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INFÂNCIA
Legislação brasileira proíbe a divulgação de imagens e a obtenção de lucros na intermediação
ONG americana oferece crianças pela
Internet e cobra US$ 5.500 por adoção
MARIO CESAR CARVALHO
enviado especial a Curitiba
MARCIO AITH
de Washington
Uma entidade dos Estados Unidos, a Limiar, cobra US$ 5.500 para intermediar a adoção de uma
criança brasileira. O valor não cobre os gastos da família com passagens para o Brasil, hospedagem
e tradução de documentos, os
quais consomem mais US$ 15 mil,
em média.
As crianças são oferecidas pela
Internet. Um dos garotos é descrito assim: "Se Nelson Mandella tivesse 12 anos, seria parecido com
Marcelo. Menino normal, saudável. Seu sorriso derrete seu coração. Vídeo disponível" (veja mais
cinco ofertas de crianças no quadro ao lado).
"É uma barbaridade", classifica
o desembargador Moacir Guimarães, vice-presidente da comissão
de adoções internacionais do Paraná, de onde é a maioria das
crianças oferecidas pela Limiar.
"Adoção internacional está virando comércio", diz o promotor
Clilton Guimarães dos Santos, da
área da infância e da juventude
em São Paulo.
É proibido obter lucros com a
intermediação de adoção e oferecer crianças pela Internet, segundo a legislação brasileira (veja ao
lado o que pode e o que não pode
no Brasil).
Sem dinheiro, sem criança
A Folha desvendou a forma de
atuação da Limiar após dois meses de investigação no Brasil e nos
Estados Unidos. O ponto de partida foi o site na Internet (www.limiar.org) com a oferta de crianças brasileiras.
A pedido da reportagem da Folha, um casal norte-americano
inscreveu-se no site da Limiar para obter uma adoção.
Foi por meio desse casal que a
reportagem descobriu que a Limiar cobra pelas adoções e oferece um catálogo em vídeo com
imagens das crianças.
Os US$ 5.500 (ou R$ 10.461) pedidos para intermediar a adoção
de uma criança -o valor sobe para US$ 8.000 (R$ 15.216) quando
há um grupo de irmãos- são
compulsórios, segundo a Folha
apurou.
A descoberta de que a "doação"
é compulsória foi obtida por duas
vias. Primeiro, por intermédio do
casal americano que simulava a
adoção. Quando o casal disse, por
correio eletrônico, que não tinha
condições de fazer a doação, a Limiar interrompeu o envio de novas informações.
A segunda evidência veio de
uma família que buscava uma
criança brasileira para adotar. A
Folha teve acesso a reclamações
por escrito dessa família, que adotou duas crianças no Paraná.
Segundo os Anderson, uma família do Texas (oeste dos EUA), a
Limiar ameaçou processá-los caso não pagassem US$ 8.000. A Folha obteve correios eletrônicos
trocados entre essa família e
Nancy Cameron, presidente da
Limiar, e reclamações feitas pelo
casal em conversas públicas sobre
adoção na Internet.
"Meu advogado comunicou
que a Limiar está querendo US$
8.000 dele (de nós) pela adoção.
Isso é maluco. Eles não estão fazendo nossa adoção. É o nosso
advogado que está", escreveu
Terry Denise Anderson, numa
conversa pública via Internet.
Cameron disse à Folha que o
pagamento não é compulsório,
mas uma doação para custear os
projetos desenvolvidos com
crianças carentes no Brasil (leia
texto abaixo sobre os projetos).
Ela afirma que entre 25% e 50%
dos casais que fazem adoções pela
Limiar não fazem doação, mas
não quis revelar o nome de nenhum deles.
A Limiar diz ter intermediado a
adoção de mil crianças desde que
se instalou no Brasil, em 1984. Na
hipótese de ter cobrado em todos
os casos, teria arrecadado US$ 5,5
milhões, no mínimo. A Convenção de Haia, que regulamenta as
adoções internacionais e da qual
o Brasil é signatário desde julho
deste ano, proíbe as entidades que
atuam na área de ter lucros.
Catálogo de crianças
Duas semanas depois de se inscrever no site da Limiar, o casal
americano recebeu uma fita de vídeo com imagens de 76 crianças
brasileiras para adoção. É uma espécie de catálogo.
As crianças contam quantos
anos têm, do que gostam de brincar ou se passaram de ano na escola. A maioria está constrangida.
São convidadas por um funcionário da Limiar em Curitiba e por
Nancy Cameron a repetir expressões em inglês, como "bye bye"
(tchau) ou "good morning" (bom
dia). "Fala "I love you", fala!", convida o funcionário da Limiar. A
criança fica calada.
"Esse vídeo é um absurdo, fere
todas as leis. Fizeram um pacote
para adoção", diz o juiz Fabian
Schweitzer, da 2ª Vara da Infância
e da Juventude de Curitiba e integrante da Ceja (Comissão Estadual Judiciária de Adoção).
Há pelo menos duas irregularidades no vídeo, segundo o juiz.
Primeira: a família não pode escolher a criança a ser adotada; é uma
prerrogativa do juiz. "Escolher
uma criança contraria o princípio
moderno de adoção, que é encontrar pais para crianças sem família, e não encontrar bebês para
pais sem filhos", explica a psicóloga Lidia Weber, professora da
Universidade Federal do Paraná,
onde pesquisa adoções. Se a escolha fosse permitida, a criança poderia ir para uma família que não
é a mais adequada ao seu perfil.
A segunda irregularidade é que
as imagens em vídeo das crianças
não podem ser usadas para compor um catálogo.
Crianças passíveis de adoção só
podem ser fotografadas ou gravadas em vídeo com autorização judicial. Os juízes costumam autorizar os casos excepcionais, segundo Schweitzer: quando há cinco
irmãos que não podem ser separados ou quando a idade da criança dificulta a adoção -o que costuma ocorrer após os 7 anos.
"Mas o vídeo só pode ser mostrado para a família interessada.
Não pode haver divulgação pública", frisa o juiz.
A Limiar diz ter autorização judicial para gravar as 76 crianças
que aparecem no vídeo, segundo
Emmy Andersen, diretora da Limiar no Brasil. O que a entidade
não tem é autorização para reunir
os vídeos em um catálogo e oferecê-lo pela Internet. "Nós não sabíamos que era proibido. Agimos
inocentemente e com as melhores
intenções", diz Andersen.
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