São Paulo, sexta-feira, 05 de julho de 2002

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DIPLOMACIA

Brasil pune embaixador por criticar o país em entrevista à BBC

Após deixar Opaq, Bustani perde posto em Londres

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois de ser destituído da direção geral da Opaq (Organização para a Proscrição das Armas Químicas) pelos Estados Unidos, o embaixador brasileiro José Maurício Bustani está sendo novamente punido: ontem, o Itamaraty suspendeu seu posto provisório e o chamou de volta a Brasília. A decisão foi tomada numa conversa entre o presidente Fernando Henrique Cardoso e o ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, no Palácio do Planalto, terça-feira, dia da comemoração do pentacampeonato mundial de futebol.
Bustani, que vinha ocupando provisoriamente o posto de cônsul-geral do Brasil em Londres, foi informado ontem, friamente, por um telegrama. O argumento foi "quebra de confiança", por causa de entrevista que ele concedeu à agência de notícias BBC, criticando simultaneamente os EUA e o Brasil por seu afastamento da Opaq. Conforme a Folha apurou, FHC e Lafer concluíram que, se o embaixador declarou à imprensa internacional que não confiava no governo brasileiro, o governo brasileiro se dá o direito de deixar de confiar nele. Diplomatas são representantes do interesse do país no exterior.
Bustani foi eleito para a direção geral da Opaq e depois destituído, igualmente por voto, por pressão dos EUA. Ele alega que caiu em desgraça por defender a inclusão no organismo de inimigos tradicionais dos EUA, como Líbia e Iraque. Acusa os EUA de forçar uma guinada na Opaq para favorecer indústrias químicas.
Diante da derrota avassaladora na votação da Opaq, o embaixador reclamou que foi abandonado pelo Brasil. Na própria entrevista à BBC, ele disse que o Itamaraty não articulou votos a favor de sua permanência com os demais países da América Latina. Sendo assim, também os da África e da Ásia lavaram as mãos.
Depois de sair da Opaq, Bustani recebeu uma espécie de prêmio de consolação: foi nomeado para o Consulado Geral em Londres interinamente, enquanto o titular, Paulo Campos, prepara no Brasil a próxima reunião internacional da CPLP (a comissão dos países de língua portuguesa).
A permanência de Bustani em Londres estava garantida, portanto, apenas por cerca de dois meses, até a volta de Campos.

Constrangimentos
Na entrevista à BBC, que circula em todo o mundo via internet, Bustani se queixou inclusive dos constrangimentos pessoais a que teria sido submetido depois de deixar a Opaq. Citou como exemplo o fato de ter que sair às pressas de Haia (Holanda), onde vivia, porque seu visto oficial de permanência estava expirando.
O Itamaraty contesta a versão, informando que a mulher de Bustani, a também diplomata Janine Bustani, que é conselheira, serve em Haia. Isso significa que, independentemente do cargo de diretor da Opaq, ele tem direito a visto diplomático na Holanda na condição de cônjuge. A última frase de Bustani na entrevista à BBC foi um desabafo pessoal e melancólico: "Hoje, eu me encontro sem função, sem casa e sem destino".
A partir de ontem, a situação ficou ainda pior. Chamado de volta ao Brasil, ele não tem mais a função provisória e encontra perspectivas nada alvissareiras de vir a ter um bom posto na carreira diplomática a médio prazo.


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