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RELIGIÃO
Comissão defende sacerdote de São Paulo que prega o uso de camisinha e a distribui entre pobres e doentes
Ministério da Saúde critica ação da igreja
ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL
O Ministério da Saúde saiu ontem em defesa do padre Valeriano
Paitoni, que deverá sofrer punições do clero por pregar o uso de
preservativos no combate à Aids e
por distribuí-los.
O governo fez, ainda, um apelo
para que a cúpula da igreja "reflita
sobre o posicionamento contrário" à camisinha, a fim de "não ter
que se responsabilizar, no futuro,
pelas consequências da disseminação da epidemia entre os católicos do Brasil".
As afirmações constam de nota
que a Coordenação Nacional de
Aids -braço do ministério encarregado de prevenir a doença-
divulgou à tarde. O texto, em tom
incisivo, é uma resposta à atitude
dos arcebispos d. Cláudio Hummes, de São Paulo, e d. Eugenio
Sales, do Rio de Janeiro, que repreenderam publicamente o padre Valeriano.
Numa entrevista veiculada domingo pela Folha, o sacerdote admitiu doar camisinhas para pobres e doentes. Também explicou
as razões de agir dessa maneira.
"Se o preservativo protege a vida,
não há por que o encarar como
um mal menor. Trata-se, isso sim,
de um bem maior", disse, opondo-se às orientações do Vaticano,
que condena qualquer método
contraceptivo não-natural.
Para disseminar suas convicções, o padre e a produtora 3Laranjas Comunicação estão lançando um vídeo de 16 minutos
que gira em torno de uma tese
principal: se agora a Igreja Católica pede perdão pelos erros cometidos contra negros e índios, futuramente terá de fazê-lo por não
aceitar os preservativos.
Logo após a publicação da entrevista, os dois arcebispos produziram notas que repudiam as
declarações de Paitoni e o ameaçam com penalidades "administrativas e pastorais", ainda não
definidas.
100 mil mortos
Ao solidarizar-se com o sacerdote, a Coordenação Nacional de
Aids destacou-o como "um dos
pioneiros" na luta contra a doença e "um importante parceiro do
Ministério da Saúde".
Italiano de Pontevico, o padre
mudou-se para o Brasil há 22
anos e desde 1984 cuida de portadores do HIV. Hoje, comanda
três casas na zona norte paulistana que atendem soropositivos.
A nota do governo fornece números sobre o avanço do vírus no
país (530 mil brasileiros infectados, mais de 100 mil mortos, 30
mil órfãos) e sustenta que ações
como as de d. Cláudio e d. Eugenio colocam "em risco a saúde da
população e os esforços do Programa Nacional de Aids".
O texto também enfatiza que o
gesto dos arcebispos "demonstra
o distanciamento entre o discurso
da cúpula e a realidade dos setores
que trabalham" com a doença.
"Os últimos acontecimentos
nos preocupam por duas razões.
Primeiro, porque podem inibir as
alas da igreja que já contribuem
no combate à epidemia. Depois,
porque podem levar os católicos a
abandonarem a camisinha", argumenta Alexandre Grangeiro,
coordenador-adjunto do Programa Nacional de Aids.
É a segunda vez em menos de
um mês que o Ministério da Saúde rejeita posições do clero sobre
a doença. No dia 15 de junho, a
CNBB, entidade que congrega os
bispos do Brasil, lançou "nota de
esclarecimento" à população, criticando os preservativos por favorecerem "uma vida sexual desordenada" e chamando de "falaciosas" as campanhas publicitárias
de prevenção à Aids, uma vez que
a camisinha ofereceria segurança
de no máximo "65%".
Na ocasião, o governo contestou firmemente a porcentagem
fornecida pela igreja. Garantiu
que a taxa correta é de 95%.
Procurados pela Folha, d. Cláudio, d. Eugênio e o padre Valeriano não se pronunciaram. O secretário-geral da CNBB, d. Raymundo Damasceno, limitou-se a dizer
que concorda com a nota dos arcebispos.
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