São Paulo, sábado, 5 de julho de 1997.



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SANTA CATARINA
Hulse afirma que só hoje sabe da ação de pessoas que "usaram metodologia" para maquiar "situações"
Vice diz que não emitiria títulos de novo

LUCIO VAZ
enviado especial a Florianópolis


O vice-governador de Santa Catarina, José Augusto Hulse (PMDB), disse à Folha que não faria de novo a emissão de títulos do Estado para o pagamento de precatórios.
"É claro que hoje, conhecendo tudo isso, eu não faria", disse. O governador Paulo Afonso Vieira disse ontem, em Florianópolis, que faria a emissão novamente.
Hulse assumirá o governo do Estado se o governador Paulo Afonso Vieira (PMDB) for afastado do cargo pela Assembléia Legislativa, dentro de aproximadamente 60 dias, e, depois, se perder definitivamente o cargo após concluído o processo de impeachment.
O vice-governador afirmou que não tinha conhecimento dos valores da operação comandada por Paulo Afonso. Afirmou que, hoje, tem conhecimento da ação de pessoas que "usaram metodologia de cálculos para maquiar situações, valores".
Hulse se declarou inocente: "Não conheci nenhuma dessas pessoas. Portanto, posso declarar uma inocência total em relação ao conhecimento desses encaminhamentos, por mais corretos que possam ter sido, ou equivocados".
O vice-governador disse que só assinou documentos que "os técnicos, os assessores e a estrutura do governo haviam montado".
Ele afirmou que não sabia que o valor total dos precatórios era de apenas R$ 37 milhões. "Não, nunca lidei com valores." Também afirmou não saber que o valor das emissões chegaria a R$ 605 milhões. "Não imaginei que chegasse a tanto."

Folha - Dentro de cerca de 60 dias a Assembléia vai decidir se aceita ou não a acusação contra o governador. Qual o resultado que o senhor espera dessa votação?
José Augusto Hulse -
Acho que a razão vai acolher a defesa do governador. E esperamos que o governador possa concluir o processo sem o afastamento ou, mesmo que haja necessidade de afastamento, sem a perda do mandato.
Folha - O PFL, com a retirada do plenário, ajudou o senhor. Por que ajudou?
Hulse -
A ausência ajudou, a presença também ajudaria. Mesmo que o PFL estivesse presente, pela manifestação de vários deputados, naquela circunstância, haveria votos favoráveis.
Folha - Um dia antes, o governador havia anunciado uma ampla reforma do secretariado, com a participação de outros partidos. Isso não teria influenciado a decisão do PFL?
Hulse -
Apresentamos as nossas renúncias para que o governador tivesse liberdade para começar a fazer as alterações que o momento estava a exigir. Podem mudar alguns nomes, mas não muda o objetivo do governo. Esperamos apenas fortalecer o perfil de estrutura partidária, com figuras que sejam reconhecidamente lideranças políticas, já que estamos num ano pré-eleitoral. Se houve alguma influência na decisão do PFL? Talvez tenha até tido, em função do desejo de muitos deputados e até de outras lideranças que insistiam na exoneração de alguns secretários, por razões de estarem citados no processo.
Folha - A idéia é recompor a aliança que o governo tinha com o PFL, PDT e PSDB?
Hulse -
Não é a idéia básica. Pode, eventualmente, ter pessoas de outras siglas. O governo não é uma exclusividade da sigla PMDB. A vitória na eleição se deu com o apoio de outros partidos. Se houver alguém de outro partido, e hoje nós temos, não é pecado nenhum. O importante é que esteja alinhado ao interesse do governo e que seja fiel ao governador. E que tenha também um compromisso político e desenvolva ações para que, ao chegar o ano que vem, tenhamos realizado um governo que nos garanta a sucessão, elegendo o maior número de deputados e também o governador.
Folha - Hoje, analisando todos os problemas decorrentes dessa emissão de títulos do Estado, se dependesse do senhor, lá naquele 13 de junho de 96, o senhor teria emitido aqueles R$ 605 milhões?
Hulse -
Na CPI da Assembléia, quando perguntado se faria a operação, disse que, sendo do interesse do Estado e sendo uma alternativa, faria. Houve uma interpretação de que eu faria tudo de novo. Não é bem assim. Hoje, à luz do conhecimento de que houve a participação de pessoas que, vindo de fora, com tecnologia de cálculo para maquiar algumas situações, valores, com acesso ao Tribunal de Justiça, para de lá extrair relações e dados, e encaminhar de uma forma que criou toda essa polêmica, claro que podemos dizer que não repetiríamos aquilo. Talvez, hoje, a CPI do Senado devesse se voltar ao sistema financeiro nacional, onde quadrilhas, espertos, que não eram conhecidos por nenhum catarinense, encaminharam essas operações. Mas ainda cabe uma explicação. Não conheci nenhuma dessas pessoas, em nenhum momento tive contato com eles. Portanto, posso declarar uma inocência total em relação ao conhecimento desses encaminhamentos, por mais corretos que possam ter sido, ou equivocados. Se precisarmos, hoje, sabemos que existem outras fontes de recursos para mais investimentos. Mas fazer uma coisa que hoje todos condenam não seria de bom alvitre, de bom senso. É claro que hoje, conhecendo tudo isso, eu não faria.
Folha - Nesse episódio da emissão dos títulos, o senhor acha que o governador, do ponto de vista técnico ou político, cometeu algum erro?
Hulse -
Tecnicamente, a operação foi montada dentro das normas. Pela questão legal, não vi também nenhuma razão para o desamparo. Eu creio que todos agiram com a consciência de estarem agindo da forma correta.
Folha - O senhor foi envolvido nesse processo porque assinou documentos com informações pedidas pelo Senado. O senhor tinha conhecimento do que estava assinando?
Hulse -
Assinei dois documentos encaminhando informações complementares, uma delas à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Encaminhei todos os processos. E isso representou milhares de cópias. Um outro, encaminhado ao Banco Central, informando que as ações encaminhadas pelo Tribunal se tratam de ações cujos processos haviam transitado em julgado. Isso sem acrescentar valor, sem acrescentar dados, encaminhamos ofícios que os técnicos, as assessorias e as estruturas do governo haviam montado. É claro que não cabe ao governador, ao vice-governador, conferir milhares de processos. Isso representou uma Kombi cheia de cópias.
Folha - O senhor tinha conhecimento de que o valor total dos precatórios era de R$ 37 milhões?
Hulse -
Não. Nunca lidei com os valores, não sabia o quanto significavam.
Folha - Mas sabia que a emissão era para o pagamento de precatórios?
Hulse -
Precatórios. E, se não usado o dinheiro para o pagamento de precatórios, os recursos estariam no Tesouro. Se sobrou recurso, se foi usado para outra coisa, só um levantamento do Tesouro poderá dizer. Agora, não se deixou de pagar nenhum precatório.
Folha - O senhor tinha noção de que o valor dos precatórios era 6% do valor que estava sendo emitido?
Hulse -
Não, porque não me envolvi em ver valores, em conferir quantidades, em discutir se era 30 ou 300. A única coisa que fiz foi encaminhar a relação extraída do Tribunal, atualizada por uma metodologia que foi trazida por técnicos que eu nunca ouvi falar e nunca vi na minha vida. Que chegaram aqui, que estiveram na Fazenda, na Procuradoria, no Tribunal de Justiça, e de lá extraíram complementos, valores e correções que acabaram transformando os valores iniciais em valores que chegaram a R$ 600 milhões.
Folha - O senhor não sabia que o valor chegaria a isso?
Hulse -
Não, não imaginei que chegasse a tanto. Soube posteriormente. Mas todos eles calculados por técnicos que vieram com a metodologia que aplicaram em Alagoas, São Paulo, Pernambuco.








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