São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELEIÇÕES 2004 / POBREZA EM DEBATE

Sociólogo Eduardo Marques defende território como fator de reprodução da pobreza e diz que isso deveria basear os alvos de políticas sociais

"Território deve nortear gasto social em SP"

FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO

Geografia, no caso da pobreza, pode ser destino. Pobres com a mesma renda, no centro expandido de São Paulo ou no Jardim Ângela (zona sul), têm horizontes de vida diferentes -com larga vantagem para o primeiro grupo.
Quem sustenta o diagnóstico é o sociólogo Eduardo Marques, pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e professor da USP. Ele prepara com Haroldo Torres o livro "São Paulo: Segregação, Pobreza e Desigualdades Sociais".
Marques defende que o território é um dos fatores de reprodução da pobreza e deve ser critério na escolha dos alvos das políticas sociais. Há pontos, diz ele, onde investimento deve ser maciço para ter efeito -mesmo que isso custe deixar fora, momentaneamente, potenciais beneficiários em outras áreas.

 

Folha - O sr. defende que se use um critério territorial para alocar programas sociais. Por quê?
Eduardo Marques
- Baseado em um diagnóstico complexo, de que a pobreza não apenas se espacializa, se espraia como um tapete, mas tem no território uma de suas facetas. É possível comprovar isso estatisticamente e também com estudos qualitativos: grupos igualmente pobres em locais diferentes têm horizontes diferentes. Isso tem a ver com contato. A segregação muito intensa causa uma homogeneidade muito grande, faz com que não tenha contatos. São os contatos que trazem o emprego, a troca entre modos de vida, a intensidade das relações sociais, o fluxo de riqueza para dentro de comunidades pobres. Um dos elementos constitutivos da pobreza é sua dimensão territorial. Defendemos que não só as políticas de renda mas as políticas sociais em geral tenham o território como lógica. Assim consegue-se combater essa faceta de reprodução da pobreza que tem a ver com o próprio território: concentrando recursos em lugares, que, pela cumulatividade das precariedades, tendem a sorver dinheiro. Qualquer coisa que você coloque em lugar muito precário, os "hot spots", desaparece. Para tirar o lugar daquela situação, você tem de fazer um esforço concentrado.

Folha - Mesmo que essa escolha signifique deixar pessoas nas mesmas condições fora do programa?
Marques
- Sim. Na verdade, a política social é sempre assim: pode-se fazer isso implicitamente ou explicitamente. O cientista Wanderley Guilherme dos Santos diz que a política social é um conjunto de escolhas trágicas porque sempre há hierarquia de um problema em relação ao outro, e dentro do problema um grupo social em relação a outro. A questão é se se controla o critério de hierarquização, de maneira a fazer da forma mais eficiente e poder aplicar, depois, em outro lugar.

Folha - Como se situa a escolha territorial no debate universalização versus focalização das ações?
Marques
- Esse é um falso debate. Existem dois sentidos possíveis para a palavra focalização. O primeiro deles é ser o inverso da universalização no sentido dos direitos: reduzir o escopo dos beneficiários de uma política universal, ligada às discussões sobre neoliberalismo. A outra dimensão é constitutiva de qualquer política: o estabelecimento de prioridades. Em qualquer ação pública, o gestor indica o que ele vai fazer naquele ano. Ele não está negando o direito das pessoas que estão fora daquele lugar, só não está fazendo lá agora. E por que o segundo sentido é importante? Porque um dos problemas graves do sistema de proteção social é o erro de mira. Melhorar a mira é absolutamente fundamental. Infelizmente, no debate, essas duas questões ficaram misturadas. Toda vez que se vai falar de estratégias de encontrar o alvo não está se falando de negar direitos. Acertando o alvo, a possibilidade de aplicar bem e sobrar dinheiro é muito maior.

Folha - Nesse argumento está embutida a idéia de restrição orçamentária. Antes de tudo, não é preciso mais dinheiro?
Marques
- Sim e não. Se tivesse mais dinheiro, atingiria mais gente. Coisa diferente é conseguir aplicar bem o dinheiro. Por exemplo, fizemos para seis secretarias de Educação de SP estudo de compatibilidade entre oferta e demanda. Há uma dinâmica demográfica muito intensa na população metropolitana. A população está envelhecendo muito e, em alguns lugares, cai a taxa de fecundidade. Há lugares em que há equipamentos para crianças muito pequenas e não há criança pequena e as secretarias não sabem. Se você consegue estudar onde está a demanda e a oferta, consegue sugerir para as secretarias que convertam equipamentos.

Folha - Qual impacto do Bilhete Único e outras ações de transporte na questão da segregação?
Marques
- Ninguém tem idéia do quanto é [o impacto]. Ninguém consegue afirmar. A distribuição das atividades no território acontece baseada nos mercados de terra formal e informal -a ilegalidade também tem preço, casa na favela também custa caro. Nos valores da terra estão embutidos custos de transporte. Então quando você muda tão radicalmente os custos de transporte como o Bilhete Único, muda potencialmente a localização de uma enorme quantidade de grupos sociais e atividades econômicas, especialmente as de baixa renda. Em atividades econômicas empregadoras de baixa renda, que é quem usa transporte e que tem esses custos como significativos: é possível que a distância econômica se encurte. Os locais de classe média e de classe média baixa tendem a ficar mais baratos, porque perdem a vantagem que tinham da proximidade. E os de renda baixa tendem a ficar mais caros.


Texto Anterior: Outro lado: Ex-governador se recusa a falar sobre campanha
Próximo Texto: Datafolha: Pesquisa em Fortaleza mostra três deputados empatados em primeiro
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.