São Paulo, terça, 5 de maio de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS
O comprador dos vendidos

O reconhecimento, feito em discurso por Fernando Henrique Cardoso, de que suas transações com parlamentares "nem sempre levam em conta só o interesse público" e "muitas vezes" não se processam "dentro de um ambiente de assepsia", ou seja, dão-se em ambiente de sujeira, não atende à sua suposição de que fica autojustificado, com a insinuação de que as transações são condicionadas pelos parlamentares.
A corrupção política não difere das demais: o corrupto recebedor só existe se também existir o corrupto pagador.
Além dessa preliminar, os dois antecessores imediatos de Fernando Henrique na Presidência deixaram demonstração definitiva de que não é necessária, nem para aprovação de medidas gravíssimas, a existência de presidente corruptor.
Collor já assumiu com palavras e atos de aversão ostensiva ao Congresso, mas isso não impediu a aprovação, sem dificuldade alguma, do seu pacote repleto de agressões aos direitos dos cidadãos e a vários outros preceitos da Constituição. Por mais cretinóides que fossem, como sempre foram as idéias dos aventureiros Zélia Cardoso, Antonio Kandir, João Santana e outros espécimes do grupo, Câmara e Senado aprovaram tudo sem ao menos exigir de Collor alguma consideração.
Não há um só caso de compra, ou de qualquer outro meio de sedução material, praticado por Itamar Franco para obter aprovações no Congresso. E, no entanto, uma delas foi um plano antiinflacionário tão complexo, com as URVs e outros trampolins, quanto problemático, por incidir a apenas três meses de uma eleição presidencial.
O fato de haver medidas provisórias, de Collor como de Itamar, não modifica as disposições do Congresso ante os cofres fechados para transações parlamentares. O Congresso poderia usar o poder de derrubar MPs, e não o fez.
O "ambiente sem assepsia" vigente nas transações há três anos foi ditado por Fernando Henrique, desde o início do governo. Não houve sequer tentativas de um relacionamento altivo entre a Presidência da República e os parlamentares. É o que ficou documentado nos jornais. Sem que o noticiário pudesse perceber, porém, que o uso dos cofres públicos já fazia parte da estratégia da reeleição.
Ao reconhecer que suas transações com parlamentares muitas vezes traem o interesse público e não são limpas, Fernando Henrique não se inocentou. Incriminou-se. Em qualquer país de elite e instituições minimamente respeitáveis, sua confissão teria consequências muito sérias.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.