São Paulo, segunda-feira, 05 de setembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA DA 2ª

PAULO LACERDA


Para o diretor-geral da PF, não há viés político nas ações da instituição nem pressão do Planalto

"Polícia Federal nunca teve tanta autonomia como na gestão Lula"

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

À frente da instituição que tem sido uma das principais -se não a principal- bandeira do governo, o delegado Paulo Lacerda, diretor-geral da Polícia Federal, afirma que o órgão nunca teve tanta autonomia para atuar como na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva e refuta a existência de qualquer tipo de pressão por conta de o rol de investigados incluir estrelas ou ex-estrelas petistas.
"Nenhum, nenhum, nenhum", responde, questionado a respeito do peso político sobre as investigações em curso.
"Pessoalmente, acho que a PF nunca teve essa autonomia. Portanto, eu me sinto inteiramente à vontade para elogiar a conduta do ministro da Justiça [Márcio Thomaz Bastos] e do presidente da República no que diz respeito à liberdade que eles dão ao trabalho da PF", complementa.
Em entrevista à Folha, na noite da última quinta-feira, Lacerda, diplomático, já adiantava que a decisão sobre os futuros indiciamentos -ato formal que imputa a pessoas suposta participação em prática criminosa- relacionados ao inquérito do "mensalão" seria tomada em conjunto com o Ministério Público Federal e mediante a autorização do Supremo Tribunal Federal, no qual tramitam os autos.
Animado com o curso da investigação, Lacerda evita restringir o trabalho da PF à comprovação do "mensalão". Para ele, o que interessa, do ponto de vista policial, é apurar ilegalidades.
"Para uma investigação criminal, não importa se é "mensalão", se é "semanão" ou "anualão'", diz.
Lacerda cita como resultado concreto da apuração sobre o "mensalão" as diligências de busca no Banco Rural, em Belo Horizonte, que demonstraram que pessoas ligadas a parlamentares receberam dinheiro das empresas do empresário Marcos Valério.

 

Folha - Em que fase estão os inquéritos relacionados à crise?
Paulo Lacerda
- Primeiro, é preciso dizer que são quatro e todos eles investigam fatos determinados ["mensalão", supostas irregularidades praticadas no IRB, o Instituto de Resseguros do Brasil, Furnas Centrais Elétricas e Correios]. Um está sendo conduzido sob a orientação do Supremo Tribunal Federal, o chamado inquérito do "mensalão", por envolver parlamentares. Nesse inquérito foi pedido um novo prazo [de 30 dias] e autorização para diversas diligências, para o que houve concordância do Ministério Público e autorização do ministro relator [Joaquim Barbosa]. Recebemos o inquérito de volta e daremos seguimento às diligências autorizadas. Nos outros procedimentos, há pedidos de quebras de sigilo bancário e fiscal. Está sob análise uma vasta documentação requerida a vários órgãos. Paralelamente, aguardamos auditorias que estão sendo feitas pelos órgãos competentes, como a CGU [Controladoria Geral da União]. Também estão sendo ouvidas diversas pessoas relacionadas aos fatos e sendo processados os exames periciais para a elaboração dos laudos técnicos. A PF tem tido uma relação muito forte com as CPIs [dos Correios, do Mensalão e dos Bingos] e, por autorização judicial, está repassando e recebendo dados, numa via de mão dupla com as comissões. Isso tem ajudado muito o andamento da investigação.

Folha - Existe uma grande expectativa em relação à atuação do Congresso e dos policiais. No Congresso, teme-se a pizza. Quanto à PF, a investigação não poderia ser mais célere?
Lacerda
- A investigação do Congresso Nacional tem um forte conteúdo político. E visa também verificar possível falta de decoro de parlamentares. Já a investigação policial se destina a dar materialidade aos fatos investigados e a viabilizar ao Ministério Público o oferecimento de uma denúncia criminal e a conseqüente abertura de uma ação penal que poderá, em tese, resultar em uma condenação dos envolvidos -e, como tal, podendo até levar à pena de restrição de liberdade. Então, enquanto uma falta de decoro pode se revelar num simples ato de mentir -e isso já seria suficiente para caracterizar essa conduta e até resultar numa cassação de mandato-, na investigação criminal não basta saber que algo aconteceu. É preciso provar que aconteceu, e isso com exame de peritos oficiais, para caracterizar aquilo que constitui o crime. Lógico que os tempos de cada investigação são diferentes. Neste instante, PF e CPIs estão no mesmo ritmo de trabalho, mas existirá um momento em que as CPIs vão acabar, mas a PF, o Ministério Público e a Justiça continuarão seu trabalho de buscar elucidar todas as implicações possíveis que se relacionam a esse fatos. Por exemplo: declaração de rendimento de parlamentares incompatível [com a renda], remessas para o exterior... enfim, coisas que, neste momento, a CPI não esteja priorizando, mas que contrariem a lei.

Folha - O que o sr. aponta como resultados concretos nestes dois meses do inquérito que apura o "mensalão"?
Lacerda
- O resultado fundamental foi a diligência de busca e apreensão no Banco Rural, em Belo Horizonte, quando a PF apreendeu os documentos que demonstraram o recebimento, por pessoas ligadas a parlamentares -parentes ou assessores-, de vultosos valores enviados por empresas de Marcos Valério [Fernandes de Souza, empresário apontado como o operador do "mensalão"]. Essa foi a grande diligência que permitiu a constatação de que o dinheiro, de fato, era liberado, por meio do Banco Rural, para essas pessoas. Até então, falava-se que existia isso. Com essa diligência, fez-se a comprovação material, que é indispensável a uma investigação.

Folha - Qual o próximo alvo?
Lacerda
- Não gostaria de adiantar o que faremos.

Folha - Existe "mensalão"?
Lacerda
- Sem ter os elementos disponíveis -até porque a investigação está em andamento-, não poderia, hoje, até para não ser leviano, dizer se houve "mensalão". "Mensalão" dá a idéia de mensalidade, pagamento mensal. O que verificamos foi o recebimento de recursos em datas não coincidentes mês a mês, mas que, de qualquer modo, precisamos verificar em todas as suas conseqüências -da origem ao real destino. Para uma investigação criminal, não importa se é "mensalão", se é "semanão" ou "anualão". Periodicidade ou quem recebeu não vêm ao caso. Os implicados terão de se explicar.

Folha - Já existem elementos que permitam aceitar ou refutar a versão de Marcos Valério de que a origem do dinheiro distribuído a petistas e aliados são empréstimos bancários?
Lacerda
- Não. As novas diligências poderão produzir essa resposta.

Folha - Em seus últimos discursos, o presidente Lula apresentou a PF como uma das principais bandeiras do governo. Como o sr. sente essa pressão?
Lacerda
- Não há pressão. Eu me sinto muito feliz de a opinião pública estar reconhecendo o trabalho, o esforço da PF. É natural - até porque a PF é um órgão de governo- que o próprio governo diga o que pensa deste seu órgão. Se estivéssemos em uma situação muito ruim, com todos dizendo que a PF é péssima, com certeza os adversários do governo estariam explorando isso. Por que não, no caso de estar havendo um reconhecimento ao trabalho da PF, o governo dar destaque a isso? Não vejo nenhum problema.

Folha - Em agosto, houve 14 operações da PF, contra seis registradas em fevereiro e sete em junho, por exemplo. É uma cortina de fumaça?
Lacerda
- Isso é um absurdo. Nenhum outro órgão do governo, a não ser a PF, tem conhecimento das operações. Esses dados são meramente coincidentes, não têm nenhuma relação com a realidade do nosso cronograma. As operações têm seu tempo próprio de maturação, surgem da necessidade de executá-las em face de um planejamento. Jamais a polícia se preocupa com a agenda política. E, se o fizesse, com certeza, os resultados seriam os piores possíveis.

Folha - Quem mais será indiciado por crime contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro além de Delúbio Soares, José Genoino, Marcos Valério e Duda Mendonça?
Lacerda
- Eu não saberia dizer. Isso cabe aos delegados que estão na investigação. É lógico que essa avaliação não será apenas dos delegados mas também do Ministério Público. Trata-se de uma situação nova, que nem sequer está prevista na lei. Nosso entendimento é que, como esse inquérito do "mensalão" tramita no STF, a PF irá sugerir indiciamentos, mas a conclusão final sobre isso caberá ao ministro relator [Joaquim Barbosa]. Isso, apesar da polêmica levantada na última semana, não é o principal neste momento. Fundamental é garantir o êxito das diligências que irão propiciar esses indiciamentos.

Folha - Houve falhas no inquérito do caso Waldomiro Diniz, que já tem um ano e meio e também virou combustível para a crise?
Lacerda
- Ao que sei, esse inquérito está na fase de quebras de sigilos bancário e fiscal de várias pessoas envolvidas, cuja análise há que ser feita para verificar se aquilo que se cogitou realmente ocorreu, ou seja, recebimento de vantagens indevidas por alguém. É preciso examinar a questão patrimonial. Agora, é afunilar para as conclusões finais.

Folha - E quanto às falhas?
Lacerda
O papel da imprensa é fundamental em uma sociedade democrática, mas, para a polícia apurar os fatos, depois que saiu na mídia, fica muito, muito mais difícil. Depois que o fato é noticiado, todo mundo se prepara. Não estou dizendo que a imprensa não deva divulgar, mas apenas justificando uma certa demora que ocorre nestes casos em que o fato se torna público antes de a investigação avançar, porque os investigados começam a se mexer e a dificultar o trabalho.

Folha - Como tratar as estrelas do PT na investigação?
Lacerda
- Do ponto de vista de investigação, a PF está demonstrando que é um órgão isento. Se [o investigado] é do PT, do PSDB, do PFL... não há tratamento diferenciado. Do ponto de vista da apuração, a única coisa que às vezes requer uma certa atenção e cuidado é a observância das prerrogativas de função das autoridades, que é um prisma técnico. É esse o caso, por exemplo, do inquérito que apura o "mensalão".

Folha - Então, não existe um viés político na investigação?
Lacerda
- Nenhum, nenhum, nenhum. Minha ligação é com o ministro da Justiça [Márcio Thomaz Bastos], que é funcional. Aliás, é um ministro que tem prestigiado muito a PF, tem dado total liberdade à PF. Com todo respeito aos outros governos, eu não sei se a PF já teve, em algum momento, essa autonomia. Pessoalmente, eu acho que não. Nunca teve. Portanto, eu me sinto inteiramente à vontade para elogiar a conduta do ministro da Justiça e do presidente da República no que diz respeito à liberdade que eles dão ao trabalho da PF.


Texto Anterior: Para Organizações Globo, governo faz "distribuição técnica" dos anúncios
Próximo Texto: Perfil: Paulo Lacerda é diretor-geral da PF desde 2003
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.