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ENTREVISTA DA 2ª
PAULO LACERDA
Para o diretor-geral da PF, não há viés político nas ações da instituição nem pressão do Planalto
"Polícia Federal nunca teve tanta autonomia como na gestão Lula"
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
À frente da instituição que tem
sido uma das principais -se não
a principal- bandeira do governo, o delegado Paulo Lacerda, diretor-geral da Polícia Federal,
afirma que o órgão nunca teve
tanta autonomia para atuar como
na gestão de Luiz Inácio Lula da
Silva e refuta a existência de qualquer tipo de pressão por conta de
o rol de investigados incluir estrelas ou ex-estrelas petistas.
"Nenhum, nenhum, nenhum",
responde, questionado a respeito
do peso político sobre as investigações em curso.
"Pessoalmente, acho que a PF
nunca teve essa autonomia. Portanto, eu me sinto inteiramente à
vontade para elogiar a conduta do
ministro da Justiça [Márcio Thomaz Bastos] e do presidente da
República no que diz respeito à liberdade que eles dão ao trabalho
da PF", complementa.
Em entrevista à Folha, na noite
da última quinta-feira, Lacerda,
diplomático, já adiantava que a
decisão sobre os futuros indiciamentos -ato formal que imputa
a pessoas suposta participação
em prática criminosa- relacionados ao inquérito do "mensalão" seria tomada em conjunto
com o Ministério Público Federal
e mediante a autorização do Supremo Tribunal Federal, no qual
tramitam os autos.
Animado com o curso da investigação, Lacerda evita restringir o
trabalho da PF à comprovação do
"mensalão". Para ele, o que interessa, do ponto de vista policial, é
apurar ilegalidades.
"Para uma investigação criminal, não importa se é "mensalão",
se é "semanão" ou "anualão'", diz.
Lacerda cita como resultado
concreto da apuração sobre o
"mensalão" as diligências de busca no Banco Rural, em Belo Horizonte, que demonstraram que
pessoas ligadas a parlamentares
receberam dinheiro das empresas
do empresário Marcos Valério.
Folha - Em que fase estão os inquéritos relacionados à crise?
Paulo Lacerda - Primeiro, é preciso dizer que são quatro e todos
eles investigam fatos determinados ["mensalão", supostas irregularidades praticadas no IRB, o
Instituto de Resseguros do Brasil,
Furnas Centrais Elétricas e Correios]. Um está sendo conduzido
sob a orientação do Supremo Tribunal Federal, o chamado inquérito do "mensalão", por envolver
parlamentares. Nesse inquérito
foi pedido um novo prazo [de 30
dias] e autorização para diversas
diligências, para o que houve concordância do Ministério Público e
autorização do ministro relator
[Joaquim Barbosa]. Recebemos o
inquérito de volta e daremos seguimento às diligências autorizadas. Nos outros procedimentos,
há pedidos de quebras de sigilo
bancário e fiscal. Está sob análise
uma vasta documentação requerida a vários órgãos. Paralelamente, aguardamos auditorias que estão sendo feitas pelos órgãos
competentes, como a CGU [Controladoria Geral da União]. Também estão sendo ouvidas diversas
pessoas relacionadas aos fatos e
sendo processados os exames periciais para a elaboração dos laudos técnicos. A PF tem tido uma
relação muito forte com as CPIs
[dos Correios, do Mensalão e dos
Bingos] e, por autorização judicial, está repassando e recebendo
dados, numa via de mão dupla
com as comissões. Isso tem ajudado muito o andamento da investigação.
Folha - Existe uma grande expectativa em relação à atuação do
Congresso e dos policiais. No Congresso, teme-se a pizza. Quanto à
PF, a investigação não poderia ser
mais célere?
Lacerda - A investigação do
Congresso Nacional tem um forte
conteúdo político. E visa também
verificar possível falta de decoro
de parlamentares. Já a investigação policial se destina a dar materialidade aos fatos investigados e a
viabilizar ao Ministério Público o
oferecimento de uma denúncia
criminal e a conseqüente abertura
de uma ação penal que poderá,
em tese, resultar em uma condenação dos envolvidos -e, como
tal, podendo até levar à pena de
restrição de liberdade. Então, enquanto uma falta de decoro pode
se revelar num simples ato de
mentir -e isso já seria suficiente
para caracterizar essa conduta e
até resultar numa cassação de
mandato-, na investigação criminal não basta saber que algo
aconteceu. É preciso provar que
aconteceu, e isso com exame de
peritos oficiais, para caracterizar
aquilo que constitui o crime. Lógico que os tempos de cada investigação são diferentes. Neste instante, PF e CPIs estão no mesmo
ritmo de trabalho, mas existirá
um momento em que as CPIs vão
acabar, mas a PF, o Ministério Público e a Justiça continuarão seu
trabalho de buscar elucidar todas
as implicações possíveis que se relacionam a esse fatos. Por exemplo: declaração de rendimento de
parlamentares incompatível
[com a renda], remessas para o
exterior... enfim, coisas que, neste
momento, a CPI não esteja priorizando, mas que contrariem a lei.
Folha - O que o sr. aponta como
resultados concretos nestes dois
meses do inquérito que apura o
"mensalão"?
Lacerda - O resultado fundamental foi a diligência de busca e
apreensão no Banco Rural, em
Belo Horizonte, quando a PF
apreendeu os documentos que
demonstraram o recebimento,
por pessoas ligadas a parlamentares -parentes ou assessores-,
de vultosos valores enviados por
empresas de Marcos Valério [Fernandes de Souza, empresário
apontado como o operador do
"mensalão"]. Essa foi a grande diligência que permitiu a constatação de que o dinheiro, de fato, era
liberado, por meio do Banco Rural, para essas pessoas. Até então,
falava-se que existia isso. Com essa diligência, fez-se a comprovação material, que é indispensável
a uma investigação.
Folha - Qual o próximo alvo?
Lacerda - Não gostaria de adiantar o que faremos.
Folha - Existe "mensalão"?
Lacerda - Sem ter os elementos
disponíveis -até porque a investigação está em andamento-,
não poderia, hoje, até para não ser
leviano, dizer se houve "mensalão". "Mensalão" dá a idéia de
mensalidade, pagamento mensal.
O que verificamos foi o recebimento de recursos em datas não
coincidentes mês a mês, mas que,
de qualquer modo, precisamos
verificar em todas as suas conseqüências -da origem ao real destino. Para uma investigação criminal, não importa se é "mensalão", se é "semanão" ou "anualão". Periodicidade ou quem recebeu não vêm ao caso. Os implicados terão de se explicar.
Folha - Já existem elementos que
permitam aceitar ou refutar a versão de Marcos Valério de que a origem do dinheiro distribuído a petistas e aliados são empréstimos
bancários?
Lacerda - Não. As novas diligências poderão produzir essa resposta.
Folha - Em seus últimos discursos, o presidente Lula apresentou a
PF como uma das principais bandeiras do governo. Como o sr. sente
essa pressão?
Lacerda - Não há pressão. Eu me
sinto muito feliz de a opinião pública estar reconhecendo o trabalho, o esforço da PF. É natural -
até porque a PF é um órgão de governo- que o próprio governo
diga o que pensa deste seu órgão.
Se estivéssemos em uma situação
muito ruim, com todos dizendo
que a PF é péssima, com certeza
os adversários do governo estariam explorando isso. Por que
não, no caso de estar havendo um
reconhecimento ao trabalho da
PF, o governo dar destaque a isso?
Não vejo nenhum problema.
Folha - Em agosto, houve 14 operações da PF, contra seis registradas em fevereiro e sete em junho,
por exemplo. É uma cortina de fumaça?
Lacerda - Isso é um absurdo. Nenhum outro órgão do governo, a
não ser a PF, tem conhecimento
das operações. Esses dados são
meramente coincidentes, não têm
nenhuma relação com a realidade
do nosso cronograma. As operações têm seu tempo próprio de
maturação, surgem da necessidade de executá-las em face de um
planejamento. Jamais a polícia se
preocupa com a agenda política.
E, se o fizesse, com certeza, os resultados seriam os piores possíveis.
Folha - Quem mais será indiciado
por crime contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro além
de Delúbio Soares, José Genoino,
Marcos Valério e Duda Mendonça?
Lacerda - Eu não saberia dizer.
Isso cabe aos delegados que estão
na investigação. É lógico que essa
avaliação não será apenas dos delegados mas também do Ministério Público. Trata-se de uma situação nova, que nem sequer está
prevista na lei. Nosso entendimento é que, como esse inquérito
do "mensalão" tramita no STF, a
PF irá sugerir indiciamentos, mas
a conclusão final sobre isso caberá
ao ministro relator [Joaquim Barbosa]. Isso, apesar da polêmica levantada na última semana, não é
o principal neste momento. Fundamental é garantir o êxito das diligências que irão propiciar esses
indiciamentos.
Folha - Houve falhas no inquérito
do caso Waldomiro Diniz, que já
tem um ano e meio e também virou
combustível para a crise?
Lacerda - Ao que sei, esse inquérito está na fase de quebras de sigilos bancário e fiscal de várias
pessoas envolvidas, cuja análise
há que ser feita para verificar se
aquilo que se cogitou realmente
ocorreu, ou seja, recebimento de
vantagens indevidas por alguém.
É preciso examinar a questão patrimonial. Agora, é afunilar para
as conclusões finais.
Folha - E quanto às falhas?
Lacerda O papel da imprensa é
fundamental em uma sociedade
democrática, mas, para a polícia
apurar os fatos, depois que saiu na
mídia, fica muito, muito mais difícil. Depois que o fato é noticiado,
todo mundo se prepara. Não estou dizendo que a imprensa não
deva divulgar, mas apenas justificando uma certa demora que
ocorre nestes casos em que o fato
se torna público antes de a investigação avançar, porque os investigados começam a se mexer e a dificultar o trabalho.
Folha - Como tratar as estrelas do
PT na investigação?
Lacerda - Do ponto de vista de
investigação, a PF está demonstrando que é um órgão isento. Se
[o investigado] é do PT, do PSDB,
do PFL... não há tratamento diferenciado. Do ponto de vista da
apuração, a única coisa que às vezes requer uma certa atenção e
cuidado é a observância das prerrogativas de função das autoridades, que é um prisma técnico. É
esse o caso, por exemplo, do inquérito que apura o "mensalão".
Folha - Então, não existe um viés
político na investigação?
Lacerda - Nenhum, nenhum,
nenhum. Minha ligação é com o
ministro da Justiça [Márcio Thomaz Bastos], que é funcional.
Aliás, é um ministro que tem
prestigiado muito a PF, tem dado
total liberdade à PF. Com todo
respeito aos outros governos, eu
não sei se a PF já teve, em algum
momento, essa autonomia. Pessoalmente, eu acho que não. Nunca teve. Portanto, eu me sinto inteiramente à vontade para elogiar
a conduta do ministro da Justiça e
do presidente da República no
que diz respeito à liberdade que
eles dão ao trabalho da PF.
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