São Paulo, quarta-feira, 05 de julho de 2000


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RELIGIÃO
Comissão defende sacerdote de São Paulo que prega o uso de camisinha e a distribui entre pobres e doentes
Ministério da Saúde critica ação da igreja

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

O Ministério da Saúde saiu ontem em defesa do padre Valeriano Paitoni, que deverá sofrer punições do clero por pregar o uso de preservativos no combate à Aids e por distribuí-los.
O governo fez, ainda, um apelo para que a cúpula da igreja "reflita sobre o posicionamento contrário" à camisinha, a fim de "não ter que se responsabilizar, no futuro, pelas consequências da disseminação da epidemia entre os católicos do Brasil".
As afirmações constam de nota que a Coordenação Nacional de Aids -braço do ministério encarregado de prevenir a doença- divulgou à tarde. O texto, em tom incisivo, é uma resposta à atitude dos arcebispos d. Cláudio Hummes, de São Paulo, e d. Eugenio Sales, do Rio de Janeiro, que repreenderam publicamente o padre Valeriano.
Numa entrevista veiculada domingo pela Folha, o sacerdote admitiu doar camisinhas para pobres e doentes. Também explicou as razões de agir dessa maneira. "Se o preservativo protege a vida, não há por que o encarar como um mal menor. Trata-se, isso sim, de um bem maior", disse, opondo-se às orientações do Vaticano, que condena qualquer método contraceptivo não-natural.
Para disseminar suas convicções, o padre e a produtora 3Laranjas Comunicação estão lançando um vídeo de 16 minutos que gira em torno de uma tese principal: se agora a Igreja Católica pede perdão pelos erros cometidos contra negros e índios, futuramente terá de fazê-lo por não aceitar os preservativos.
Logo após a publicação da entrevista, os dois arcebispos produziram notas que repudiam as declarações de Paitoni e o ameaçam com penalidades "administrativas e pastorais", ainda não definidas.

100 mil mortos
Ao solidarizar-se com o sacerdote, a Coordenação Nacional de Aids destacou-o como "um dos pioneiros" na luta contra a doença e "um importante parceiro do Ministério da Saúde".
Italiano de Pontevico, o padre mudou-se para o Brasil há 22 anos e desde 1984 cuida de portadores do HIV. Hoje, comanda três casas na zona norte paulistana que atendem soropositivos.
A nota do governo fornece números sobre o avanço do vírus no país (530 mil brasileiros infectados, mais de 100 mil mortos, 30 mil órfãos) e sustenta que ações como as de d. Cláudio e d. Eugenio colocam "em risco a saúde da população e os esforços do Programa Nacional de Aids".
O texto também enfatiza que o gesto dos arcebispos "demonstra o distanciamento entre o discurso da cúpula e a realidade dos setores que trabalham" com a doença.
"Os últimos acontecimentos nos preocupam por duas razões. Primeiro, porque podem inibir as alas da igreja que já contribuem no combate à epidemia. Depois, porque podem levar os católicos a abandonarem a camisinha", argumenta Alexandre Grangeiro, coordenador-adjunto do Programa Nacional de Aids.
É a segunda vez em menos de um mês que o Ministério da Saúde rejeita posições do clero sobre a doença. No dia 15 de junho, a CNBB, entidade que congrega os bispos do Brasil, lançou "nota de esclarecimento" à população, criticando os preservativos por favorecerem "uma vida sexual desordenada" e chamando de "falaciosas" as campanhas publicitárias de prevenção à Aids, uma vez que a camisinha ofereceria segurança de no máximo "65%".
Na ocasião, o governo contestou firmemente a porcentagem fornecida pela igreja. Garantiu que a taxa correta é de 95%.
Procurados pela Folha, d. Cláudio, d. Eugênio e o padre Valeriano não se pronunciaram. O secretário-geral da CNBB, d. Raymundo Damasceno, limitou-se a dizer que concorda com a nota dos arcebispos.


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