São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2004

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JANIO DE FREITAS

O jogo das aparências

Muito oportuna a vinda ao Brasil do novo diretor-gerente do FMI, que transita entre os resplandecentes gabinetes brasilienses e o fim de semana fosco do Rio. Por acaso ou não, Rodrigo Rato, até há pouco ministro econômico do recém-alijado governo direitista na Espanha, aqui está na abertura da Semana da Pátria. Momento agora declarado por Lula como o mais importante do ano -antes de tudo, suponho, porque a ele dá ocasião a mais um discurso e, a nós outros, a oportunidade de escapulir no feriado. E, para não esquecermos o bem-vindo visitante, a Rodrigo Rato o momento permite refazer-se de sua assustada saída de Buenos Aires, acelerado por protestos furiosos contra sua presença.
Mas sobretudo é oportuna a presença do diretor-gerente do FMI quando o governo, sob o impulso de sua índole mais verdadeira, convoca o empresariado e entidades civis a providências para dar ostensidade à celebração do Dia do Independência ou Morte. O diretor-gerente do FMI aprovou as contas submetidas por Lula e Antonio Palocci ao seu exame, mas não se sabe se chegou a ver o documento convocatório do patriotismo de fachada (em duplo sentido, sim, que a Presidência da República cobra dos empresários, entre outras nostalgias medicistas, a "decoração de sedes e fachadas").
À falta das mudanças para as quais Lula foi eleito, o que mais caracteriza a identidade do atual governo é sua fixação nas aparências. Empenha esforços e e gastos imensos para aparentar-se um governo das causas populares, enquanto pratica uma política econômica beneficente do sistema financeiro privado, particularmente dos grandes bancos particulares; e arrocha salários e vencimentos, pune os usuários da previdência social e logo também da previdência privada. Apresenta-se como o governo sem corrupção e pela moralidade, mas impede investigações parlamentares e transforma o título de ministro em proteção contra suspeições de irregularidades ou mais que isso. Todos muito democratas no Planalto, porém proponentes de meios de "controlar e orientar as atividades jornalísticas", que são, no melhor e no pior, o fundamento das liberdades democráticas.
Que independência pode celebrar o país cujo governo é orientado, examinado, inspecionado e sujeitado por uma entidade alheia ao país? O governo cobra a exaltação da independência nacional enquanto se submete ao mandatário para aprovação ou crítica do seu grau de obediência. Está certo: farsante pela metade não é farsante. As falsas aparências exigem falsidade total.


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