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JANIO DE FREITAS
O comprador dos vendidos
O reconhecimento, feito em
discurso por Fernando Henrique Cardoso, de que suas
transações com parlamentares "nem sempre levam em
conta só o interesse público" e
"muitas vezes" não se processam "dentro de um ambiente
de assepsia", ou seja, dão-se
em ambiente de sujeira, não
atende à sua suposição de que
fica autojustificado, com a insinuação de que as transações
são condicionadas pelos parlamentares.
A corrupção política não difere das demais: o corrupto
recebedor só existe se também
existir o corrupto pagador.
Além dessa preliminar, os
dois antecessores imediatos de
Fernando Henrique na Presidência deixaram demonstração definitiva de que não é
necessária, nem para aprovação de medidas gravíssimas, a
existência de presidente corruptor.
Collor já assumiu com palavras e atos de aversão ostensiva ao Congresso, mas isso não
impediu a aprovação, sem dificuldade alguma, do seu pacote repleto de agressões aos
direitos dos cidadãos e a vários outros preceitos da Constituição. Por mais cretinóides
que fossem, como sempre foram as idéias dos aventureiros Zélia Cardoso, Antonio
Kandir, João Santana e outros
espécimes do grupo, Câmara e
Senado aprovaram tudo sem
ao menos exigir de Collor alguma consideração.
Não há um só caso de compra, ou de qualquer outro
meio de sedução material,
praticado por Itamar Franco
para obter aprovações no
Congresso. E, no entanto, uma
delas foi um plano antiinflacionário tão complexo, com as
URVs e outros trampolins,
quanto problemático, por incidir a apenas três meses de
uma eleição presidencial.
O fato de haver medidas
provisórias, de Collor como de
Itamar, não modifica as disposições do Congresso ante os
cofres fechados para transações parlamentares. O Congresso poderia usar o poder de
derrubar MPs, e não o fez.
O "ambiente sem assepsia"
vigente nas transações há três
anos foi ditado por Fernando
Henrique, desde o início do
governo. Não houve sequer
tentativas de um relacionamento altivo entre a Presidência da República e os parlamentares. É o que ficou documentado nos jornais. Sem que
o noticiário pudesse perceber,
porém, que o uso dos cofres
públicos já fazia parte da estratégia da reeleição.
Ao reconhecer que suas
transações com parlamentares muitas vezes traem o interesse público e não são limpas,
Fernando Henrique não se
inocentou. Incriminou-se. Em
qualquer país de elite e instituições minimamente respeitáveis, sua confissão teria
consequências muito sérias.
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