São Paulo, quarta-feira, 05 de julho de 2000


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JANIO DE FREITAS
As armas da sedução

O governo dá prosseguimento a um novo acordo militar com os Estados Unidos, cede a mais itens do que a doação interessada de armamentos já inservíveis para o uso americano e, pelo modo como tudo vai acontecendo, cai nas mesmas táticas de sedução aplicadas, no passado, para submeter os militares latino-americanos.
Do período mais remoto desse passado, ficaram duas fotos com valor histórico especial. Uma é comum em trabalhos que citem o envolvimento do Brasil na Segunda Guerra. A outra é quase raridade.
A primeira mostra o general Dutra, ministro da ditadura de Getúlio, com um quepe imenso, o rosto perdido na inexpressividade da feiura única, a barriga levantando a parte inferior do dólmã, e os olhos postos em uma metralhadora que lhe é exibida. Em volta, oficiais americanos riem-se - pode ser que só para se mostrarem simpáticos, mas não é certo.
O general voltou fascinado pelo tratamento reverente e homenageante que os americanos lhe ofereceram. Mostraram-lhe novidades em armas, bases militares, treinamentos e palestras exclusivas. Tudo de irmão para irmão, a fraternidade das Américas.
O mais inteligente, preparado e político dos generais, Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior, foi convidado pelo outro lado. A Wermacht convidou-o para comandar uma brigada de tanques em manobras que praticariam as novas táticas alemãs de blindados -as táticas que logo conquistariam metade da Europa. O general voltou fascinado pelo tratamento reverente e homenageante que os alemães lhe ofereceram.
Não é preciso dizer as posições que cada um adotou, seguido por sua corrente no Exército, a respeito da posição conveniente ao Brasil na guerra que se insinuava.
No pós-guerra, o acordo militar EUA-Brasil entregou aos americanos toda a orientação dos programas formadores de militares brasileiros. Além dos instrutores aqui presentes, oficiais eram levados para treinamentos em bases montadas no Panamá só para receber militares latino-americanos. Aos militares de altos postos estavam reservados, nos Estados Unidos, as visitas e o tratamento experimentados pelo general Dutra 15 anos antes. O resultado também foi o mesmo.
O advogado Geraldo Quintão, ministro da Defesa, foi aos Estados Unidos tratar de um novo acordo militar, 23 anos depois de encerrado o anterior no governo Geisel. Geraldo Quintão ficou fascinado pelo tratamento reverente e homenageante que os americanos lhe ofereceram. Cursos de Defesa nos Estados Unidos, para civis brasileiros? Claro. Uma proposta nova, mas muito interessante. Outras mais? Pois não, que ótimo. A fraternidade das Américas.
Fernando Henrique Cardoso e Geraldo Quintão só devem ao seu país uma pequena explicação, que em nada prejudicará o efeito que lhes causem as reverências e homenagens. A questão é simples.
O Brasil está usando, sob contrato de leasing, 90 tanques e 6 navios rejeitados para o uso dos americanos. O contrato expira e os americanos dizem que o Brasil, ou paga o valor do leasing ou perde os tanques e navios. A menos que assine o novo acordo militar com os Estados Unidos, que, nesse caso, lhe dariam os navios e tanques, além de outros equipamentos bélicos retirados do uso.
Se os Estados Unidos querem fazer doações de ajuda ao Brasil, por que não as fazem simplesmente? Por que condicionam a ajuda a um acordo de "cooperação militar", que o Brasil não pediu, não propôs, nem dele precisou para manter as suas Forças Armadas? A doação, afinal de contas, interessa mais a quem, ao recebedor ou ao doador?
Ou Fernando Henrique Cardoso dispõe de respostas consistentes para o problema ou estão levando o país sem saber para onde.



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