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INTELIGÊNCIA MILITAR
Os 541 agentes são treinados para espionar jornais, empresas, sindicatos e autoridades públicas
Espiões do Exército vigiam até o governo
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Ninguém está imune aos espiões do Exército. Plantados em
todas as regiões do país, os órgãos
militares de inteligência realizam
espionagem política, econômica,
empresarial e social. Agem dentro
e fora do país.
O Exército chega mesmo a classificar os jornais segundo a sua
"posição partidária", "dependência do poder econômico" e "grau
de influência exercido pelo governo". Editores e autores de textos
jornalísticos são catalogados segundo "a personalidade" e as "relações pessoais" que mantêm.
Documentos confidenciais obtidos pela Folha expõem toda a
engrenagem de preparação dos
arapongas. Eles são treinados para monitorar de índios a "autoridades das unidades da Federação"; de ONGs (organizações
não-governamentais) e sindicatos
a empresas, do corpo de bombeiros às polícias Rodoviária, Civil,
Militar e Federal.
A atividade de inteligência é
apresentada nos documentos como "vital no cumprimento da
missão constitucional do Exército". Evita que os comandantes
militares sejam "surpreendidos
em situações desvantajosas".
As informações coletadas pela
rede de espiões são compartilhadas com o restante do governo.
Colaboram "para a formulação e
acompanhamento de políticas".
"Gratificações"
Além de seus próprios agentes
- 541 ao todo-, o Exército mantém uma malha de informantes.
A apostila do "Curso Intermediário de Inteligência", ministrado
em setembro de 1997, em plena
administração Fernando Henrique Cardoso, ensina técnicas de
recrutamento de colaboradores.
Admite-se inclusive a hipótese
de que venham a ser brindados
com "gratificações e recompensas". O dinheiro sai de uma contabilidade sigilosa.
No momento, o Exército está
tentando "ampliar redes de colaboradores". Todos os seus arquivos e fichários estão sendo "atualizados". Há uma "concentração
de esforços na área de inteligência".
Parte-se do diagnóstico de que é
preciso promover uma "adaptação à nova conjuntura, em particular a partir de 1990". Formaram-se "grupos de trabalho" para
elaborar uma nova política de inteligência militar. Os integrantes
desses grupos listaram várias alterações conjunturais.
"No cenário nacional: neutralização do movimento revolucionário, abertura política/anistia, a
atual constituição federal, a extinção do SNI (...)". "No cenário internacional: desagregação do bloco soviético, fim do conflito ideológico Leste-Oeste, fim do movimento comunista internacional,
hegemonia dos EUA, tendência à
multipolaridade econômica, crescimento da importância dos organismos internacionais, os novos
conceitos de soberania relativa e
do dever de ingerência em face
das questões transnacionais."
"Vietnã e Hugo Chávez"
A criação da "Escola de Inteligência Militar do Exército", em
1994, primeiro ano do tucanato
no poder, compõe o esforço de
"modernização" dos órgãos de
inteligência. Os documentos obtidos pela reportagem traçam uma
autocrítica do trabalho de bisbilhotagem oficial.
O sistema padecia, segundo o
diagnóstico do Exército, de "falta
de credibilidade". Havia "excesso
de dados (lixo)". O "produto final" do trabalho de espionagem
"não atendia à necessidade dos
clientes", ou seja, o próprio Exército e os órgãos públicos que se
servem de suas informações, entre eles a Presidência da República. Daí o esforço para cooptar novos informantes e atualizar arquivos e fichários.
A julgar pelo conteúdo dos papéis analisados pela Folha, a mobilização tem sido vã. Um exemplo: o Exército mantém um "banco de dados sobre ONGs". Ao lado de informações acerca da movimentação do MST, armazena
dados sobre uma inexpressiva
"Organização Gente da Terra". O
conteúdo da ficha é o que se poderia tachar de lixo.
A organização foi constituída
no último dia 28 de fevereiro, em
uma reunião pública realizada na
Câmara Municipal de Itaituba, no
Estado do Pará. O Exército infiltrou olhos e ouvidos no encontro.
Apurou que o "líder e idealista"
da nova ONG é José Altino, "ex-presidente da extinta União dos
Sindicatos dos Garimpeiros da
Amazônia Legal".
Sob a tarja "reservado", os agentes preocuparam-se em anotar
detalhes do discurso de Altino:
"Citou a guerra do Vietnã e a ascensão do presidente venezuelano Hugo Chávez, destacando a
possibilidade de trazer a Itaituba,
para propagar a organização, oficiais generais da reserva do exército vietnamita e o próprio presidente da Venezuela".
"Luta armada"
A "modernização" parece não
ter alcançado também a metodologia e a ideologia da nova política
de inteligência militar. Conforme
revelou a Folha em sua edição da
última quinta-feira, os documentos confidenciais do Exército classificam os movimentos sociais como "forças adversas".
Os papéis dão especial realce ao
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), equiparado ao narcotráfico e ao crime
organizado. Contemplam a hipótese de que, em certas ocasiões,
militantes de tais organizações
podem ser "eliminados". Os mesmos documentos admitem "arranhar direito dos cidadãos" em nome da manutenção da ordem pública.
O leque de temas que despertam a curiosidade da chamada
"Segunda Seção" do Exército, nicho da estrutura militar voltado
para as operações de inteligência,
é vasto. Ao tratar dos movimentos sociais, os documentos afirmam que os agentes devem dedicar especial atenção às entidades
que mantenham "ligações" com
"os adeptos da luta armada".
Em relação às organizações policiais, investiga-lhes o "envolvimento com o narcotráfico, contrabando de armas e munições".
Mais: checa a existência de focos
de "descontentamento" que
"possam conduzir a um estado de
greve" nessas corporações.
A arapongagem do Exército dedica-se ainda a: coleta de dados
sobre terras indígenas e ONGs
que atuam nessas áreas; movimentos sindicais e o seu "modus
operandi", grupos nacionais ou
internacionais voltados para a defesa do meio ambiente etc. Elege
também como prioridade a produção de "conhecimentos inerentes à área política e à área econômica".
"Operação Condor"
Submetidos a situações hipotéticas, os alunos dos cursos de inteligência do Exército são instados a
elaborar planos de ação. Uma
dessas situações envolve um caso
de espionagem comercial. Os
aprendizes de espião receberam a
ordem de obter dados sobre uma
empresa fictícia: a Jonatan Comércio e Importação Ltda, do Rio
de Janeiro.
Solicitaram-se os nomes dos sócios e dos clientes, a localização de
filiais e o tipo de material importado pela empresa. Recorreu-se à
mentira. A solução encontrada é
reveladora quanto aos métodos
de trabalho dos arapongas: decidiu-se que os agentes deveriam
comparecer à empresa travestidos de fiscais do Ministério do
Trabalho.
Um outro exercício foi batizado
de "Operação Condor", uma inédita alusão à operação dos regimes militares sul-americanos que
previa a caça a adversários políticos dentro e fora de suas fronteiras. É a primeira vez que vem à luz
um documento oficial utilizando
a expressão, jamais reconhecida
pelo Exército.
A tarefa imposta aos espiões
consiste em mapear os movimentos de um "fugitivo dos órgãos de
segurança da Colômbia". Batizaram-no de Carlos Trujilo. Seria o
responsável por uma gráfica instalada em Belo Horizonte, em cujas instalações teriam sido impressos "panfletos pregando a luta armada".
Os participantes do exercício dividiram-se em três grupos. À
equipe Alfa coube "identificar, fotografar e acompanhar as atividades e os contatos de Carlos Trujillo". O time Beta responsabilizou-se pelas investigações em torno da
gráfica suspeita. O outro grupo,
Charlie, ficou de reserva, pronto a
substituir os outros dois.
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