silviano Antonio Massarente, 67, fiscal aposentado do Ibama, indicou à Folha a área da Fazenda Veado e outra também citada nos autos como sendo de Políbio Cherubini: a Fazenda Quilombo.
"Os donos da Fazenda Quilombo eram os irmãos Otaviano Alcântara, Benedito Alcântara e Justino Alcântara", diz Massarente. "Eles passaram a propriedade para o filho, que depois a vendeu para terceiros. Os moradores têm a propriedade regularizada", diz. Ele conhece a região há 37 anos.

"Erro substancial"
A União alegou que "o laudo do senhor perito contém erro substancial que leva à sua nulidade, pois quer se indenizar o que não foi desapropriado e nem integra o patrimônio do Ibama, caracterizando enriquecimento ilícito".
A indenização milionária foi fixada em 1997, na primeira instância, e confirmada pela 1ª Turma do TRF-SP, em 1998. Mas a professora aposentada Maria Ada Cherubini, 65, filha mais velha de Políbio e Amélia Cherubini, até o mês passado desconhecia que a indenização havia chegado a R$ 66,4 milhões. Soube pela Folha.
Para comprovar a existência da propriedade na área do parque, os advogados da família Cherubini arrolaram duas testemunhas.
O produtor agrícola José Christovão Arouca, 70, lembrou-se que uma única vez, em 1964, visitara a gleba, que estava "quase intocada, com exceção de uma choupana".
Benedicto Alves de Azevedo, de 73 anos, recordou que, em 1972, foi levado ao local "em companhia do falecido Políbio Cherubini, a fim de visitar a gleba rural". "Todavia, não adentrou na mesma porque o local era de difícil acesso e não fazia bom tempo".
As duas testemunhas tinham o mesmo endereço. Não está nos autos, mas José Christovão, que já morreu, era irmão de Osvaldo Arouca, ex-marido de Maria Ada Cherubini e um dos beneficiários da indenização (os irmãos Arouca foram prefeitos de Jacareí).



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